Arquivo de Setembro 2009

0s 150 anos da Beneficência Portuguesa de São Paulo

Setembro 26, 2009
Carta da Diáspora 

0s 150 anos da Beneficência Portuguesa de São Paulo

João Alves das Neves (*) 
 
O primeiro hospital "São Joaquim" foi inaugurado em 1876. Fonte: Site da Prefeitura de SP.

O primeiro hospital "São Joaquim" foi inaugurado em 1876. Fonte: Site da Prefeitura de SP.

 

Fundada  por 168 portugueses, a Real e Benemérita Associação Portuguesa de Beneficência é hoje o maior centro hospitalar privado do Brasil  –  mantém os hospitais  de São Joaquim, fundado em 1876, e o de São José, inaugurado em 2008. 

A instituição atende em mais de  50 áreas médicas, tendo criado um Centro de Pesquisa com 37 núcleos  nas  áreas de cardiologia, urologia, clínica médica , pneumologia, infectologia, nefrologia, vascular, hepatologia e oncologia. Instalou um dos maiores bancos de sangue  do pais (coletou  30 mil bolsas de sangue em 2008). Faz  diariamente cerca de 40  cirurgias cardíacas. E tem um ícone da modernidade – o hospital São José com 111 leitos (70 para internações), 7 salas de cirurgia, 14 UTIs e 6 semi-intensivas,  MED Imagem e um Centro de Diagnósticos  – tudo isto foi realizado sem subsídios… O reconhecimento pelo alto nível médico-hospitalar explica a aprovação pelo Ministério da Educação e Cultura, em 1988, dos   cursos regulares de Pós-Graduação (Latu Senso) : hoje, são 8 cursos, que já formaram 500  profissionais. Entretanto, o Programa de Residência Medica já diplomou  73 especialistas (de 2001 a 2008) nos domínios da  anestesiologia, radiologia, diagnóstico por imagem e otorrinolaringologia, podendo afirmar-se que a “Beneficência”, não sendo uma escola, é um verdadeiro “Hospital de Ensino”.

Antigo e novo logo da Beneficência. O título de "Real e Benemérita" foi atribuío à instituição em 1901, pelo Rei de Portugal, D. Carlos I

Antigo e novo logo da Beneficência. O título de "Real e Benemérita" foi atribuío à instituição em 1901, pelo Rei de Portugal, D. Carlos I

Num estudo que publicou sobre “O papel da Beneficência Portuguesa e o problema da saúde no Brasil” salientou o  engenheiro Antônio Ermírio de Moraes  (Presidente desde  1971  até 2008)  que a entidade continua “a tradição inaugurada com o significativo amparo que prestou  às populações de Santos e Campinas, quando da epidemia da febre amarela de 1889, ocasião em que avultou a figura de Abílio Soares”.   Porém, a  melhor homenagem que o Dr. António merece do Brasil está justificada nas suas próprias palavras: “Tenho orgulho em sermos um  dos poucos hospitais que atendem a todas as classes sociais, incluindo o atendimento  a 60% de pacientes pelo Sistema Único de Saúde. Anualmente são mais de 300 mil pessoas beneficiadas com o nosso trabalho que, ao longo  de décadas, vem contribuindo para uma vida mais saudável de milhões de paulistanos e brasileiros.”   

Foto de Jurandir Lima

Foto de Jurandir Lima

Falam também por ele os números bem expressivos: nos 6 edifícios da “Beneficência”  (área construída de 143 mil metros quadrados), trabalham 6.000 pessoas – entre 1.500 do especialistas do corpo clínico, que dispõe de 64 salas cirúrgicas.  São realizadas 20 mil intervenções (incluindo 8 mil cardíacas) e 3.589 transplantes (em 7  áreas). Quanto ao número exato de leitos disponíveis é de  1.920 (com 223 de UTI).   

