Arquivo de Agosto 2010

Carta do Brasil: AOS 90 ANOS, O CLUBE PORTUGUÊS DE SÃO PAULO RETOMA A TRADIÇÃO CULTURAL

Agosto 12, 2010

Mário Fragoso (*)

Em virtude da queda do surto emigratório para o Brasil e das novas condições sócio-econômicas do País, desde a segunda metade do século passado, várias das associações luso-brasileiras tem enfrentado dificuldades de toda a ordem, nomeadamente no âmbito financeiro, ao ponto de reduzirem as suas actividades.

Foi o que se passou com o Clube Português de São Paulo que muito se destacou, em particular pelas suas manifestações culturais, além de outras de ordem recreativa e até desportiva. Felizmente, que os dirigentes actuais estão reagindo de modo positivo, eliminando os obstáculos, sob a presidência do Dr. Rui Fernão Mota e Costa que, graças ao apoio de alguns companheiros, conseguiu sanear financeiramente a entidade e deu início às reformas mais urgentes. E ao mesmo tempo abriu novas perspectivas à agremiação luso-paulista garantindo a edição do Livro dos 90 anos do Clube Português, historiando documentadamente as suas principais fases, ao mesmo que reiniciou a acção cultural com uma mesa-redonda, presidida pela escritora Teresa Rita Lopes, vinda expressamente de Lisboa.

O volume foi coordenado pelo professor João Alves das Neves, que destacou a acção desenvolvida, a partir de 1920, pelo empresário e escritor Ricardo Severo, assinalando-se, por acréscimo, os ensaios de João de Scantimburgo acerca do primeiro presidente eleito, António Pereira Ignácio (fundador do grupo empresarial “Votorantim”), e do advogado José de Oliveira Magalhães, autor do estudo “As associações e a Comunidade Portuguesa em São Paulo”, e o esboço da história da agremiação da autoria de Alves das Neves.

Merecem relevo as saudações do presidente Rui Mota e Costa e do Embaixador de Portugal no Brasil (Dr. João Salgueiro), do Governador do Estado de São Paulo (Dr. Alberto Goldsman), do Prefeito Municipal de São Paulo (Dr. Gilberto Kassab) e do Cônsul Geral de Portugal em São Paulo (Embaixador José Guilherme Queiroz Ataíde). E do livro constam ainda a história da Biblioteca Portuguesa de São Paulo, fundada em 1929 (da autoria de Águida Aguiar), a evocação do antigo dirigente Mário Gallo e dos depoimentos de Arnaldo Madeira (Deputado Federal), António de Almeida e Silva (Presidente do Conselho da Comunidade Luso-Paulista), António Júlio Machado Rodrigues (Presidente da Casa de Portugal e do Banco Banif), Artur Belarmino Garrido (com 94 anos – o sócio mais antigo), José Cirilo de Sousa Caldeira e Joaquim Justo dos Santos. Finalmente, são reproduzidas do “Livro de Ouro” dezenas de mensagens autografadas por Carlos Malheiro Dias, Fernanda de Castro e António Ferro (os dois foram prestigiados pelos “futuristas” brasileiros da Semana de Arte Moderna, em 1922), Albino Forjaz de Sampaio, Júlio Dantas, historiadores Duarte Leite e Affonso de Taunay,  Menotti Del Picchia, Poetas António Correia de Oliveira e Vitorino Nemésio e muitos outros intelectuais e artistas portugueses e brasileiros.

A obra publicada fecha com a Fotobiografia do Clube Português e reúne mais de uma cinquentena de fotografias, desenhos e variadas ilustrações que, em 160 páginas, documentam a história da agremiação luso-paulista, principalmente na área cultural.

                       O pensamento político de Fernando Pessoa

 A pesquisadora, ensaísta e professora Teresa Rita Lopes proferiu uma oportuna palestra sobre “As idéias políticas de Fernando Pessoa”, na presença de mais de uma centena de pessoas, ressaltando-se as intervenções de Lygia Fagundes Teles, de João Manuel Simões (de Curitiba), do “pessoano” Carlos Felipe Moisés (da Universidade de São Paulo) e de outros professores e escritores, assim como do público em geral.

Na oportunidade, foi apresentado o livro “Fernando Pessoa, Salazar e o Estado Novo”, da autoria do professor português João Alves das Neves, que reside no Brasil e reuniu dezenas de documentos relacionados com a verdadeira posição do poeta da “Mensagem”  e o nacionalismo,  contrapondo-se à ideologia de António de Oliveira Salazar. Por fim, foi anunciado o projecto do Clube Português de comemorar, em Novembro próximo, o 75º aniversário da morte do grande escritor de Portugal, quando devem ser apresentados e debatidos outros temas literários, além da exibição do vídeo “Fernando Pessoa – o Teatro do Ser”, de Teresa Rita Lopes.

(*) O autor deste artigo é português, tendo emigrado para o Brasil, onde é professor e pesquisador de questões luso-brasileiras, depois ter actuado na imprensa de Portugal, do Brasil, de Angola e de Moçambique.

