Arquivo de Novembro 2012

Camila Peçanha e as hélices da solidão

Novembro 30, 2012

Por Nilto Maciel

Figura para texto de Nilto

Nunca leio, logo após o almoço. Sento-me no sofá e faço planos para a tarde: dar continuidade à revisão de minhas memórias; ir ao Shopping Benfica, tomar café, às 15 horas; pagar a fatura do cartão de crédito ou simplesmente andar à toa. Ontem, porém, quebrei o protocolo e me pus diante do denso tomo da poesia reunida de Hildeberto Barbosa Filho. Precisava completar a leitura iniciada semana passada. Lido o último poema (“Herança / não deixarei. // Olhem / o sangue dos cactos / na paisagem nua // uma haste de luz / suspensa na tarde agreste // os paupérrimos marmeleiros, / as cicatrizes do deserto, / os solitários labirintos / do vento” // o silêncio, a morte, / o esquecimento. // Eis o que fica”), fechei os olhos. Aqueles versos, aquela poesia, aquele poeta não existiam. Sim, aquilo me parecia belo demais para minha realidade de ser em plena decadência. Aquelas imagens me deixavam extasiado. E eis que tocaram a campainha. Tomei mais um susto, apalpei o coração e me lembrei de Camila Peçanha. Sim, só poderia ser ela. Tínhamos combinado, desde segunda-feira, um bate-papo, para ontem. Queria traçar um desenho de minha rotina de escritor, conhecer-me mais. Só para ilustrar uma “aula”, na Universidade onde estuda. Quem indicou o meu nome? Não sei se o senhor conhece: Batista de Lima. Ora se conheço. Para ser preciso, desde 1945. Tudo isso? Estou brincando. Ele parece tão novo. E eu tão velho? Ela riu. Encerramos a conversa e voltei aos versos de Hildeberto (eu ia pela metade de Nem morrer é remédio): “Fica na casa / o copiar de lembranças // as cortinas de vidro / espelhando a entrada // a cumeeira exilada / donde pula a infância // as varandas intensas / polidas de ausência”.

Abri o portão e conduzi a estudante à sala. Sobre a mesinha, a publicação de Hildeberto. Quem é esse escritor? Dei duas ou três informações fundamentais: paraibano, doutor em Literatura Brasileira, poeta e crítico literário. E fiz um elogio: Este é da linhagem dos demiurgos do verbo. Seu amigo? Nunca o vi. Ver não é o mais importante. Sim, pois também nunca vi Camões, Cervantes, Dante. Ela sorriu. Seus olhos me pareceram pirilampos na tarde. Tive ímpetos de abraçá-la. Agarrei o livro, para não me perder. E li: “Depois de tudo / nada restará de mim. // Nem a infância / com seus brinquedos de vidro”. A jovem interrompeu minha leitura: Muito lindo. Voltei a ler: “Nem as raízes da casa / nem os ácidos da terra. // Nem o brilho da água / que corta o teu corpo”. Ela não sabia ouvir ou eu lia mal: Imagens quase concretas. Olhei de novo para os olhos dela: Sim, sem necessidade de adjetivos. Voltei ao poema: “Nem o musgo da memória / restará de mim. // Toda memória é perda / e toda perda é sagração”. Fechei o compêndio: Poetas como esse Hildeberto são poucos. Ela concordou comigo.

Lembrei-me de sede, compaixão ou civilidade e ofereci à visita seiva de graviola. Antes da resposta, balbuciei: “Com as imagens o sol imacula / o meu desejo da morte”. Ela se disse arrepiada. Também me arrepiei. Quer suco de abacaxi com hortelã? Ela olhou para o infinito, eu me senti perdido entre Aldebarã e o Invisível. E mudei de assunto, porque nem graviola nem abacaxi havia na geladeira. Pedi licença para sossegar. Fui ao banheiro, ensopei o peito e o rosto de rios e voltei, lerdo e cambaleante, à candura de minha leitora. Quer saber de mim ou de Hildeberto? Ela riu, talvez esquecida do suco. Como nasce um poema? Sentei-me: Nasce de uma explosão estelar. Ela fazia anotações num caderninho cheio de estrelas: O senhor escreve em caderno, folha de papel ou diretamente no computador?