Tamanha ação explica  os  4 milhões de exames, em 2008,  nos mais  diversos setores. E testemunha igualmente as 30  mil cirurgias por ano. Professores de Medicina dão o seu contributo à entidade, que, graças à colaboração dos médicos e de   profissionais (técnicos e auxiliares de enfermagem), cumprem a tarefa 4.000 ambicionada pelos 168 portugueses que há 150 anos lançaram as bases de uma associação  que ampliou o projeto das Santas Casas de Misericórdia, iniciado pela Rainha D. Leonor, em 1498 (são agora quase 400 em  Portugal e 500 no Brasil):  o sonho ampliou-se com as “Beneficências” e os seus hospitais brasileiros de espírito lusíada. Como referiu o Presidente Antônio Ermírio de Moraes “a tradição” não morreu.  

presidentes

Decorridos 150 anos, a “Beneficência Portuguesa” cresceu com a cidade de São Paulo. A instituição   ultrapassou a fronteira médico-hospitalar, tornou-se patrimônio cultural  do Brasil, conforme disse o historiador Pedro Calmon, na conferência que proferiu

( 9-9-1961),  no Salão Nobre “Padre Manuel da Nóbrega”:  “O que observamos no salão fulgurante da Beneficência Portuguesa é a ilustração  dos grandes momentos da história comum, que nos dá a sensação estética  de estarmos, não no interior de um imenso estabelecimento hospitalar, mas dentro de um livro de horas, ilustrado e velho livro iluminado com as grandes cenas e os personagens insignes da nossa tradição, – convivendo com as sombras veneráveis dos homens que fizeram o Brasil”. (**). 

Rubens Ermírio de Moraes - atual Presidente do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo

Rubens Ermírio de Moraes - atual Presidente do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo

Lembramos as palavras do historiador brasileiro para homenagear o Dr. Atônio Ermírio de Moraes (***), que tão bem conhece os 33 vitrais do Salão Nobre da “Beneficência”, que documentam exemplarmente a História comum de Portugal e do Brasil. 

Clique aqui para visualizar a composição da Diretoria e Conselhos.

(*) Jornalista, escritor e professor de comunicação social, o autor deste artigo foi diretor da Real e Benemérita Associação Portuguesa de São Paulo durante mais de 30 anos e é membro do Conselho Consultivo da entidade luso-paulista.
(**)  Na fachada principal da entidade há mais 4 belíssimos vitrais e outros 6 iluminam a moderna capela.
(***) O atual Presidente da Diretoria é o dr. Rubens Ermírio de Moraes

Em 1876, o primeiro hospital

Setembro 22, 2009
por Gaspar da Silva*

Os mais poderosos auxiliares da civilização e do progresso são – a associação e a escola.

A eles se deve o estado de adiantamento das sociedades modernas.

A escola, franqueando o templo portentoso da ciência a todos os que a demandam, cria adeptos para a nova religião, para a grande religião tão brilhantemente apostolada por Mazzini e Castelas e Hugo e Michelet.

A associação, quando abrigada à sombra da liberdade e dirigida pelas idéias grandiosas que só a liberdade pode inspirar, é (deixem-me servir da frase de um ilustre escritor francês) a solução prática daquele ideal que as gerações passadas, por entre o caliginoso véu do fanatismo, queriam realizar, movidas por uma fé exagerada.

Refiro-me às associações beneficentes, porque das de classes, para maior força e prestígio, tanto individuais como coletivos, são óbvias as vantagens.

Era pela idéia, outrora obscura, da associação que se erguia, junto da irmandade a pequena enfermaria, onde o irmão indigente, em hora de doença, encontrava agasalho e conforto.

Foram ainda as luzes pálidas e frouxas dessa idéia sublime que instigaram nossos avós a construir os velhos hospitais, que tantos desgraçados têm disputado às garras da penúria, da fome e da miséria!

Hoje a associação é uma realidade esplendorosa!

Por toda a parte se bendiz a sua intervenção consoladora, benéfica salutar!

O país que tiver mais associações e mais escolas será o primeiro país do mundo.

