Arquivo de Fevereiro 2014

Amor pelo Brasil

Fevereiro 28, 2014

Por Cyro de Mattos

Graças à literatura tenho feito bons amigos. O último deles foi há poucos anos. É um americano, erudito, sensível, atencioso, qualidades inconfundíveis de seu caráter. Professor Emérito da Universidade de Austin, Texas, Fred Ellison tem um amor forte pelo Brasil. O abraço rico que vem dando há anos ao nosso País manifesta-se no ensino de língua e literatura brasileira nos Estados Unidos, passa pelo ensaísmo lúcido e alcança traduções admiráveis de autores importantes de nossas letras, como Rachel de Queiroz Helena Parente Cunha, Adonias Filho e Affonso Romano de Sant´Anna. Alguns poemas de minha lavra levam a marca da tradução exemplar do caro amigo. .

“Brasilianista” dos melhores, Fred Ellison proporciona agora em “Alfonso Reyes e o Brasil” (Editora Topbooks, Rio, 2002) estudo substancioso sobre a temporada que o embaixador-poeta mexicano passou entre nós. O assunto encontra no americano o ensaísta maior. A pesquisa criteriosa do espírito sensível, que caminha de mãos dadas com o discernimento para erguer na escrita agradável uma vida intelectual plena de reflexões, projeções, esperanças e realizações em chão brasileiro.

Desse livro emerge todo o clima intelectual e emotivo que o embaixador-poeta mexicano teve pelo Brasil durante os sete anos em que aqui esteve. Abordam-se como nenhum intelectual brasileiro tentou fazer até hoje, o que não deixa de ser omissão lamentável, as múltiplas atividades e relações culturais que o embaixador-poeta mexicano empreendeu em prol do Brasil. Foram  anos em  que ele  se dedicou de  modo afetuoso às relações diplomáticas e à cultura brasileira, em namoro intenso,  de quem escreveu contos, poemas e ensaios tendo como ponto de referência nossas coisas e gente.

 O livro de Fred Ellison é leitura obrigatória para quem quiser saber sobre a vida cultural do Brasil nos anos 30. Reconhecer intelectuais do circulo de relações de Alfonso Reyes, bem como suas atuações culturais em nossas artes e letras. Cecília Meireles, Oswald de Andrade, Renato Almeida, Di Cavalcanti, Portinari, Cícero Dias, Manuel Bandeira, Ribeiro Couto e Alceu Amoroso Lima, estes foram alguns de nossos homens de letras e artes que se tornaram amigo desse embaixador e escritor de extração renascentista. Manuel Bandeira fala do mexicano com afeto em “Rondó dos Cavalinhos”, no almoço de despedida oferecido por diplomatas e entidades brasileiras no Jóquei Clube do Rio, e no outro poema  “Rondó do Palace Hotel”,  no qual  os dois últimos versos, “Por alguém que não está presente/ No hall do Palace”, dizem respeito a Alfonso Reyes.

Fico sabendo no livro “Alfonso Reyes e o Brasil” que o diplomata teve ânsias de entrar em contato com os intelectuais brasileiros assim que aqui chegou. No início nossos homens de letras não foram tocados pelos acenos do mexicano, que nunca escondeu nas intenções e atitudes  a inquieta admiração pelos brasileiros e sua paisagem. Momentos de amizade foram se fazendo com nitidez pouco depois, e, dos encontros que continuavam, a oportunidade era dada ao intercâmbio de idéias, informações e juízos críticos consistentes.

Até hoje pouco sabia da atuação e amor desse notável embaixador-poeta- mexicano pelo meu País. Acredito que o mesmo se deu com a minha geração nos anos 60. No livro  de Fred Ellison, através de entrevista concedida a Aurélio Buarque de Holanda, posso sentir como esse  embaixador mexicano teve no Brasil uma temporada das mais felizes de sua vida, contribuindo para isso dois elementos essenciais: o homem e a natureza.. “Tudo do melhor em minha existência”, ele assinalou, em momento de puro encantamento.. E, enamorado do Brasil cada vez mais, tanto o elogiou que todos os mexicanos quiseram vir ao Brasil como embaixador e desse modo lhe tomaram o posto.

Fico sabendo ainda no ensaio de Fred Ellison que, no livro “Romances  del Rio  de Enero” ( A.A. M. Stols, Méixo, 1933),  o poeta embaixador  diz em versos seu caso de amor pelo Rio de Janeiro,  simbolizado pela moça que há tempo tinha desejado. Seu encanto pelo Rio de Janeiro aparece com fortes pulsações  líricas no poema “Río de Olvido”, incluso no mesmo livro.

O NEOESCRAVAGISMO CUBANO

Fevereiro 27, 2014

Por Ives Gandra da Silva Martins

A Constituição Federal consagra, no artigo 7º, inciso XXX, entre os direitos dos trabalhadores:

 “XXX – proibição de diferença de salários, de exercício

de função e de critério de admissão por motivo de

sexo, idade, cor ou estado civil.”

O programa “Mais Médicos”, do governo federal, oferece, para todos os médicos estrangeiros “não cubanos” que aderiram ao programa, um pagamento mensal de 10.000 reais.