A visão plural e política de Fernando Pessoa

Agosto 12, 2010

Por Vera Helena Amatti

A oportuna visita de Teresa Rita Lopes a São Paulo é um presente a todos os admiradores e pesquisadores da obra e da vida de Fernando Pessoa. Professora da Universidade Nova de Lisboa, a prof.a Teresa é hoje a maior autoridade mundial no concerne ao poeta português, fiel depositária dos mais de 27 mil papers deixados pelo autor, mais da metade deles ainda inéditos.

Convidada pelo Clube Português para abrilhantar as comemorações de 90 anos da instituição, Teresa Rita presidiu a mesa-redonda no dia 21 de julho, que teve como debatedores a escritora e pesquisadora prof.a Beatriz Alcântara, de Fortaleza, Ceará, Carlos Felipe Moisés, crítico literário e professor da Universidade São Marcos, e o prof. João Alves das Neves, jornalista, autor de seis livros sobre Fernando Pessoa e atual diretor cultural do Clube Português. O último deles, lançado no mesmo evento, “Fernando Pessoa, Salazar e o Estado Novo” (Ed. Fabricando Idéias, Sto André-SP), merece resenha à parte, dada a relevância da publicação.

Acertadamente, os debates abarcaram de forma ampla as várias perspectivas que Fernando Pessoa vislumbrou em seu tempo, ao desfazer os equívocos provocados pela torrente de informações na mídia que raramente passam pelos filtros especializados. Dono de uma visão plural justificada por seus inúmeros heterônimos, segundo a prof.a Teresa, Pessoa foi um crítico ácido e sutil do Salazarismo, do Liberalismo e do conservadorismo português. Seu aparente silêncio no cenário político da época modernista, em verdade é a agitação de idéias que perpassa sua obra.

As confusões ocorem pricipalmente em decorrência da terminologia “Nacionalismo”, que Teresa Rita fez questão de definir a um e outro: se Salazar adotou concepção datada do termo, as raízes do Nacionalismo de Fernando Pessoa ortônimo remontam ao Quinto Império de Vieira e Bandarra, citados e cantados em sua obra “Mensagem”. Para Teresa Rita Lopes, embora muitos tenham especulado sobre a natureza do objeto do Quinto Império de Pessoa – pois sabemos que o de Vieira era o Império de Cristo na Terra – o mais provável é que este seria a própria Língua Portuguesa, bastião e missão a ser levada a cabo pelos portugueses e por todos os falantes lusófonos.

Sob os auspícios das vanguardas Européias, sobretudo do Futurismo italiano de Marinetti, presente no heterônimo Álvaro de Campos, Pessoa faz o jogo de aproximação – nos aspectos formais – e distanciamento – nos políticos -, em uma atitude classificada por Teresa como “canibal”, em contraponto à “antropofagia” brasileira.

Carlos Felipe Moisés acrescentou outro viés político importante à obra pessoana, o humor. Por meio de uma coletânea de pensamentos e máximas de autoria de Pessoa, Moisés argumentou que seria essa também uma maneira de o poeta expressar sua indignação com o pensamento vigente na Europa do início do século 20, ainda sob a influência liberal da Revolução Francesa. Em uma das frases citadas por Moisés, Pessoa se mostra particularmente contraditório, a fim de obter o efeito humorístico:“O que há de mais curioso na célebre divisa ‘Liberdade, Igualdade e Fraternidade’ é que, pondo de parte a palavra Fraternidade cujo conteúdo é nulo, a Igualdade e a Liberdade são incompatíveis”.

Coletânea e cotejo dos pensamentos políticos do poeta certamente ainda demandam mais trabalho de pesquisa e integram um projeto de reconstituição da literatura pessoana, em sentido amplo, que a exemplo do tema escolhido para a comemoração luso-brasileira, revelam mais faces a serem descortinadas.

A encruzilhada do Presidente

Agosto 12, 2010

Por Ives Gandra Martins

O Presidente Lula encontra-se em uma encruzilhada real, em que o fantasma da inflação, as multas que vem recebendo por desrespeitar a Constituição que jurou cumprir, a desfiguração de seu perfil de protagonista internacional podem empanar o que de positivo fizera no seu 1º mandato.

O certo é que o sucesso do primeiro governo, em assegurar respeitabilidade no exterior, tendo obtido justa e merecida exposição, com reconhecimento internacional, desde o episódio de Honduras – em que foi armadilhado por Chávez, e protagonizou melancólico Papel -, sua imagem principiou a desfazer-se, sendo mantida ainda , no País, à custa de uma fantástica propaganda oficial.

É de se lembrar que não reconheceu as eleições livres realizadas em Honduras, mas anda de braços dados com notórios ditadores, como Fidel Castro, Raul Castro, Ahmadinejad, nada obstante pisotearem, estes senhores, os direitos humanos, em seus países. Em clara seletividade, aceita tais violações, por conta de sua amizade com ditadores ou seus aprendizes (Chavez e Morales), mas é cruel em relação aos governantes democraticamente eleitos em Honduras, pelo fato de seu presidente não ser acólito do histriônico e verborreico presidente venezuelano.

