Arquivo de Julho 2009

O Luso-brasileiro Dr. Fernando Leça preside à Fundação Memorial da América Latina

Julho 5, 2009

Cartas da Diáspora

O Luso-brasileiro Dr. Fernando Leça preside à Fundação Memorial da América Latina

Dr. Fernando Leça

Dr. Fernando Leça

Formado em Direito, ex-Deputado e Secretário de Estado do Emprego e Relações do Trabalho, em São Paulo, o Dr. Fernando Leça tem ocupado outros altos cargos e é, desde 1/3/2005, Presidente da Fundação do Memorial da América Latina, entidade de grande projeção na vida cultural dos países latino-americanos.

Tudo isto seria suficiente para o impor no Brasil, em Portugal e na América Latina, mas há outro mortivo de relevo que o destaca entre os luso-brasileiros – o Dr. Fernando Leça nasceu em Vale de  Nogueira (Bragança), em Portugal, tendo emigrado (ainda criança) com os Pais para o Brasil, onde estudou  e fez toda a sua carreira profissional, política (é do Partido Social Democrata Brasileiro) e cultural.

É um verdadeiro símbolo da luso-brasilidade e a sua dupla condição de cidadania jamais o impediu de ser fiel às duas Pátrias de raízes comuns. Figura de grande projeção, goza naturalmente de justo prestígio   nos países que  sempre pestigiou.  Por isso, os  portugueses do Brasil consideram o Dr.Fernando Leça um dos mais valiosos símbolos da união do Brasil e Portugal.

À frente da Fundação do Memorial da América Latina e cumprindo fielmente os princípios da instituição, o dirigente da importante instituição tem reforçado os laços culturais entre todos os países que a constituem e, no respeitante a Portugal têm sido inúmerosas as manifestações, entre as quais assinalamos a grande exposição de Eça de Queiroz, em São Paulo (organizada em Lisboa pela Biblioteca Nacional),  um colóquio de escritores e professores portugueses e brasileiros, na oportunidade das comemorações da chegada ao Brasil da Corte Real Portuguesa e,  em 2008, um Encontro Evocativo do IV Centenário do Padre António Vieira (projetado pelo Centro de Estudos Fernando Pessoa), cujos estudos estão em curso de impressão. A lista das realizações seria extensa se enumerássemos as exposições, conferências e outros atos culturais no domínio luso-brasileiro.

Salão de Atos

Salão de Atos

Sob a direção firme de Fernando Leça, a entidade latino-americana de  São Paulo está festejando 20 anos de intensa e profícua açaão cultural, esclarecendo-nos o Presidente da Fundação:

– O Memorial da América Latina comemorou 20 anos de atividade da sua fundação no dia 18 de Março de 2009. Criado em 1989 pelo arquiteto Oscar Niemeyer, com concepção do antropólogo Darcy Ribeiro, o Memorial continua sendo o maior espaço para as manifestações culturais e artísticas dos povos latino-americanos.Não há, em nenhum outro lugar, um espaço inteiramente dedicado aos povos latino-americanos como este, que ocupa 84 mil metros quadrados na Barra Funda, em São Paulo.

Segundo Niemeyer, em declaração feita à época, esta é uma das suas obras mais marcantes: “O Memorial da América Latina é a obra que mais tem aquilo que gosto de fazer: surpresa arquitetural e plástica. É um conjunto arquitetônico bem resolvido. Mas, mais importante é o empreendimento em si, que se coloca a tarefa de congregar os povos latino-americanos.

Nesses 20 anos o Memorial cumpriu bem sua função de integrar as manifestações culturais latino-americanas. No campo artístico, recebeu o Balé Nacional de Cuba, com a coreógrafa Alicia Alonso  à frente, por duas vezes, a Orquestra Filarmônica de Israel, regida por Zubin Mehta, a cantora Mercedes Soza, Astor Piazzola, Libertad Lamarca, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Jobim, entre muitos outros artistas reconhecidos  internacionalmente. Em sua galeria foram organizadas mostras antológicas de grandes mestres, como Rugendas, Fernando Botero, Juan Rulfo e Oswaldo Gyuayasamin.

Muitas autoridades estiveram neste espaço privilegiado. Dentre elas, podemos citar o Papa Bento XVI, os presidentes Fidel Castro, Hugo Chavez, Bill Clinton, Mikail Gorbachev, Mário Soares, Eduardo Duhalde, César Gavina e Fernando Henrique Cardoso, entre muitos. Embaixadores e cônsules sempre são recebidos para cerimônias e eventos neste espaço.