Em relação aos médicos cubanos, todavia, estes 10.000 reais são pagos ao governo da ilha, que os contratou através de sociedade  intitulada “Mercantil Cubana Comercializadora de Serviços Médicos Cubanos S/A”. Pela cláusula 2.1 “j” desse contrato, receberia cada profissional no Brasil, apenas 400 dólares por mês, depositando-se em Cuba outros 600 dólares.

Em face da cláusula 2.1 “n” deve o profissional cubano guardar estrita confidencialidade “sobre informações não públicas que lhe sejam dadas”. Pela cláusula 2.2 “e” deve abster-se de “prestar serviços e realizar outras atividades diferentes daquelas para que foi indicado”, a não ser que autorizado pela “máxima direção da missão cubana no Brasil”. Não poderá, por outro lado, “em nenhuma situação, receber, por prestação de serviços ou realização de alguma atividade, remuneração diferente da que está no contrato”. Há menção de vinculação do profissional cubano a um Regulamento Disciplinar (Resolução 168) de trabalhadores cubanos no exterior, “cujo conhecimento” só o terá quando da “preparação prévia de sua saída para o exterior”. Na letra 2.2 “j”, lê-se que o casamento com um não cubano estará sujeito à legislação cubana, a não ser que haja “autorização prévia por escrito” da referida máxima Direção Cubana. Pela letra 2.2 “g” só poderá receber visitas de amigos ou familiares no Brasil, mediante “comunicação prévia à Direção da Brigada Médica Cubana” aqui sediada. Pela letra “r”, deverão manter “estrita confidencialidade” sobre qualquer informação que receba em Cuba” ou no “Brasil” até “um ano depois do término” de suas atividades em nosso país.

Por fim, para não me alongar muito na reprodução do contrato, pela cláusula 3.5, o rofissional será punido, se abandonar o trabalho, segundo “a legislação vigente na República de Cuba”.

A leitura do contrato demonstra, nitidamente, que consagra a escravidão laboral, não admitida no Brasil. Fere os seguintes artigos da Constituição Brasileira: 1º incisos III (dignidade da pessoa humana) e IV (valores sociais do trabalho); o inciso IV do art. 3º (eliminar qualquer tipo de discriminação); o art. 4º inciso II (prevalência de direitos humanos); o art. 5º inciso I princípio da igualdade) e inciso III (submissão a tratamento degradante), inciso X (direito à privacidade e honra), inciso XIII (liberdade de exercício de qualquer trabalho), inciso XV (livre locomoção no território nacional), inciso XLI (punição de qualquer discriminação atentatório dos direitos e liberdades fundamentais), art. 7º inciso XXXIV (igualdade de direitos entre trabalhadores com vínculo laboral ou avulso) e muitos outros que não cabe aqui enunciar, à falta de espaço.

O governo federal, que diz defender os trabalhadores– o partido no poder tem este título-, não poderia aceitar a escravidão dos médicos cubanos contratados, que recebem no Brasil 10% do que recebem os demais médicos estrangeiros!!!

 Não se compreende como as autoridades brasileiras tenham concordado com tal iníquo regime de escravidão e de proibições, em que o direito cubano vale –em matéria que nos é tão cara (dignidade humana)–, mais do que as leis brasileiras!

A fuga de uma médica cubana –e há outros que estão fazendo o mesmo— desventrou uma realidade, ou seja, que o programa do Mais Médicos esconde a mais dramática violação de direitos humanos de trabalhadores de que se tem notícia, praticada, infelizmente, em território nacional.

Que o Ministério Público do Trabalho tome as medidas necessárias para que estes médicos deixem de estar sujeitos a tal degradante tratamento.

Setor Público: Hora de Inovar em PPP e Concessões

Fevereiro 26, 2014

Por Saulo Krichanã Rodrigues

A decisão de suspender a mudança esperada nos indexadores da dívida de estados e municípios – expectativa de prefeituras como São Paulo ou de estados como Alagoas – pode fazer com que os gestores públicos, por linhas tortas, pensem em diversificar a matriz de recursos tradicionalmente utilizada no financiamento dos investimentos públicos, notadamente aqueles que podem ser feitos através das operações de Concessões e Concessões via Parcerias Público Privadas, as PPP.

É preciso fazer investimentos em creches, corredores de ônibus, iluminação pública, saneamento básico, unidades de saúde e outros ativos públicos, em cenário de orçamento contrito, isto é, com despesas correntes e endividamento no limite prudencial estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal?

Ao invés de se licitar cada um desses ativos por si só, por que não fazer uma licitação para que investidores interessados na criação, gestão e operação de cada um desses ativos públicos se organizem através da constituição de Fundos de Investimento que irão formar esses ativos? E, ao final do seu prazo de maturação, reverter os ativos criados para o setor público que demandou e fomentou a sua criação?

Há várias vantagens nisso: primeiro quem cria os fundos não é o governo; são os agentes qualificados pela legislação da CVM. Assim, com personalidade jurídica própria, quem irá tomar recursos no mercado não serão os agentes públicos, mas sim os Fundos de Investimento, evitando-se o endividamento da sociedade como um todo.