A colônia portuguesa de S. Paulo deu uma prova do seu amor ao progresso, fundando uma associação de socorros.

Essa associação tem prestado serviços relevantes, que seria longo enumerar.

Ao português enfermo e pobre fornece-lhe meios de regressar à pátria, de voltar a respirar os ares puríssimos da formosa terra que o viu nascer, àquele que não carece de abandonar o opulento império de Santa Cruz, mas que precisa de socorro e auxílio, estende-lhe os braços e acolhe-o.

Doravante esse socorro será prestado em casa própria, no hospital que hoje se inaugura.

Essa casa é uma prova do quanto podem o esforço por uma idéia nobre, a dedicação e o patriotismo.

Esse edifício majestoso é um atestado imorredouro do quanto os sentimentos generosos e elevados são arraigados no coração dos portugueses.

Antigamente, os filhos de Portugal, altivos e empreendedores, arrojavam-se aos mares nunca d’antes navegados, como diz Camões na sua incomparável epopéia, e lá iam descobrir novos horizontes e mundos novos.

Se mãos de estranhos tentavam empolgar ou manchar a gloriosa bandeira das quinas, cada português era um soldado, cada soldado era um herói!

A história de Portugal é uma série de poemas, qual mais assombroso, qual mais brilhante!

Hoje Portugal estará decrépito, mas, em compensação, um seu filho que tanto o honra, o Brasil, engrandece-o ainda e há de continuar-lhe a série de glórias.

Ainda assim, a despeito da decrepitude de Portugal, os portugueses de hoje são briosos e nobres como os antigos.

Estes eram grandes na peleja e na conquista; os atuais são grandes no exercício da caridade, na prática das virtudes e no amor ao trabalho.

Por isso no dia de hoje o arcanjo formosíssimo da caridade se levanta radiante ao clarão de muitas almas, ao fogo de muitos corações.

Louvores à colônia portuguesa de S. Paulo!

Honra e louvores aos dignos membros da diretoria da Associação Portuguesa de Beneficência!

* Com o título de “A Sociedade Portuguesa de Beneficência”, o jornalista Gaspar da Silva publicou no jornal A Província de S. Paulo, em 20/08/1876, um curioso artigo, a propósito da inauguração do primeiro hospital da entidade. Reproduzimos esse histórico texto do redator de A Província (hoje, O Estado de S. Paulo). 

Os Vitrais

Setembro 22, 2009
Por Paulo Bomfim
 
Vitrais - por Jurandir Lima

Vitrais – de Jurandir Lima

Há muitos anos Antônio Ermírio de Moraes levou-me a conhecer o salão nobre da Beneficência Portuguesa.

Fui percorrendo com o amigo de infância a galeria de vitrais evocativos dos primeiros povoadores de Piratiniga.

Três deles me emocionaram: João Ramalho, Brás Cubas e Jorge Ferreira, personagens da genealogia de nossa família feita por Menezes Drummond na década de 30. Nessas pesquisas está a origem de meu Armorial, publicada em 1957, com ilustrações de Clóvis Graciano.

Contemplando o brasão de armas de Jorge Ferreira, penso no encontro do cavaleiro da Casa Real com sua futura esposa Joana Ramalho, filha de João Ramalho e de Bartira. No deslumbramento que deve ter sentido ao deparar, depois dos perigos da Serra do Mar, com a flor mameluca da Vila de Santo André da Borda do Campo.

Esse capitão-mor, governador da Capitania de São Vicente em dois períodos, de 1536 a 1538, e depois, de 1567 a 1572m foi proprietário de sesmarias na Capitania de Santo Amaro.

Foto por Jurandir Lima

Foto de Jurandir Lima

Combateu os tamoios que atacavam o povoado da ilha de Guimbé, reedificando a Fortaleza de São Felipe, na Bertioga.

Acompanha Estácio de Sá ao Rio de Janeiro, cidade da qual é considerado um dos fundadores.