Após a saída de Camilinha, passei dez minutos de olhos fechados, entorpecido ou tonto. Lembrava-me de uns versos de Hildeberto: “Eu sou / o que gira as hélices / da solidão”. Despertei, caminhei da sala à cozinha, bebi meio litro de água. De longe, avistei o título: Nem morrer é remédio. Por que falar de morte, se a vida me abocanhava a cada passo? Olhei para a sombra da porta espichada no piso de minha solidão, saudoso dos olhos da menina. Fui de novo ao repertório poético de meu amigo: “É no teu corpo, / ó corpo noturno e solar, / onde tateio as manhãs / que respiro”. Poesia assim não deixa ninguém sucumbir ao tédio das tardes sem rumo.

‘Potencial Económico da Língua Portuguesa’

Novembro 30, 2012

Apresentação da obra de investigação ‘Potencial económico da língua portuguesa’ decorre no dia 5 de Dezembro, pelas 19h30, no Palacete Seixas(Camões- Instituto da Cooperação e da Língua).

 Apresentação da obra de investigação ‘Potencial económico da língua portuguesa’ decorre no dia 5 de Dezembro, pelas 19h30, no Palacete Seixas (Camões- Instituto da Cooperação e da Língua), Av. da Liberdade, 270 (junto ao Marquês de Pombal), por Marcelo Rebelo de Sousa

Por ser uma língua global, uma língua de comunicação internacional, o português é uma língua privilegiada, ocupando um lugar cimeiro na ordenação das línguas mundiais.

A História tem-nos mostrado que o valor da língua não é um dado fixo e que há variáveis como a ciência, a tecnologia, a economia, a cultura, a sociedade, que determinam o seu presente e o seu futuro. A corroborar estas ideias, o “Potencial económico da língua portuguesa” reflete sobre a vitalidade da língua portuguesa, hoje falada em cinco continentes: “Os 250 milhões de falantes do português representam cerca de 3,7% da população mundial e detêm aproximadamente 4% da riqueza total. Os 8 países de língua oficial portuguesa ocupam uma superfície de cerca de 10,8 milhões de quilómetros quadrados, representando 7,25% da superfície continental da Terra. A língua portuguesa afirma-se principalmente pelo número de falantes de língua materna, pelo número de países de língua oficial portuguesa, pela presença e crescimento na internet e na Wikipédia, pela cultura, sobretudo ao nível da tradução de originais produzidos noutros idiomas e, mais recentemente, na ciência com um forte crescimento da produção de artigos e re
vistas científicas. ”.

A acesa consciência dessa vitalidade, levou a que a promoção internacional do português fosse assumida como eixo essencial da CPLP, nos termos do Plano de Ação de Brasília aprovado em julho de 2010 na Cimeira de Chefes de Estado de Luanda, cujos eixos de atuação traduzem os desafios da língua portuguesa para o Século XXI. Assim, a política de afirmação do português como grande língua global articula-se com a difusão da cultura portuguesa e das culturas de língua portuguesa, e acompanha ainda os esforços de internacionalização da economia portuguesa, assente no potencial que apresenta.

É, aliás, necessário, antes de definir políticas para a língua, conhecer o posicionamento das economias que se exprimem em língua portuguesa, os conhecimentos linguísticos das empresas estrangeiras que interagem com as empresas dos países de língua oficial portuguesa, e o seu conhecimento do português como língua de negócios. Em 2007, o conjunto da CPLP ocupava o 8º lugar no PIB mundial, o que tem vindo a crescer e deve ser instrumento fundamental para a afirmação da língua portuguesa.