O Dr. Fernando Leça enumera em seguida as principais realizações da sua Gestão:

Os últimos anos contaram com iniciativas pioneiras, como o Festival de Cinema Latino-Americano de São Paulo, o Festival Ibero-Americano de Teatro, a Cátedra Memorial da América Latina em parceria com as três Universidades públicas paulistas (USP, Unicamp e Unesp), que recebeu a chancela da Unesco e a Biblioteca Virtual da América Latina (BV@L), esta com o apoio da Fapesp, além dos cursos  de extensão e seminários  com intelectuais de peso, festas ao ar livre, edição de livros premiados (dos prêmios Jabuti) e da revista bilingue “Nossa América”, que agora é trimestral.

Criamos novos projetos musicais, como o Adoniran, de música popular brasileira, o Conexão Latina, que reúne um música brasileiro a um latino-americano e o música do Meio-Dia, que promove formação de público para música de câmara.

Na parte física, o Memorial passou por um importante processo de restauração entre 2005 e 2006, tendo começado pelo Pavilhão da Criatividade e passado por todos os prédios. O acervo de arte popular latino-americana também passou por restauro. Além disso, implantamos um projeto paisagístico nas áreas verdes do Memorial.
E quais são os projetos a curto, médio e longo prazos?

Dar continuidade aos projetos já citados. Na parte física, temos o piso tátil, a ser implantado em toda a extensão do Memorial, propiciando melhor acesso  aos deficientes visuais.
Quanto aos programas em curso, diz-nos o Dr, Fernando Leça:

– Atualmente, todos os projetos que implantamos seguem em curso. A Cátedra segue para o seu 4º. Módulo, com o catedrático Herman Chaimovich, que abordará o tema “Ciência e Atividade Econômica na América Latina”, a partir de Agosto deste ano.

As séries musicais continuam a pleno vapor, trazendo novos e consagrados talentos da música latino-americana. Somos também a casa de duas orquestras, a Banda Sinfônica e a Orquestra Jovem Tom Jobim, que fazem concertos mensais e gratuitos no Auditório Simon Bolívar.

Os festivais de teatro e cinema já estão na terceira e quarta edições, respectuivamente , atraindo grande público ao Memorial, assim como muito espaço na mídia.

A entrevista do Dr. Fernando Leça foi concedida ao jornalista, professor universitário e escritor João Alves das Neves.

Henrique Galvão, Escritor e Político

Julho 5, 2009
In Memoriam
Cap. Henrique Galvão

Cap. Henrique Galvão

HENRIQUE GALVÃO, ESCRITOR E POLITICO.
por João Alves das Neves

Muito tem sido dito e escrito  por e contra o Capitão Henrique Carlos Malta Galvão, que se tornou mundialmente conhecido por haver projetado e comandado, em 1961,  o apresamento do navio “Santa Maria”.Celebrado pela ação política que cumpriu contra o regime  de António de Oliveira Salazar, o Cap. Galvão passou a combater as falcatruas praticadas pelos apaniguados do regime em Portugal e nas antigas colônias. Sem duvida, foi uma luta desigual e sem tréguas em prol  da liberdade no  país natal.

Nascido no Barreiro, frente a Lisboa, em 4-2-1895, Henrique Galvão morreu em São Paulo do dia 25-6-1970. O tempo esfuma-se e são cada vez menos os que o apóiam ou odeiam, porque as divergências ideológicas ainda hoje persistem: o comandante do  “Santa Liberdade” (como ele designou o navio) não foi aplaudido pelos “abrilistas”, nem dos direitistas nem dos esquerdistas. Mas se o político foi esquecido a sua obra literária pertence para sempre à História da Cultura Portuguesa do século XX.

Santa Liberdade

O navio “Santa Liberdade” do Cap. Galvão

Evidentemente, há excepções: foi publicado recentemente em Portugal o livro Andanças para a Liberdade (1), de Camilo Mortágua, que relata não só a vida do autor em Portugal e na Venezuela, mas também os preparativos do Cap. Galvão, em Caracas, para desencadear a “Operação Dulcineia”. E os democratas portugueses  não podem esquecer os riscos enfrentados  pelo capitão insubmisso.

