Em 1876, o primeiro hospital

por Gaspar da Silva*

Os mais poderosos auxiliares da civilização e do progresso são – a associação e a escola.

A eles se deve o estado de adiantamento das sociedades modernas.

A escola, franqueando o templo portentoso da ciência a todos os que a demandam, cria adeptos para a nova religião, para a grande religião tão brilhantemente apostolada por Mazzini e Castelas e Hugo e Michelet.

A associação, quando abrigada à sombra da liberdade e dirigida pelas idéias grandiosas que só a liberdade pode inspirar, é (deixem-me servir da frase de um ilustre escritor francês) a solução prática daquele ideal que as gerações passadas, por entre o caliginoso véu do fanatismo, queriam realizar, movidas por uma fé exagerada.

Refiro-me às associações beneficentes, porque das de classes, para maior força e prestígio, tanto individuais como coletivos, são óbvias as vantagens.

Era pela idéia, outrora obscura, da associação que se erguia, junto da irmandade a pequena enfermaria, onde o irmão indigente, em hora de doença, encontrava agasalho e conforto.

Foram ainda as luzes pálidas e frouxas dessa idéia sublime que instigaram nossos avós a construir os velhos hospitais, que tantos desgraçados têm disputado às garras da penúria, da fome e da miséria!

Hoje a associação é uma realidade esplendorosa!

Por toda a parte se bendiz a sua intervenção consoladora, benéfica salutar!

O país que tiver mais associações e mais escolas será o primeiro país do mundo.

A colônia portuguesa de S. Paulo deu uma prova do seu amor ao progresso, fundando uma associação de socorros.

Essa associação tem prestado serviços relevantes, que seria longo enumerar.

Ao português enfermo e pobre fornece-lhe meios de regressar à pátria, de voltar a respirar os ares puríssimos da formosa terra que o viu nascer, àquele que não carece de abandonar o opulento império de Santa Cruz, mas que precisa de socorro e auxílio, estende-lhe os braços e acolhe-o.

Doravante esse socorro será prestado em casa própria, no hospital que hoje se inaugura.

Essa casa é uma prova do quanto podem o esforço por uma idéia nobre, a dedicação e o patriotismo.

Esse edifício majestoso é um atestado imorredouro do quanto os sentimentos generosos e elevados são arraigados no coração dos portugueses.

Antigamente, os filhos de Portugal, altivos e empreendedores, arrojavam-se aos mares nunca d’antes navegados, como diz Camões na sua incomparável epopéia, e lá iam descobrir novos horizontes e mundos novos.

Se mãos de estranhos tentavam empolgar ou manchar a gloriosa bandeira das quinas, cada português era um soldado, cada soldado era um herói!

A história de Portugal é uma série de poemas, qual mais assombroso, qual mais brilhante!

Hoje Portugal estará decrépito, mas, em compensação, um seu filho que tanto o honra, o Brasil, engrandece-o ainda e há de continuar-lhe a série de glórias.

Ainda assim, a despeito da decrepitude de Portugal, os portugueses de hoje são briosos e nobres como os antigos.

Estes eram grandes na peleja e na conquista; os atuais são grandes no exercício da caridade, na prática das virtudes e no amor ao trabalho.

Por isso no dia de hoje o arcanjo formosíssimo da caridade se levanta radiante ao clarão de muitas almas, ao fogo de muitos corações.

Louvores à colônia portuguesa de S. Paulo!

Honra e louvores aos dignos membros da diretoria da Associação Portuguesa de Beneficência!

* Com o título de “A Sociedade Portuguesa de Beneficência”, o jornalista Gaspar da Silva publicou no jornal A Província de S. Paulo, em 20/08/1876, um curioso artigo, a propósito da inauguração do primeiro hospital da entidade. Reproduzimos esse histórico texto do redator de A Província (hoje, O Estado de S. Paulo). 
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