Neste contexto, para além das relações de vizinhança e de amizade históricas e das relações que se desenvolvem entre países com diásporas comuns, o uso da mesma língua, o português, e a proximidade entre o português e o espanhol ou entre o português e outras línguas românicas, poderão, pois, potenciar negócios comuns.

Assim, o estudo do valor económico da língua portuguesa poderá vir a ter inúmeras implicações tanto ao nível empresarial, como à definição de políticas públicas.

O Estado Português tem vindo a afirmar como linha orientadora da sua política cultural externa, o desenvolvimento, de uma diplomacia económica e política, bem como a utilização do português como língua de comunicação internacional, estratégia que põe em evidência as razões para a aprendizagem do português.

O Papel do Camões-Instituto da Cooperação e da Língua é também participar e dinamizar políticas de internacionalização da língua portuguesa equacionadas segundo lógicas de proximidade e de alianças históricas e políticas, em parceria, naturalmente, com os países da CPLP que compõem essa proximidade.

Nesse sentido o Camões, IP assegura o ensino da língua e cultura portuguesas em 72 países, quer através da sua rede de leitorados, em cooperação com 294 instituições de ensino superior e organizações internacionais, quer através da sua rede de educação pré-escolar e de ensinos básico e secundário, em coordenação com 14 ministérios de educação estrangeiros e agentes locais com responsabilidades educativas, bem como com as diásporas portuguesas.

A sua rede de Ensino Português no Estrangeiro (EPE) é constituída por cerca de milhar e meio de docentes e integra aproximadamente cento e cinquenta mil alunos.

Em suma, o trabalho do Camões, IP tem como objetivo contribuir para incrementar a utilização da língua portuguesa e culturas em português enquanto importante capital estratégico para a internacionalização, criando mecanismos com vista à multiplicação do valor do português quer como língua global de comunicação quer como instrumento de favorecimento da internacionalização da cultura e economia nacionais.

Fonte: Portugal Global

Reabilitação rodriguiana

Novembro 29, 2012

Por Renato Nalini

Quando eu era criança, Nelson Rodrigues era proibido. Quando adolescente, ele era considerado vulgar. De repente, foi resgatado como autor importante, um dos poucos escritores que o Brasil não esqueceu. Este ano se comemora seu centenário, pois nasceu no Recife em 23 de agosto de 1912, registrado Nelson Falcão Rodrigues e morreu amado e admirado em 21 de dezembro de 1980.

Ele sabia que estava a mexer em vespeiro quando escreveu “Vestido de Noiva”, em 1943. Por isso usou pseudônimo: Suzana Flag. Conhecia bem a alma brasileira. Suas frases o eternizaram. Quem não repetiu mais de uma vez “toda unanimidade é burra”? Há outras menos conhecidas: “a mais sórdida pelada é de uma complexidade shakesperiana”.

Sua obra é permanente. Bárbara Heliodora, severa crítica teatral, diz que pelo menos 4 de suas peças tendem a se eternizar, como Shakespeare. São “Vestido de Noiva”, “Boca de Ouro”, “A Falecida” e “O Beijo no Asfalto”. Seu humor ácido não hesitou em colocar o nome de um amigo numa peça: “Bonitinha mas Ordinária ou Otto Lara Resende”.

Suas provocações estão em seus aforismos: “A companhia de um paulista é a pior forma de solidão”, “Só os profetas enxergam o óbvio”, “Toda unanimidade é burra. Quem pensa com a unanimidade não precisa pensar”. “Hoje é muito difícil não ser canalha. Todas as pressões trabalham para o nosso aviltamento pessoal e coletivo”. “Toda mulher bonita é um pouco a namorada lésbica de si mesma”, “Nada nos humilha tanto como a coragem alheia”, “Eu me nego a acreditar que um político, mesmo o mais doce político, tenha senso moral”, “O que atrapalha o brasileiro é o próprio brasileiro.