Na última página do seu livro, Camilo Mortágua, descreve fim da “viagem” no Recife e o caminho futuro: “As próximas andanças” hão-de levar-nos de volta a Lisboa e à restauração da Liberdade, “esperando dela, e tão só, todas as recompensas”. E promete completar o relato da aventura iniciada com o “Santa Liberdade”.

Eugénio Montoito salienta, no livro “Henrique Galvão (2)”, “a dissidência de um cadete do 28 de Maio (1927/1952)” quando o jovem militar esteve ligado ao Golpe de Estado de 1926 e à conspiração dos militares (7-2-1927) e,  mais tarde, à posição de ideólogo de excelência do colonialismo português”, chegando a seguir à “experiência parlamentar” e aos motivos que o  levaram ao afastamento do regime, “através daquela mesma África que tinha originado a união e a convergência política”. No último capítulo do livro, Eugénio Montoito recorda o ingresso do Cap. Galvão na campanha presidencial do Almirante Quintão Meireles, oposicionista, e em outras fases do combate aberto ao regime ditatorial de Salazar.

A “Operação Dulcineia”  foi documentada em 7 artigos publicados no jornal “O Estado de S. Paulo” (de 19-2-1961 a 26  do mesmo mês). Antes, porém. Galvão escrevera 2 artigos na revista Anhembi, dirigida pelo jornalista e escritor Paulo Duarte (fev. e março de 1953) sobre a Ditadura salazarista e no jornal A Tribuna, (27-3-1960), mas a aventura do Santa Maria apareceu em numerosos jornais e revistas de vários países, embora  O Estado de S. Paulo tenha sido a barricada mais firme deste novo período de luta ao fascismo português (o tiroteio alargou-se por mais de 40 artigos, além de outra quinzena de textos acerca da fauna e de certos aspectos da vida africana (o último artigo saiu, em 16-10-1966).

A bibliografia de Henrique Galvão é extensíssima e abrange mais de 20 volumes, entre ensaios de caráter científico e de ficção e teatro (incluindo a poesia de Grades Serradas), a-par de quatro dezenas de livros que o biógrafo Eugenio Montoito considerou de “intervenção política e administração colonial” (5 em torno do governo salazarista). Foi ainda tradutor de 8 peças de Eugénio O’Neill e mais duas de Lionel Shapiro e Jean de La Varande, a-par de um livro de Pierre Goemar. E prefaciou igualmente a edição portuguesa das Obras Poéticas  de Manuel Bandeira.

O nosso primeiro contacto pessoal com o Cap. Henrique Carlos Malta Galvão ocorreu durante a visita que ele fez ao jornal O Estado de S. Paulo. Certo dia, o Capitão ficou doente e avisamos o Dr. Júlio de Mesquita Filho, diretor de O Estado de S. Paulo, que mandou marcar uma consulta com o médico do jornal. O clínico recomendou que fosse hospitalizado – e pediram-nos que o acompanhássemos à Clínica Bela Vista, em São Paulo, onde ele ficou internado por quase 4 anos. Raros amigos o visitavam e pediram-nos que informasse a Direção do jornal. Quando os médicos acharam que a doença do Capitão era  irreversível, foi solicitada a intervenção do Governo de Lisboa para que ele pudesse voltar a Portugal. A resposta foi implacável – o regime comprometia-se a pagar a clínica, mas regressar, não! E no dia 25 de Junho de 1970, Henrique Carlos deixou-nos. Ao velório compareceram 9 pessoas, entre os quais o Dr. Ruy de Mesquita, atual diretor de O Estado de S.Paulo – e apenas 6 portugueses o acompanharam ao cemitério paulistano de Vila Nova Cachoeirinha. Posteriormente, quando fomos a Lisboa recebemos a derradeira tarefa:levar o dinheiro que ele deixara – pouco mais de 3 mil cruzeiros! – e entregá-lo à viúva, D. Maria de Lourdes Galvão.

Somente em  10 de Novembro de 1991 os restos mortais do Cap. Henrique Galvão foram trasladados para um mausoléu do Cemitério dos Prazeres, graças às diligências do Diretor de O Estado de S. Paulo, Dr. José Maria Homem de Montes, que declarou em Lisboa: “Hoje, o Estado Português presta a Henrique Galvão a homenagem no círculo dos que souberam ousar e não se conformar.”

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1 – Esfera do Caos Editores Ltda., Lisboa, 2009
2 – Ed. do Centro de História / Universidade de Lisboa/ Universidade de Lisboa,2005