E 1575, o genro de João Ramalho encontrava-se em Cabo Frio, combatendo os tamoios. Falece no Rio de Janeiro em sua sesmaria, já idoso, ao lado de Joana Ramalho, matris de sertanistas.

Primeiro foi o mar, selva noturna
Com solidões de estrela da manhã:
Houve ramos de sal sobre saudades,
E folhas transparentes de lembrança.

Primeiro foi o mar, terra perdida
Na oscilação de vales e montanhas,
Houve marcos plantados em salsugem,
E fronteiras na espuma descoverta.

Primeiro foi o mar, o chão de espanto,
Sulcado pela quilha dos arados
Que o vento fecundou em noite escura…

Depois, houve caminhos e sementes:
O sonho despertou areias brancas,
E a treva amanheceu em madrugada.

A História de Portugal e Brasil nos vitrais da Beneficência

Setembro 22, 2009

Por  João Alves das Neves

Fundada em 2 de outubro de 1859, a Real e Benemérita Associação Portuguesa de Beneficência mantém em São Paulo o Hospital São Joaquim, que dispõe de cerca de 2000 leitos e 1500 médicos, uma cinquentena de salas de cirurgia e equipamentos do mais alto nível.

Foto de Jurandir Lima

Foto de Jurandir Lima

Não é somente por isso que se destaca mas também porque reúne um dos mais importantes acervos artístico-históricos, principalmente no domínio dos vitrais – 48, distribuídos pelo salão nobre “Padre Manuel da Nóbrega”: (33 painéis), Capela (11) e fachada (4). Idealizado pelo Com. Abílio Brenha de Fontoura, é “um translúcido e colorido relicário a guardar, como um todo unido no tempo e no espaço, Portugal e Brasil”, disse o Poeta Guilherme de Almeida, que com os seus conhecimentos de heráldica teve participação direta na obra, cujos retratos e brasões foram ilustrados por Zucaro (pintor), Aristach (desenhista) e Leonardo Renhauer (responsável pela cor), sendo a execução de Conrado Sorgenitch, ao passo que a reprodução do políptico de São Vicente é cópia do original que se conserva em Lisboa.

Na entrada principal do edifício, apontam-se as figuras de São Joaquim (patrono do hospital), o Rei D. Afonso Henriques, a Rainha Santa Isabel e Pedro Álvares Cabral, esclarecendo-se que as peças são de 3 épocas distintas – as da fachada vieram do primeiro hospital (de 1876), as do salão nobre têm pouco mais de meio século e as da Capela são da década 60 do século XX, com imagens dos santos e beatos: Rainha Santa Isabel, São João de Deus, São Gonçalo, São João de Brito, Santo António de Lisboa e os Beatos Nuno Álvares Pereira e Inácio de Azevedo, além dos batizados de Cristo e do índio Diogo e mais 2 imagens sacras.

No fundo do salão nobre, encontra-se a cópia fiel do discutido políptico de São Vicente de Fora, atribuído a Nuno Gonçalves, separado em vitrais com 10 colunas com as seguintes inscrições: “Painel dos Frades”, “Painel dos Pescadores” – “Lisboa E.D. 1465” – “Nuno Gonçalves” – “Painel do Infante”, “Painel dos Cavaleiros”, “Painel da Relíquia”. Dos estudos em torno desta obra, salientamos a conferência “A Epopéia da Raça nos Vitrais da Beneficência Portuguesa”, proferida em 9 de setembro de 1961 pelo historiador Pedro Calmon, segundo o qual o salão Padre Manuel da Nóbrega é “o mais belo e sugestivo do país” – uma presença do passado “mais viva e poética”, como se fosse um Livro de Horas, “ilustrado e velho livro iluminado com as grandes cenas e personagens insignes da nossa tradição, convivendo com as sombras veneráveis dos homens que fizeram o Brasil”.