Que Brasil formidável seria o Brasil se  brasileiro gostasse do brasileiro”, “Acho a liberdade mais importante que o pão”, “No Brasil, quem não é canalha na véspera é canalha no dia seguinte”, “A fome é mansa e casta. Quem não come não ama, nem odeia”, “Não reparem que eu misture os tratamentos de tu e você. Não acredito em brasileiro sem erro de concordância”. “Não há ninguém mais vago, mais irrelevante, mais contínuo do que o ex-ministro”, “Jovens: envelheçam rapidamente!” e “Falta ao virtuoso a feérica, a irisada, a multicolorida variedade do vigarista”. Salve Grande Nelson!

Fonte: http://renatonalini.wordpress.com/

21 livros de Fernando Pessoa para download

Novembro 29, 2012

O portal Dominio Público, através da biblioteca digital do Ministério da Educação, disponibilizou para download 21 obras do escritor português Fernando Pessoa.

São poemas, prosas e ensaios em pdf para download, escritos pelas múltiplas personalidades e heterônimos do poeta.

Pessoa também foi empresário, editor, crítico literário, jornalista, comentador político, tradutor, inventor, astrólogo e publicitário. Por ter crescido na África do Sul também escrevia perfeitamente na língua inglesa.

Dentre as obras que o leitor pode usufruir estão ‘Poemas de Álvaros de Campos”, “Cancioneiro”, “Poemas de Ricardo Reis” entre outros clássicos.

Fonte: Catraca Livre – http://catracalivre.folha.uol.com.br/2012/11/21-livros-de-fernando-pessoa-para-download/

ESTADO LAICO NÃO É ESTADO ATEU

Novembro 28, 2012

Por Ives Gandra da Silva Martins

Li artigo de Lenio Streck, eminente constitucionalista gaucho, em que, até com certa ironia e um misto de humor britânico e local, destrói todos os argumentos da pretensão de membro do Ministério Público, que impôs ao Banco Central 20 dias para retirar das cédulas do Real a expressão “Deus seja louvado”.

Concordo com todos seus argumentos. Lembro que o referido procurador deveria também sugerir aos constituintes derivados, que são todos os parlamentares brasileiros (513 deputados e 81 senadores), que retirassem do preâmbulo da Constituição a expressão “Nós, os representantes do povo brasileiro, sob a proteção de Deus, promulgamos esta Constituição”.

Creio, todavia, que por ser preâmbulo da lei suprema, é, imodificável. Terá o probo representante do “parquet” que suportar a referência ao Senhor.

Aliás, é bom lembrar que sob a proteção de Deus, a Constituição promulgada permitiu que, pelos artigos 127 a 132 tivesse o Ministério Público as relevantes funções que recebeu e que ensejaram ao digno procurador ingressar com a ação anticlerical.

Tem-se confundido Estado Laico com Estado Ateu. Estado Laico é aquele em que as instituições religiosas e políticas estão separadas, mas não é um Estado em que só quem não tem religião tem o direito de manifestar-se e qualquer manifestação religiosa deva ser combatida, para não ferir suscetibilidades de quem não acredita em Deus.

Há algum tempo atrás, a Folha de São Paulo publicou pesquisa na qual a esmagadora maioria da população brasileira, mesmo daquela que não tem religião, disse acreditar em Deus, sendo muito pequeno o número dos que negavam sua existência.

Na concepção dos que entendem que num Estado Laico, sinônimo para eles de Estado Ateu, só os que não acreditam no Criador é que podem definir as regras de convivência, proibindo qualquer manifestação contrária ao seu ateismo ou agnosticismo, teríamos uma autêntica ditadura da minoria contra a vontade da esmagadora maioria da população.

Deveria, inclusive, por coerência, o procurador mencionado pedir a supressão de todos os feriados religiosos, a partir do maior deles que é o Natal, de todos os nomes de cidades que tivessem santos como patronos, destruir todos os símbolos que lembrassem qualquer invocação religiosa, como uma das sete maravilhas do mundo moderno, que é o Cristo Redentor, para não criar constrangimentos à minoria que não acredita em Deus.