O pior, todavia, reside na instalação de uma República Sindical no País, com legislação por ele aprovada, que possibilitou a transferência de polpudas somas dos contribuintes para as Centrais Sindicais, as quais se utilizam de dinheiro do povo para fazer, aberta e ilegalmente , a campanha de sua candidata.

Mais do que isto, o Presidente da República, transformado em cabo eleitoral, festeja a alta carga tributária brasileira para sustentar um Estado hoje tomado por expressivo número de sindicalistas não concursados. Compara-a, de forma canhestra, com a carga dos Estados Unidos, ignorando que lá a carga é bem menor que no Brasil, como o é no Japão, China e em outros países, que prestam serviços públicos dignos a seus cidadãos, ao invés de ser destinada, quase exclusivamente , a assegurar benesses aos detentores do poder.

Nunca votei em Lula, muito embora tenha reconhecido, desde o primeiro ano de seu governo, seu talento e habilidade, que permitiram a aceitação internacional e os elogios do Presidente Obama.

O certo é que esta imagem começa a desfigurar-se, nada obstante a manutenção de sua popularidade à custa de maciça propaganda.

Quando a poeira da história assentar-se e o historiador examinar o período de seu governo, sem as manipulações da propaganda oficial, certamente tais violações marcarão sua gestão e será contada a “verdade verdadeira” da era Lula.

Poder-se-á dizer que dirigiu bem a Economia, o que é verdade, pois teve o bom senso de seguir rigorosamente a política de Fernando Henrique quanto a moeda e os fundamentos da Economia, montando equipe de valor, que não se curvou aos apelos de gastança de todos os amigos do rei, malgrado o fantástico inchaço da máquina burocrática.

O certo, todavia, é que, mesmo na área econômica, o excesso de benesses aos servidores da máquina oficial (quase 200 bilhões de reais para pagar a mão-de-obra de menos de um milhão de brasileiros) projeta uma bomba de efeito retardado para o futuro governo, seja ele qual for .

É pena que Lula tenha se despido das vestes de estadista – que chegou a envergar, no primeiro mandato -para mostrar a face de exclusiva ambição pelo poder, a qualquer preço, transformando-se em cabo eleitoral, cuja especialidade maior é tisnar a lei e a verdade.

Poemas e Flores de inverno

Agosto 12, 2010

Por Dalila Telles Veras

E este veranico que vem desde o outono e entrou no inverno que se recusa a começar? Assim, enquanto o frio não chega, vamos a la playa, como diriam (ou cantariam) os Righeira, de minha juventude que falavam (protestavam?) de bomba atômica (el viento radiactivo) num som que hoje é conhecido por tecno. Moderna foi minha geração, que antecipou (quase) tudo. Fui. Mas o que eu queria mesmo dizer (escrever) é que nestes últimos três dias passados na praia, sob um espetacular sol de inverno, não me saía da cabeça este enigmático poema, do grande poeta português Eugenio de Andrade:

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IMPROVISO

uma rosa depois da neve.

Não sei que fazer

de uma rosa no inverno.

Se não for para arder,

ser rosa no inverno de que serve?  

Vale recordar aqui a interessante trajetória desse poema. No Natal de 1999, o poeta enviou ao Dr. Joaquim de Montezuma de Carvalho, a título de cartão de natal, o poema Improviso.

Em 2000, com o propósito de homenagear o poeta pelos seus 80 anos (que seriam completados em 2003), o Dr. Montezuma, reenviou o facsimile do poema/cartão a escritores de seu relacionamento (portugueses, latino-americanos e africanos), solicitando que lhe enviassem textos que dialogassem com esse poema.

À medida que iam chegando (de 2000 a 2002), esses textos iam sendo publicados no Caderno Artes das Letras do jornal O Primeiro de Janeiro, do Porto.

Graças a essa original iniciativa do saudoso Dr. Montezuma, ilustre homem de letras e incansável animador e divulgador das literaturas luso-brasileira e africana, aquelas cerca de duas centenas de releituras, glosas, análises, comentários e outros tantos tipos de textos  foram transformados num extraordinário volume, que veio a ser publicado em 2004, que levou o título A jeito de homenagem a Eugénio de Andrade (Fólio Edições/O Primeiro de Janeiro).

Tive a honra de ser uma das colaboradoras, com este poema, também publicado no meu livro À Janela dos Dias (Alpharrabio Edições, 2002):

Releitura de improviso

Se não for para arder,

ser rosa no inverno de que serve?

Eugénio de Andrade

 

rosa da neve nascida

rosa de inverno

rosa sem cheiro

rosa a mercê dos ventos

rosa dos ventos?

essa rosa, então não serve?

 

rosa carmina, afogueada

carne viva irredolente

rosa inconstante

pelo poeta transmutada

rosa abrasada

é poema em ardência

 

Hoje ao chegar em casa e contemplar estas singelas flores de maio que, neste ano, resolveram florescer no inverno, vejo que podem servir como justificativa deste um tanto quanto confuso post,que mistura flores fora da estação, estações trocadas e poemas enigmáticos. dtv)