Segundo, para haver interesse desses investidores, é preciso que cada um dos projetos a ser desenvolvido possua requerimentos de segurança, atratividade (retorno) e liquidez que interesse a cada um dos prováveis investidores em cotas desses fundos, isoladamente ou através de Fundos de Previdência, do FGTS, dos recursos do FUMPRESP, de Fundos de Investimentos Setoriais e daí por diante.

Já se permitem aplicações de recursos do FGTS, por exemplo, na compra de ações do Banco do Brasil e da Petrobrás: porque existe expectativa de segurança, retorno e liquidez de acordo com o racional de aplicação de cada um desses aplicadores detentores do capital institucional disponível.

A aplicação em cotas de projetos de investimento para a formação de ativos públicos em áreas carentes e de demanda reprimidas de saúde, mobilidade, saneamento, educação e tantas outras, vai nesta mesma direção: os Comitês de Investimento dos Fundos de Previdência, ou as assembleias de cotistas de fundos setoriais são as instâncias a preservar os cânones previstos em seus estatutos de constituição.

Terceiro, os investidores nos Fundos serão apenas acionistas do Fundo.

Por injunção de governança, jamais se confundirão com as Sociedades de Propósitos Específicos (SPE) que o estatuto dos Fundos pode e deve criar. Assim, as SPE dos Fundos podem estruturar projetos ou analisar projetos estruturados através de PMI ou MIP desenvolvidas pelos gestores públicos para fins de concessão e PPP.

E prever, por exemplo, a necessidade de recursos não apenas para a construção, a operação e a manutenção dos ativos a serem formados como, também, para comprar títulos de governo para oferecer em garantia durante o prazo de formação desses ativos. Ou para prover as despesas pré-operacionais para o desenvolvimento e/ou a avaliação das PMI ou das MIP em projetos de infraestrutura demandados pelo setor público.

Assim, terão lastro suficiente para oferecer as garantias previstas nas licitações de concessões e PPP, garantindo governança, sem onerar os acionistas do capital dos Fundos.

Podem, pois, utilizar o Fundo como veículo primário de captação e prever carregar a captação secundária de outros veículos de “dívida” e de “risco”, tais como as debêntures de infraestrutura ou as linhas do sistema BNDES, para alavancar e aumentar a rentabilidade das cotas do Fundo, preservando os demais cânones de segurança e liquidez ao tempo da maturação dos projetos.

Pode-se também aproveitar a oportunidade de alterar a matriz de investimentos e agregar os processos de recuperação de créditos orçamentários – os tão indefectíveis quanto macarrônicos programas de parcelamento de dividas com o erário –, e permitir que os devedores possam utilizar o pagamento do que devem para aplicar em cotas de Fundos de Investimento em Garantia de Investimentos Públicos (Fundos Garantidores de PPP).

O pagamento do principal e os juros das dívidas renegociadas serão o lastro desses Fundos e o retorno das cotas só poderá ser sacado ao final dos prazos das operações de concessão e PPP que estiverem contra garantindo.

Ou seja, como desafia o bom provérbio chinês, há mil maneiras de se esfolar um gato: ou dito de outra forma, as portas nunca se fecham quando o objetivo é nobre e existem caminhos que podem ser trilhados. Se não fosse assim, as crises não seriam a contrapartida ideal das oportunidades.

ASSOBIEM-LHE ÀS BOTAS

Fevereiro 25, 2014

Por Fernanda Leitão

Não sei o que me surpreende mais: se Miguel Relvas e Passos Coelho indicando a porta da emigração aos que em Portugal são lançados ao desemprego e à indignidade, se Pires de Lima e Poiares Maduro a garantirem que, depois de uma experiência laboral no estrangeiro, o emigrante regressa sem hesitações ao nosso país. A minha surpresa deriva de eu não considerar destituídos de inteligência os personagens apontados e de me repugnar a possibilidade de eles serem uns fariseus desavergonhados. Prefiro pensar que se trata de ignorância no estado puro.

O português, tão visceralmente agarrado ao seu terrunho, tem a emigração por uma fatalidade, uma infelicidade, uma afronta pessoal que não esquece nem perdoa, ressentimento que passa por inteiro aos seus descendentes. Sai por se sentir rejeitado pelos donos da Pátria. Bate com a porta engulindo lágrimas. Nunca mais se cura dessa dor. Por sobrevivência, atira-se ao trabalho que aparece no estrangeiro, seja ele qual for, e em geral é a dureza que os nacionais não querem aguentar, priva-se de muita coisa, anula-se mesmo, para garantir a independência económica com que evitará aos seus filhos as humilhações  que os donos da Pátria infligem a quem não faz parte da sua capelinha partidária ou da sua teia corrupta. Porque a desgraça de Portugal é, foi sempre, a possibilidade de ter donos do poder, graças à ausência de investimento maciço na Educação.  Fosse o povo educado, com boa bagagem técnica e cultural, todo ele, que não havia donos e a democracia seria natural. Digamos que os donos do poder, em Portugal, o são porque, cobardemente, vivem desta exploração vil. Não aguentam confrontação de igual para igual, vivem de rebaixar o povo.  Sendo as coisas o que são, e não as que imaginam os que fazem da política um modo de vida, fácil é perceber que o emigrante passa a ser um turista que vai a Portugal uma vez por ano ou de tantos em tantos anos. E isso mesmo enquanto os filhos são pequenos e obedecem aos pais, porque depois de crescidos as férias são nos cruzeiros e praias doutras paragens. Têm saudades da boa comida e do bom vinho? Nem tanto como se imagina porque o Mercado da Saudade é um facto. Onde houver comunidades portuguesas compra-se tudo o que a Pátria dá,  do azeite à couve galega, do peixe aos feijões, da cerveja Sagres ao tremoço, do queijo às carnes fumadas.  Tudo isso abunda cá por fora, incluindo as castanhas maila pera Rocha. E depois há os clubes onde os mais velhos vão beber o seu copo e conversar, que lhes são sala de festas durante o ano. Uma ida de um mês a Portugal chega-lhes para abraçar família e amigos, para observarem o que se passa e regressarem sempre  com a mesma opinião: aquilo por lá não se entende, nem se percebe como vivem, mas continuam a olhar para nós por cima do ombro.