O que me preocupa, nesta onda do “politicamente correto”, é a revisão que se pretende fazer de todo o passado de nossa civilização, desde livros de Monteiro Lobato às epístolas de São Paulo, não ficando imunes filósofos como Aristóteles, Platão ou Sócrates, que elogiavam uma democracia elitista servida por escravos.

Talvez, o Presidente Sarney tenha resumido com propriedade a ação do eminente membro do “parquet”, ao dizer que, com tantos problemas que deve a instituição enfrentar, deveria ter mais o que fazer.

A moeda padrão do mundo, que é o dólar tem como inscrição “In God we trust”. A diferença é que os americanos confiam em Deus e na sua moeda e nós “louvamos a Deus” na esperança de que também possamos confiar na nossa.

Um hino de amor a Lisboa

Novembro 27, 2012

Por Adelto Gonçalves

I

Se há quase quinze anos este crítico fez uma recensão um tanto quanto pesada e, até certo ponto, deselegante do romance A Casa da Cabeça de Cavalo, de Teolinda Gersão, publicada no caderno AT Especial do diário A Tribuna, de Santos-SP, em 23 de março de 1997, o que lhe valeu merecidamente uma correção velada do então orientador de sua tese de doutoramento em Literatura Portuguesa na Universidade de São Paulo (USP), professor Massaud Moisés, desta vez, não há o que contestar em A Cidade de Ulisses (Porto, Sextante Editora, 2011), a última incursão da autora no gênero que assinala também os 30 anos de sua carreira literária.

É um romance bem acabado, com um fio condutor que prende a atenção do leitor – uma história que termina bem, como já bem observou Inés Pedrosa na Revista Ler, de Lisboa, fato surpreendente nestes tempos apocalípticos. E que tem como pano de fundo a história de uma Lisboa mítica, que teria sido fundada por Ulisses, e da de hoje.

Para que este crítico não fique tão mal com seus leitores, é de lembrar que naquela resenha de 1997 assinalava que a A Casa da Cabeça de Cavalo não era uma experiência inteiramente falhada, ou seja, tinha o seu valor, a começar pelo título, uma metáfora do tempo, pois a cabeça de cavalo de bronze teria a capacidade sobrenatural de ganhar vida na imaginação dos moradores e agregados que viviam na morada, fazendo-os retroceder e avançar no tempo de suas vidas. É aqui que reside o fulcro do romance: morrer talvez seja apenas a perda da memória, “o apagar das luzes em volta”, como diz a autora. E escrever uma maneira de se enganar a morte, de preservar a memória.

Se este articulista discordou da concessão do Prêmio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores (APE) de 1996 para A Casa da Cabeça de Cavalo, não esteve sozinho, mas apenas acompanhou o movimento de vários críticos portugueses da época, que entendiam que o galardão mais bem teria ficado se tivesse sido atribuído a Alexandre Pinheiro Torres (1921-1999), por A Quarta Invasão Francesa, ou a Urbano Tavares Rodrigues, por A Hora da Incerteza, ou a Francisco José Viegas, por Um Céu Demasiado Azul. Lido e relido, porém, A Cidade de Ulisses, se este articulista não faz aqui um mea culpa, quer ser um dos primeiros a bradar que este romance merece um prêmio tão importante quanto aquele ou, quem sabe, a autora o Prêmio Camões pelo conjunto de sua obra.

Seja como for, apesar da oposição de alguns críticos, a verdade é que A Casa da Cabeça de Cavalo tem tido uma trajetória brilhante, alcançando boa recepção entre o público-leitor – que, afinal, é o que interessa. Além disso, foi finalista do Prêmio Europeu de Romance Aristeion e ainda teve uma versão teatral que conquistou o Grande Prêmio do Festival Internacional de Teatro de Bucareste, em 2005. Não é pouco. Para azar dos críticos.