Explicando o sentido e o espírito dos vitrais, acrescentou Pedro Calmon: “A história principia com o sonho do Infante de Sagres deitando, das alturas do promontório, o olhar profético pelo mar “nunca dantes navegado”, vendo, e prevendo, para lá do horizonte físico, o perfil verde da terra adivinhada. Começa a história do Brasil com a epopéia das navegações e descobertas, quando o Infante D. Henrique como que abriu, com as suas mãos poderosas, as cortinas que velavam o mundo novo: e isto é incomparavelmente sugerido pelo políptico que se conserva no Museu de Arte de Lisboa, as famosas tábuas de Nuno Gonçalves”.

Foto de Jurandir Lima

Foto de Jurandir Lima

Os restantes vitrais do “Salão Padre Manuel da Nóbrega” ilustram, do lado direito, o Infante D. Henrique (o homem que sonhou e promoveu as pioneiras viagens interoceânicas), o Rei D. Manuel I (1495-1521), o Rei D. João III (1521-1557) e o colonizador e povoador Martim Afonso de Sousa (1530-1533), anotando-se igualmente o conjunto de 4 vitrais evocativos da chegada de Pedro Álvares Cabral e seus companheiros a Porto Seguro, bem como outros vitrais com os nomes e brasões dos navegantes e descobridores das novas terras.

Do lado esquerdo do grande salão, enumeram-se os homens que consolidaram o território de Vera Cruz: João Ramalho (1531), que fundou Santo André (a primeira povoação do planalto) e foi co-fundador de São Paulo, vindo depois os Padres Manuel da Nóbrega e Manuel de Paiva (que lançaram as bases de São Pulo), os quatro vitrais dos Bandeirantes (“Andam sempre de vigia / em contínuos perigos / com mil sobressaltos de Corpo e Alma”), vendo-se também o Padre António Vieira e a Rainha D. Leonor, que fundou em 1498 as Misericórdias, cujo espírito haveria de se alargar no século XIX às Beneficências dispersas por Portugal, Brasil e outras terras distantes. E constam ainda desta banda da sala nobre os brasões e pessoas que desbravaram e consolidaram a Nação Brasileira.

Por tudo isto se dá razão ao historiador Pedro Calmon, ao ponderar que o “Salão Padre Manuel da Nóbrega” é mais do que um símbolo: “Realmente, atinge o idioma a sua maturidade, o sentimento nacional desponta e afirma-se. A fisionomia do povo como que adquire o seu contorno físico, o Brasil ergue-se na oratória daquele padre (António Vieira) que tinha o discernimento do político e a visão do profeta”.

A BENEFICÊNCIA E AS MISERICÓRDIAS PELOS POETAS

Luiz Semião Ferreira Vianna, Joaquim Rodriguez Salazar e Miguel Gonçalves dos Reis

Luiz Semião Ferreira Vianna, Joaquim Rodriguez Salazar e Miguel Gonçalves dos Reis

No decorrer das comemorações, em 1959, do 1º centenário da Real e Benemérita Associação Portuguesa de Beneficência de São Paulo foram muitas e variadas as homenagens da Imprensa, das Autoridades Portuguesas e Brasileiras e até de alguns Escritores à instituição fundada em 2 de outubro de 1859.

Destacamos, entre essas homenagens a de Judas Isgorota, consagrado Autor Paulista, que publicou, na oportunidade, o “Poema Todo de Ouro”, transcrito a seguir:

Cinzelando o ouro velho, ouro de lei, maciço,

da mais augusta tradição coimbrã,

eu quis fazer uns áureos versos. Um poema

todo de ouro, em que, desde a palavra fúlgida,

à existência formal, desde o ritmo à essência,

tudo fosse moral e exemplarmente belo.

Um poema que lembrasse um lavor de Cellini

e tivesse em seu bojo, resplendente,

o pensamento de ouro

dos versos áureos que escreveu Pitágoras um dia.

Eu queria, porém, que esses meus versos áureos

dirigidos aos homens de manhã,

falassem da Beleza ideal dos crentes e dos simples

em sua exaltação à perfeição excelsa,

que é o Bem, o Amor, a Fé, a piedade cristã.