Com este estado de espírito, compreende-se que a abstenção eleitoral na emigração atinja facilmente os 90 por cento. Sem perceber nada do que anda a fazer, quem está no poder tentou, de modo canhestro, domesticar esta rebeldia silenciosa implantando por cá delegações partidárias, um falhanço redondo que só serviu para meia dúzia abichar viagens e condecorações. As visitas de deputados e secretários de estado, em tempos de aperto financeiro ou de eleições, reduzem-se a umas cerimónias pífias no consulado seguidas de jantaradas, sempre com os mesmos clientes, perante a indiferença da comunidade. A propagandeada luta pela língua portuguesa, é tida como uma treta e uma vigarice que serve para encaixar afilhados e seus familiares desempregados em Portugal. Os consulados funcionam mal ou menos mal consoante o chefe da missão, sendo um dado adquirido que a qualidade do pessoal deiplomático tem vindo a descer de forma assustadora. Os bancos estão de arraial armado nas comunidades, todos à caça da poupança, mas nenhum deles abriu nunca a porta aos empresários locais para que se implantassem indústrias e comércios em Portugal. Tudo, na relação de Portugal com a emigração, reside no reino do faz de conta.

Leio que  Presidente da República vem a Toronto e a São Francisco da Califórnia para reuniões com empresários. Acho engraçado este acordar presidencial do mesmo personagem que, quando rebentou a fraude da Caixa Económica Faialense, em que estavam envolvidos figurões do PSD, não levantou um dedo para acudir aos milhares de defraudados, entre os quais um que se matou e outro que matou a tiro o gerente dessa unidade bancária em Toronto, tendo mesmo a então secretária de estado das Comunidades recusado receber os representantesm dos lesados, e tendo fechado os olhos ao facto do então ministro da Administração Interna, o seu amigo Dias Loureiro da roubalheira do BPN, ter mandado a polícia espancar as centenas de emigrantes que, perdidas as economias de uma vida, se manifestaram em Lisboa. O mesmo personagem que, sendo primeiro ministro e tendo vindo a Otava prestar contas ao governo canadiano que vivia tempos de ira contra armadores portugueses e espanhóis que dizimaram o bacalhau da Terra Nova, com isso levando à falência pescadores e indústrias locais, se deu ao capricho de vir a Toronto, em carro oficial de cortesia canadiana, para, empoleirado nas escadas exteriores dum clube que já fechou, empinar o queixo para dizer aos emigrantes que voltassem porque Portugal era “um caso de sucesso”. Militante da seita dos que nunca se enganam nem têm duvidas, ficou a pregar sózinho.  E agora, ei-lo de novo. Se os investidores estrangeiros e nacionais olham com grandes reticências o completo fracasso dum governo que aplica de cócoras a austeridade suicida que a Merkel exige, por alma de quem o emigrantes português terá de comprar o vigésimo premiado a quem nunca deu garantias?

Tarde piaste.  Assobiem-lhe às botas.

 

Arte e inutilidade

Fevereiro 24, 2014

Por Nilto Maciel

Impaciente, corri três vezes até o portão. Na quarta, quando ia encostar a venta no alumínio e vasculhar a rua, avistei aquela carinha linda do lado de fora. Para não demonstrar ansiedade, deixei-a acionar a campainha duas vezes. E, então, como se acabasse de me aproximar do portão, gritei: Já vai. Quem é? Sou eu. Eu quem? Janete. Meti a chave na fechadura, puxei a folha com chave e tudo e abri os braços. Desculpasse o suor: acabara de chegar do shopping. Ela me deu abraço muito sutil e entramos na casa, a mentir pelos poros.

Depois de cinco minutos nessa lengalenga, iniciamos a aula. Peguei Ar de arestas (São Paulo: Escrituras, 2013), de Iacyr Anderson Freitas, e me pus a tagarelar: Tenho acompanhado a trajetória literária (ou editorial) de Iacyr, desde os vagidos iniciais. Não me lembro do primeiro contato. Terá sido em 1982, ano de publicação de Verso e palavra? Recentemente (dezembro de 2010) referi-me a ele no artigo “A obra poética de Iacyr AndersonFreitas”. A mocinha examinava minha euforia: O senhor tem demonstrado admiração por ele. Concordo com suas palavras.