II

É de assinalar que, em seu sexto romance – entre os dois citados, há A Árvore das Palavras (Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1997) –, Teolinda Gersão volta ao tema da perda da memória, pois a mãe do protagonista, o artista plástico Paulo Vaz, passa a sofrer precocemente, aos 52 anos de idade, de mal de Alzheimer, quem sabe, uma fuga inconsciente de uma situação claustrofóbica – o marido, 16 anos mais velho, era um ex-militar afeito ao salazarismo e àquela concepção de mundo rígida do velho regime que levava para a casa e para o trato com os familiares.

Em poucas e resumidas palavras, o romance trata do encontro de um homem com uma mulher em Lisboa. A história de ambos, que é também uma história de amor por uma cidade, leva o leitor a percorrer múltiplos caminhos, entre os mitos e a História, a realidade e o desejo, a literatura e as artes plásticas, o passado e o presente, as relações entre homens e mulheres, a crise civilizacional e a necessidade de repensar o mundo.

Ou melhor, é a história de um homem e duas mulheres – uma que fica para trás, depois de anos de convivência, e de outra, que abre uma nova fase na vida desse homem. Deixar Cecília e partir para Sara. Até porque, como diz o protagonista, neste romance escrito por uma autora sob uma perspectiva masculina, o amor não dura. “Um dia acordamos e o encanto desfez-se. O mundo voltou a ser o que era. Ou seja, mais ou menos nada. É isso o que encontramos, Cecília. O amor é uma ficção com que escondemos por algum tempo o vazio, dentro e fora de nós. Essa é uma experiência que nunca tiveste, mas vais conhecer um dia, inevitavelmente: o vazio. O nada”. (p.27).

É essa vida vivida que Vaz – provavelmente uma homenagem a outro Vaz, igualmente entranhadamente ligado a Lisboa, o Luís Vaz de Camões – recupera com a memória, como se a resgatasse para Cecília, que a conheceria muito bem, até porque fora não só sua cúmplice e companheira, mas, sobretudo, sua ajudadora, responsável por instalações e projetos desenvolvidos pelo pintor.

E o faz em forma de diálogo/monólogo: “(…) A primeira vez que te vi foi numa sala de aula, Cecília. Na altura eu era uma espécie de assistente de uma das cadeiras do primeiro ano. No entanto nunca me senti teu professor, vestir a pele do mestre não combinava comigo, até porque eu não queria ser professor, queria já então ser artista a tempo inteiro” (p. 18).

Em contrapartida, mais adiante, é a vez de Cecília recuperar o tempo passado (mas não perdido): “(…) Mas no fundo não era Lisboa que procurávamos, era um ao outro e a nós mesmos que procurávamos em Lisboa. Éramos viajantes, e é para si próprios que os viajantes caminham. Querem saber quem são e onde moram. E, como escreveu Novalis, vamos sempre finalmente para casa”. (p. 66).

Até que, um dia, depois de muitos encontros e desencontros e separações temporárias, surge uma terceira. Diz Vaz: “(…) Alguns meses depois conheci Sara, e inesperadamente a minha vida mudou. (…) Fui sabendo, devagar (porque ela falava pouco de si), que era juíza, tinha uma carreira feita a pulso no meio de obstáculos, porque não era vulnerável a pressões e havia-as de toda a ordem no seu quotidiano. A justiça em Portugal era um terreno pantanoso. Divorciara-se havia quatro anos, tinha sido um processo difícil, porque o ex-marido, advogado de renome, parecia querer prolongá-lo e litigá-lo o mais possível e usava para isso todos os artifícios, sempre a coberto da lei”. (pp. 166-167).

Como se vê, o estilo de Teolinda Gersão é um dos espetáculos deste livro. O outro são as descrições que faz de uma Lisboa que conhece como ninguém. Exaltada por tantos cantores, poetas e romancistas ao longo da História, Lisboa ainda não tinha sido homenageada por um hino de amor de sons tão delicados como os que se ouve ao longo deste romance.