 

Para tanto busquei a história de três jovens

pobres e serviçais que viveram aqui.

A história se passou precisamente há um século.

São Paulo começava a descer o planalto

para ao depois transpor o Tamanduateí…

Eram eles: Luiz Semeão Ferreira Viana,

o segundo: Joaquim Rodrigues Salazar,

e o terceiro, Miguel Gonçalves Reis.

Os dois caixeiros, aprendizes de caixeiro;

Charuteiro modesto era o Gonçalves;

pobres, humildes, serviçais todos os três…

Tão simples, tão modestos, afinal,

que apenas se guardou de sua origem

terem nascido em Portugal…

Corações feitos de ouro,

almas feitas de luz, dessa luz que é bondade,

compreensão, amor, ternura humana;

dessa luz que ilumina as manjedouras puras;

os três jovens, sentindo as privações, as dores,

a vida ingrata e hostil de seus irmãos

na cidade que fora o seu sonho e que entanto

nada podia dar aos seus concidadãos;

os três, numa divina inspiração lançaram

a semente ideal!

E assim surgiu, precisamente há um século,

pobre, humilde e pequenino,

hoje monumental,

esse marco de glórias, que assinala

em terras de São Paulo a alma de Portugal:

 

– a Sociedade de Beneficência,

pela mais pura origem – Portuguesa:

pelos mais belos feitos – Benemérita:

pelos mais altos títulos – Real!

 

Eu quis fazer uns versos áureos. Um poema

da forma à essência feita de ouro em pó.

Não o fiz, pois que de ouro só o exemplo

 

puder dar-vos dos três:

de Luiz Semeão Ferreira Viana,

de Joaquim Rodrigues Salazar

e de Miguel Gonçalves Reis…

 

Não fiz que o desejar; por ser humano,

é tão precário, que dá dó…

Guardai, porém, o exemplo desses jovens,

que esse exemplo é de ouro, e ouro só!

 

Não menos significativo é o poema de Paulo Bomfim, intitulado No Quinto Centenário da Santa Casa de Misericórdia de Lisboa que está na gênese das Beneficências Portuguesas (há uma edição do Centro de Estudos Fernando Pessoa), relacionando o texto com as Casas da Rainha D. Leonor de Portugal.

Lembrando essa afinidade, a Real e Benemérita Associação Portuguesa de Beneficência de São Paulo mandou restaurar e colocar um medalhão de mármore, no jardim de entrada da entidade e que tem a seguinte inscrição:

Nossa Senhora da Misericórdia.

Escultura de 1876, restaurada

em 1998, ano do 500º aniversário

de fundação das

Santas Casas de Misericórdia.

Reproduz-se também nesta edição o poema de Paulo Bomfim:

E houve uma Santa Isabel

Semeando rosas no mar.

E um D. Diniz trovador

Transformando seu trovar

Nas flores que o verde pinho

Fez um dia navegar!

E houve naus e houve tormentas

Nos reinos do mar profundo,

E descobertas singrando

O olhar de D. João Segundo!

Senhora Dona Leonor

Coberta de ouro e prata,

De vosso gesto nasceu

A gesta-misericórdia

Em terras de Portugal!

Em vosso real regaço

A pedra da compaixão,

A telha da caridade,

A madeira do socorro

E as argamassas da prece,

Fizeram surgir de agosto

A Santa Casa, asa santa

Subindo aos céus de Lisboa

Na oração de Frei Miguel!

Cinco séculos passaram,

Cinco séculos presentes

Nesse milagre de amor

Que de uma Casa fez tantas

Casas Santas, Santas Casas!

E houve uma Santa Isabel

Semeando rosas aos ventos,

E houve Dona Leonor

Plasmando as Misericórdias

Em seu reino à beira mar!

E essas rosas e essas bênçãos

Hoje são alma e são corpo:

– Santa Casa de São Paulo,

Misericordiosamente,

Santa Casa do Brasil!