Pedi silêncio e me entreguei à parolagem: Em Ar de arestasverifiquei umas singularidades (não fosse o impresso agradável aos olhos e ao tato, pela capa dura, pelas fotografias de Ozias Filho, pelo tipo do papel e pelo formato menos comum): o poema (ou são vários?) é constituído apenas de quartetos, em rimas alternadas, quase todas dos tipos “ricas”, “agudas” e “graves”. O metro é sempre o de sete sílabas, a chamada redondilha maior. Janete Clair me fez calar: Será mesmo importante referir-se a isso? Possivelmente não. Entretanto, sempre é tempo de lembrar certas normas aos jovens. O senhor vê em Iacyr pura imitação de Drummond? Não, talvez nem se aproximem um do outro. Vejo mais semelhanças com João Cabral.

Reli alguns cantos em voz alta. Impus breve pausa e ela se aproveitou disso: Ele se refere às arestas da poesia? Pediu o objeto e se pôs a ler: ‘Surpreende-se a serpente / em cada naco de frase. / Ora, vagando, urgente, / ora fixa em sua base’. Li estas linhas e fiquei com a pulga atrás da orelha. A serpente seria o quê? Até me lembrei de Jorge de Lima.

Pego de surpresa pela astúcia (pode-se falar em inteligência?) da menina, tentei parecer mestre: Tudo é possível captar nos livros. Solicitei o volume e lecionei: Como na pintura abstrata. Na verdade, pressenti antes de tudo a dor humana cantada e chorada: ‘um vazio de nascença’, ‘ter por dentro essa falta’, ‘em si mesmo soterrado’.

Senti necessidade de passear ao redor de mim mesmo. Ao voltar ao sofá, ela disparou: É de alto nível? Não titubeei: Sim, de alto nível, embora o leitor menos experiente também possa alcançar o seu significado. Janete queria me irritar mesmo: Então o analfabeto não pode ler boa poesia? Ou a frase informal não tem qualidade? Deixe de preconceito, professor. Quase tive ataque apoplético: Acalme-se, jovem. Nunca me senti próximo do entendimento segundo o qual poesia de alto nível seja aquela entendida apenas pelos homens letrados ou intelectuais. Na verdade, nem pintura nem música carecem de entendimento. Basta senti-las. Porém, não restam dúvidas: há uma arte cerebral e outra dos sentidos. Às vezes, se confundem, são a mesma coisa. Música clássica é assim.

Minha secretária apareceu. Entendi ter chegado a hora de dar trabalho à garganta. Vamos tomar suco, Janete? À mesa, dedicamo-nos apenas a trivialidades: doce de mamão, chuva por vir, calor de trinta graus. E comemos e bebemos feito dois irmãos.

De novo acomodado no sofá, agarrei Bazar do Braz: Poemas & Anzóis (Goiânia: Kelps, 2012). Dediquei-me a manifestar admiração pela figura humana e pelo escritor Valdivino Braz. Conheço este poeta há quase meio século. Antes mesmo de me ir pra Brasília, já me correspondia com ele. Entretanto, só estivemos frente a frente em 1978, não sei se na capital do país, se na de Goiás. Foram abraços, cervejas, risadas, publicações. Janete me interrompeu algumas vezes: E continua essa amizade? Sim. Vez por outra, trocamos cartas, como antigamente. Os livros ainda circulam pelos ares.

Iniciei breve apresentação do Bazar. A moça quis saber minha opinião: Parece brincadeira? Sim, é galhofa pura. Valdivino é sujeito alegre, expansivo, como se dizia. Fala alto e grosso, irradia luz, embora seja pequenino e magro. Ultrapassei cinco minutos em elogio ardente ao poeta goiano, até ouvir reclamação: Não vai comentar o conteúdo? Sorri: O subtítulo dá início aos gracejos: ‘poemas & anzóis’. Pensei em pesca de pessoas. A sapeca opinou de novo: Quiçá não dê um passo além do humor. Não, ele nos leva a pensar e conversar. Não tem aquela seriedade ou sisudez de Iacyr. Também não se torna carnavalesco. Como em “Casa do Mané”, homenagem a Manoel Coutinho Carneiro, natural de Piripiri, Piauí, dono de casa de pasto (misto de bar e restaurante), no qual se oferecem, aos clientes, “típicos petiscos e pratos / de estilo caseiro, / tempero com esmero”. A menina é sabida: Lembra os repentistas. Corrigi-a: Não na medida do verso e na rima soante. A danada não se deixou abalar: Há nele textos em prosa muito debochados, na esteira do modernismo de 22, especialmente Oswald. Aproveitei a deixa: Tudo misturado, como convém ao modernista exemplar. A garota completou: Valdivino zomba dos tipos urbanos, em descrições minuciosas, caricaturas dignas de Gregório de Matos.