III

Teolinda Gersão (1940) nasceu em Coimbra, estudou Germanística e Anglística nas Universidades de Coimbra, Tuebingen e Berlim e foi leitora de Português na Universidade Técnica de Berlim, além de docente na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e, posteriormente, professora catedrática da Universidade Nova de Lisboa, onde ensinou Literatura Alemã e Literatura Comparada até 1995. A partir dessa data, passou a dedicar-se exclusivamente à literatura.

Além da permanência de três anos na Alemanha, viveu dois anos em São Paulo, época da qual há reflexos em alguns textos de Os Guarda-Chuvas Cintilantes (1984), diário ficcional. Também conheceu Moçambique, cuja capital, então Lourenço Marques, é o lugar onde decorre o romance A Árvore das Palavras. Foi ainda escritora residente na Universidade de Berkeley em fevereiro e março de 2004.

É ainda autora de O silêncio (romance, Prêmio Pen Club 1981), Paisagem com mulher e mar ao fundo (romance), O cavalo de Sol (romance, Prêmio Pen Club 1989), Os teclados (novela, Prêmio da Associação Internacional dos Críticos Literários), Os anjos (novela), Histórias de ver e andar (contos, Grande Prêmio do Conto Camilo Castelo Branco 2002), O mensageiro e outras histórias com anjos (contos) e A mulher que prendeu a chuva (contos, Prêmio Máxima de Literatura 2008, Prêmio de Literatura da Fundação Inês de Castro 2008).

Está traduzida em onze línguas. A versão teatral de A casa da cabeça de cavalo ganhou o Grande Prêmio do Festival Internacional de Teatro de Bucareste, em 2005. O conto “Um casaco de raposa vermelha” foi adaptado a peça radiofônica e transmitido pela BBC e pela New York Public Radio, em 2008.

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A CIDADE DE ULISSES, de Teolinda Gersão. Porto: Sextante Editora, 208 págs., 2011, 15,50 euros. E-mail: editorial@sextanteeditora.pt

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Livro de Cyro de Mattos em Seis Idiomas Será Lançado na Academia de Letras da Bahia

Novembro 26, 2012

O livro infantil “Natal das Crianças Negras”, do escritor baiano (de Itabuna) Cyro de Mattos, com ilustrações de Calasans Neto, publicação da Editora Livro.com, de Salvador, em seis idiomas, será lançado na sede da Academia de Letras da Bahia, localizada na Avenida  Joana Angélica, 198, Nazaré, Palacete Goes Calmon, Salvador, no dia 5 de dezembro, às 18 horas.

Os tradutores da história infantil “Natal das Crianças Negras” para os outros idiomas são o Doutor Fred Ellison,  Professor Emérito da Universidade de Austin, Texas (inglês); Doutora Luciana Wreger Rassier, da Universidade Federal de Santa Catarina (francês); Doutor Jean-José Mesguen, da Universidade Federal de Santa Catarina (francês); Doutora Meritxel Hernando Marsal, da USP, (espanhol);  poetisa Mirella Abriani (italiano) e o Doutor  Marcel Vejmelka, da Universidade da Mainz (alemão).

Palestra: “Ricardo Reis: o heterônimo humanista de Fernando Pessoa”

Novembro 21, 2012

Nesta quinta-feira, dia 22 de novembro, às 19h30min, a escritora Raquel Naveira dará uma palestra intitulada “Ricardo Reis: o heterônimo humanista de Fernando Pessoa”.

Local: Clube Português

Endereço: rua Turiassu, 59 – Perdizes.

Será o último encontro do ano das atividades literárias da Biblioteca João Alves das Neves.

Logo a seguir, será servido um coquetel.

“Não foi embriaguez,

Encontrei Ricardo Reis no Rio de Janeiro

Certa vez.”