Deixei-a a resmungar e iniciei passeio pelos corredores. Sempre ajo assim, quando me sinto incomodado por visitas. De regresso à sala, vinha com a ideia de ler duas ou mais composições de meu amigo. Agora permaneça caladinha e ouça: “Um poliglota, o Hipólito. O hipopótamo. Cheio de línguas. Latim. Grego. Um esnobe. Uma íngua. Um chato de galocha. Etílicos, inchados, os olhos-bulbos. Um sábio com a boca cheia de vocábulos. Por mares nunca dantes navegados. Hipólito Sanchez, a pança. Ordenança de Quixote, citando Oscar Wilde: ‘Toda arte é absolutamente inútil’. Dose pra elefante”.

A estudante não me deixou ir adiante: Isso é poesia? E se for apenas inutilidade? Assustei-me. Tivesse cuidado com a língua. O senhor agora tem cara e modos de pastor evangélico.

JOÃO ALVES DAS NEVES – HOMENAGEM

Fevereiro 20, 2014

por Mafalda Ferro

Tive o grato prazer de conhecer João Alves das Neves que, por duas vezes, se deslocou à Fundação António Quadros, para conhecer a Fundação e me entregar em mão algumas das suas obras às quais acrescentou uma dedicatória manuscrita à Fundação.

Em 1988, António Quadros viajou para São Paulo com João Gaspar Simões e Teresa Rita Lopes para, com João Alves das Neves, coordenar o I Encontro de Estudos Pessoanos na Academia Paulista de Letras e João Alves das Neves referiu que Foi no decurso desse diálogo lusíada que da admiração intelectual passamos à amizade.

Depois de tantos números em que João Alves das Neves homenageou e enalteceu figuras da região, dois anos depois da sua morte (12 de Janeiro de 2012), a aldeia do Pisão assistiu ao lançamento da Revista Cultural da Beira Serra – ARGANILIA, agora dirigida por Nuno Mata.

A extensa publicação (198 páginas) reúne uma interessante fotobiografia do homenageado e, ainda, artigos e depoimentos de autores portugueses e brasileiros como Alexandre Cerejeira, António Lambertini, António Lopes Machado, Beatriz Alcântara, Carlos Francisco Moura, Dalila Teles Veras, Francisco Seixas da Costa, Idalina da Conceição Gomes, Isabel Murteira França, Ives Gandra da Silva Martins, José C. da Silva, José Dias Coimbra, Lina Alves Madeira, Maria Beatriz Rocha-Trindade, Nuno Mata, Paulo Veiga, Raul Francisco Moura, Regina Anacleto, Rui Fernão Mota e Costa, Teresa Rita Lopes e Tereza Cristina Vitalie.

Nota: Em 1958, João Alves das Neves emigrou para o Brasil mas manteve sempre a sua casa de Cascais e  em Pisão de Coja, sua terra natal, no concelho de Arganil e distrito de Coimbra.

AFFONSO

Fevereiro 19, 2014

 Por Waldemar José Solha (W. J. Solha)

Sem a menor parcimônia,

tem – publicados – quarenta livros,

entre os quais o Que País é Este?,

Barroco – do Quadrado à ElipseSísifo desce a Montanha, Textamentos, Desconstruir Duchamp

A Catedral de Colônia.

Nesse meio tempo,

participou do Festival Internacional de Poesia Pela Paz, na Coréia,

realizou uma série de leituras de poemas no Chile,

esteve no Festival Gerald Hopkins, na Irlanda,

na Casa de Bertold Brecht, em Berlim,

no Encontro de Poetas de Língua Latina, no México,

no Encontro de Escritores Latino-americanos em Israel,

e – deus do céu – foi professor da UFMG, PUC/RJ, URFJ, UFF,

das universidades da California,

Koln,

e Aix-en-Provence,

e não cansa:

militou o tempo todo no Jornal do Brasil,  Estadão e O Globo,

bem como nas revistas Senhor ,Veja, Isto É, Manchete,

e haja confete,

porque,

enquanto deixa sua marca, com todos os enes e efes, Affonso Romano de Sant´Anna

vê os Beatles cantando,

leva Michel Foucault pra jantar em casa,

estava no Krenlim quando o comunismo desabou,

feito Schindler, salvou a vida de vários alunos americanos, dando-lhes notas que os livraram do Vietnã,

conheceu a Pasárgada de Manuel Bandeira, no Irã,

dirigiu – durante seis anos – a oitava biblioteca do mundo,

cantou num madrigal regido por Karabichevsky,

e,

por aplomb e brincadeira,

desfilou na comissão de frente

da Mangueira.

 

A Família

Fevereiro 18, 2014

por Euclides Cavaco

Família vem da semente
Que dá origem ao ente
Ser que no ventre germina
Qual mistério da essência
Numa perfeita cadência
Por obra e graça Divina.

A família é o padrão
Que define a geração
Por sangue e amor unidos
Um parentesco formamos
Duma só árvore ramos
Da mesma raiz nascidos.

Família são pai e mãe
E os esposos também
Filhos, netos e avós
Sobrinhos e nosso irmão
Primos e tios também são
Da mesma estirpe que nós.

A família é a riqueza
Que ostenta a maior nobreza
A que a terra dá guarida
Prodígio da Providência
Que permite a descendência
P’ra dar seguimento à vida!

Carná chegando

Fevereiro 17, 2014

por Maria José Lindgren Alves

O Rio de Janeiro continua lindo…/

Em fevereiro, tem carná..