Raquel Naveira in “Sangue Português”

 

Abutres das letras

Novembro 12, 2012

Por Dalila Teles Veras

Os escritores, não é novidade pra ninguém, passam a vida “estranhados” pelos parentes. Seres esquisitos e desprezíveis, trancafiados em seus soturnos esconderijos, vagabundeiam durante horas, dias,  anos, envolvidos com artefatos incompreensíveis ao senso comum, até que são encontrados mortos e, não mais do que de repente, descobrem eles (os parentes abutres) ou, em alguns casos, dizem-lhes baixinho aos ouvidos, que ali, naquele amontoado de papéis, há um veio a ser explorado e lançam-se, famintos, ao garimpo. Em muitos dos casos, os agora denominados “herdeiros” passam a viver daquilo que ali encontram, “defendendo” com unhas, dentes e ganância os “direitos” do falecido, agora transformados em “patrimônio” concreto.

Li recentemente que os herdeiros do escritor norte-americano William Faukner moveram uma ação judicial contra os produtores do filme “Meia-noite em Paris”, pelo “uso indevido” de uma frase (uma única frase, acredite-se) do escritor no roteiro daquele longa metragem de Woody Allen, usada “sem autorização” dos abutres de plantão.

Anote-se que o personagem Gil, interpretado por Owen Wilson, diz: “O passado não está morto! Na verdade, ele nem sequer é passado. Você sabe quem disse isso? Faulkner. E ele estava certo. E eu também o conheci. Eu o encontrei durante um jantar” ou seja, a “fonte” está incluída na fala do personagem e a tal frase, tirada do romance Requiem for a Nun (publicado em Portugal com o título Réquiem por uma Freira), traduzida ao pé da letra:  “O passado nunca morre. Ele nem sequer é passado”.

Interessante lembrar que o escritor morreu em 1962, há exatos 50 anos, tempo mais do que suficiente, convenhamos, para que suas frases tenham sido apropriadas pelo uso comum, tendo em vista que se trata de um escritor fartamente lido e traduzido em toda parte.

Considerando-se que isto ocorre em tempos virtuais e “reproduzíveis”, o episódio seria risível se não fosse patético, mas compreensível em se tratando de americanos, completamente tarados por “direitos” (autorais e com rendimento garantido) e, consequentemente, também por processos (igualmente rentáveis).

Guardadas as devidas proporções (e honráveis exceções) em exageros do gênero e talvez influenciados pelos sempre imitados irmãos do norte, os abutres das letras tupiniquins também estão aprendendo a fazer varredura diária e integral na esperança de encontrarem eventuais “pepitas” que lhes renda o sagrado direito de processar todo aquele que ouse “se apropriar” de um verso, uma imagem, uma citação que seja dos seus “entes queridos” desaparecidos, mas sempre vivo$ em sua memória. Que o digam da trabalheira e burocracia implícita aqueles que se aventuram a organizar uma antologia, escrever um ensaio crítico ou uma biografia de alguns de nossos imortais literatos ou, pior, um detalhe sequer de uma das imagens de nossos imortais artistas plásticos.

Entrega do Premio António Quadros 2012 – Lisboa

Novembro 12, 2012

A Fundação Antonio Quadros e o Gabinete para Meios de Comunicação Social – Palácio Foz convidam para a cerimônia de entrega do “Premio António Quadros 2012 – Poesias” que, inseridas na “Semana do Mundo da Fala Portuguesa”, acontecerá no dia 14 de Novembro de 2012 Às 18h, na Sala dos Espelhos do Palácio da Foz, em Lisboa.

O Premio, atribuído pela Fundação Antonio Quadros, será entregues por Mafalda Ferro, presidente da Fundação e por José Carlos Seabra Pereira, presidente do júri, a “Lendas da Índia” de Luis Felipe Castro Mendes.

Maria Germana Tânges fará a leitura de poemas da obra premiada de Rão Kyao inlustrá-los-á com um apontamento musica de simbologia.

Será servido um Porto de Honra

ENTRADA LIVRE – Palácio da Foz – Sala dos Espelhos – Praça dos Restauradores, 1250-187 – Lisboa