(Gilberto Gil, 1972)   

Ouço ao longe a charanga meio desafinada e o típico rufar dos tambores pacíficos do Carnaval do Rio. Meu corpo responde, nem sei bem porque, com um arrepio de outrora. Vejo-me faceira a remexer os quadris no meu quintal de menina, em fantasia de baiana. Da porta da cozinha, mamãe batia palmas de aprovação, em riso aberto e minha irmã assiste sem grandes entusiasmos.

À mãe e à filha mais nova somente importava a excitação do samba e das marchinhas no rádio, decorados meses antes, com a atenção dada aos livros herméticos de filosofia que, aliás, aprendi a temer na Faculdade de Letras, por impingido à turma de qualquer jeito. Ah, Heidegger de minhas insônias!

Grande animadores do Carnaval os do rádio daquele tempo. Valia o momento em que se vivia a felicidade. Coisa ruim, só para fazer gozação. Melodia e letra aprendidos, ainda que, em criança, nem sempre entendêssemos as mensagens: elogios políticos Bota o retrato do velho, outra vez/ bota no mesmo lugar…. : preconceito óbvio O teu cabelo não nega, mulata…ou Olha a cabeleira do ZezéSerá que ele é/ será que ele é…O resto eram marchas-rancho, trégua ao cansaço dos foliões: Um pequenino grão de areia/ que era um pobre sonhador…/ Bandeira branca, amor, não posso mais…E o samba-enredo das escolas: calmo, ritmado sem pressa, dava tempo dos passistas e da bateria exibirem seus dotes. Autênticos, saídos às vezes de pobres com falhas de dentes, e de seus amigos próximos, choravam as mágoas ou o bom da vida, em plena Praça Onze ou na Avenida Presidente Vargas, sob os aplausos delirantes da platéia, atrás dos cordões de isolamento, onde coubesse mais um corpo cheio de remelexo. Não falo aqui do que viveu minha família materna, por antigo demais. Sei de tios “da fuzarca” que saíam bêbados em Carros Alegóricos, jogando beijos.

Blocos de rua escolhiam as imitações mais grotescas: Carlitos, machos vestidos com a roupa das irmãs, caricaturas dos políticos da época…

Muito mais tarde, casada e com filhos crescidos, participação fantasiada e tudo, no bloco do Clube do Samba, do compositor João Nogueira (ai, já morto!), junto com meu companheiro e outros amigos carnavalescos. Ou no Sambódromo, arrebatados pela Verde e Rosa, a Mangueira querida, gritávamos com Jamelão o samba-enredo vencedor, aos saltos de satisfação pela grande vitória.

De lá pra cá, quase nada. Um ou outro samba e enredo por acaso prestados à atenção na correria com que têm que passar os sambistas, a bateria e os carros alegóricos descomunais, devido ao crescimento das Escolas, entupidas de celebridades e gente de fora. Muito bloco de maioria jovem, nas ruas dos bairros da Zona Sul, que não posso usufruir bem sem o gosto tão saboroso da mocidade; o desfile na TV até meia-noite, uma hora, ou no dia seguinte, se o desfile avançar manhã a dentro, como é habitual. E só.

Ai, meu Carnaval tão querido!

ALGO NO AR. ALÉM DAS AMENDOEIRAS…

Fevereiro 14, 2014

por Paulo Timm

Eu, desde muito jovem – e isto faz muiiito tempo! – , acompanho atentamente a conjuntura nacional, sempre me posicionando numa postura progressista. Houve um tempo, lá pelos idos dos Anos Dourados, entre 1950-1964, que isto significava tomar partido dos governos Vargas, JK e Jango, numa perspectiva francamente desenvolvimentista do Brasil, contra os que se aferravam ao destino meramente agro-exportador do país. Depois veio o regime militar e eu continuei do mesmo lado, a favor da redemocratização, num longo processo que foi até a promulgação da Constituinte, em 1988. Também nesta época havia uma clivagem clara entre os que eram contra e a favor do regime. Eu sempre fui contra. Sou Anistiado Político…  De lá pra cá, porém, muita água passou debaixo da ponte: o regime soviético que, bem ou mal, inspirava a esquerda mais conseqüente no mundo inteiro esboroou-se carregando consigo o sonho da Revolução; grande parte da esquerda social-democrática aproximou-se, não sem o concurso de velhos comunistas desiludidos, às teses do “mercado”, inclusive , aqui no Brasil, toda a turma do antigo Partidão, hoje PPS, e do PSDB, sob a liderança de Fernando Henrique Cardoso; a esquerda, marxista, desenvolvimentista, progressista, nacionalista, dividiu-se em mil facções e partidos; apareceram novas questões , como a ambiental, a identitária, a regional, trazendo à  tona novos agentes sócio-políticos e até mesmo Partidos e lideranças, como, no Brasil, Marina Silva. Com tudo isso, tornou-se virtualmente impossível manter ou reconstruir uma narrativa linear sobre os destinos do Brasil, em torno da qual se possa bi-partir as opiniões, entre os que são “contra” e os que são “a favor”. O Partido dos Trabalhadores, bem que tenta, na base de “quem não está comigo está contra mim” e até se reporta, como reedição,  aos anos 1964, época da crise de João Goulart na Presidência que culminou no Golpe de 31 de março, ou `a crise de Salvador Allende, em 1973, no Chile. Sem êxito. Mesmo que ambas as situações enfrentassem, no seu tempo, divergências “ à esquerda”, não há comparação possível: Eles – Jango e Allende- empolgaram  o sonho de mudança e arrastaram consigo a unanimidade das forças que o animavam. Digo-o como testemunha que fui destas duas experiências e sobre as quais, aliás, guardava até ligeira consciência crítica, mas nada que me afastasse do caminho da lealdade. Mais intelectual do que militante sempre tive para mim a máxima da verdade, do “Eu Acuso, de Emile Zola” ou de Sartre, para quem a lealdade jamais deveria atropelar a crítica. E é precisamente este senso que me atormenta ultimamente: Sinto no ar algo estranho, até insólito. Vejamos:

A economia brasileira vai bem, obrigado. Os salários médios se elevaram nos últimos anos; houve uma corrida ao consumo, inclusive da Casa Própria e do primeiro automóvel, com a consolidação de uma nova escala no comércio varejista do país inteiro; o desemprego nunca foi tão baixo como no ano passado. O Governo exulta. Mas os críticos, à direita neoliberal -capitaneados pelo insigne economista Edmar Bacha- , à esquerda – capitaneados por nacionalistas e desenvolvimentistas – cuja expressão mais ácida é Adriano Benayon, e ao centro – agora fortalecidos pela candidatura Eduardo Campos à Presidência- abundam cada vez mais. Dou um exemplo : A taxa de desemprego é realmente baixa, mas, ao mesmo tempo constata-se que há 61 milhões de brasileiros que estão fora do mercado de trabalho e nem aparecem nas estatísticas, dos quais cerca de 25 milhões de jovem ném-ném ( nem estudam, nem trabalham…). Ora , isto é simplesmente constrangedor. Outro exemplo ? A relação Dívida Pública/PIB no Brasil é baixa – e o Governo também exulta com isto – , em torno de 60%, mas o custo, mercê dos juros astronômicos , consome quase metade do Orçamento da União, enquanto a parcela para educação , saúde e segurança é inferior a 10%…Aí , então, estes setores mourejam na mediocridade, “salva”, apenas,no tocante à saúde,  graças à “generosidade” dos médicos cubanos…

A questão da violência urbana não deixa por menos: Cerca de 50.000 homicídios por ano. Já nem se consegue assistir aos noticiários, tamanha a enxurrada da barbárie relatada. Até mesmo Brasília, capital da República, outrora pacata e livre do crime organizado, com uma Polícia altamente especializada que se vangloriava de ter quase 100% dos crimes de morte solucionados e de ter sido a primeira a exigir diploma de curso superior aos soldados da PM, cujo salário era o maior do país, está em colapso. No Rio de Janeiro, o fracasso das “zonas liberadas” pelo Estado é evidente. Em todas elas persiste o tráfico, convivendo , agora, com as forças de segurança ameaçadas diuturnamente. Em São Paulo a audácia do crime já chega a ameaçar a família do Governador…

Por último, a questão institucional, envolvendo os Poderes da República. A Ação 470, do “Mensalão”, tem suscitado muita controvérsia entre especialistas e até na sociedade. Mas o PT está indo  longe demais na defesa dos seus condenados. Está afrontando o Poder Judiciário. Na semana passada, dois fatos constrangedores: 1. o Deputado , já agora preso, João Paulo Cunha, vai a um acampamento de correligionários, à frente do Supremo Tribunal Federal, refestelar-se em farto repasto à luz do meio-dia,  ao tempo em que divulga Carta Aberta ao seu Presidente, acusando-o de ter injustamente condenado. Ora…!Quem o condenou foi o Supremo, não o Joaquim Barbosa. E ele teve e está tendo todo o direito de defesa. E em que outro país democrático – ou não! – se permitiria tamanho acinte…? ; 2. Em plena Sessão Solene de abertura dos Trabalhos Legislativos de 2014, o Presidente (em exercício) da Casa, levanta o punho,  ao lado do Presidente do Supremo, em clara falta de respeito, não à Joaquim Barbosa, mas à mais alta Corte da Justiça do Brasil.  Aí me pergunto: O que o PT deseja com estes gestos? Tais gestos, até compreensíveis no nível da militância mais aguerrida, são incompatíveis com a opção pela via democrática da construção de uma sociedade mais justa, pois ela repousa sobre o reconhecimento e obediência às instituições republicanas. Elas são ruins? São viciadas? Devem ser revistas? Tudo bem. Mas “ por dentro”, isto é, a partir de sua conquista e transformação. O contrário, é um contra-senso para quem aposta na democracia como valor universal.

Isto tudo – complexidade na real avaliação da economia, conjuntura sob intensa pressão e tensões institucionais – dá uma sensação de insegurança no ar, justamente quando, num ano eleitoral preferiríamos ter questões e propostas nítidas e bem definidas que nos permitissem fazer, senão a melhor escolha, para o melhor dos mundos, nas eleições, pelo menos,  uma escolha melhor para um Brasil um pouco melhor nos próximos anos.