Arquivo de Maio 2013

Agonia do Rio

Maio 29, 2013

Por Cyro de Mattos

Eu não me canso de dizer que estou morrendo,

Gente, dê-me a  mão, antes tarde do que nunca.

Tenho sede, tenho fome, tenho de tudo

Saudade, do tempo que fugiu da música

Sempre bonita,  das estações temperadas

Com sol e chuva. Peixes que ofertei a tantas

Bocas, água, areia de minhas moradas,

Meus sonhos quando a lua derramava prata.

Na triste descida que dia e noite faço

Em viscosas mágoas, pesadas de vômitos

Que me jogam, nesse volume de detritos

Contaminando-me a todo instante, no raso

E no fundo, lembro, sem saber pra onde vou,

Manhãs e tardes naquelas vagas do amor.

RAINHA DE SABÁ

Maio 28, 2013

Por Raquel Naveira

Como a rainha de Sabá foi até Salomão,
Assim fui até Cristo,
O coração pesado de dúvidas
Parti pelo deserto
Em camelos carregados de enigmas,
Depois de muita busca
Cheguei a um palácio,
Entre cedros e sicômoros,
Palácio de ouro,
Recendendo a sândalo,
Encontrei-O
Num trono de marfim,
Ladeado por leões,
Recebeu-me como verdadeira rainha,
Com manjares divinos,
Ao som de harpas e liras,
Atirei-me a seus pés,
Fiz perguntas
Enquanto lhe entregava
O que havia trazido:
Almas de flores
E aromas de poemas;
Ele respondeu a tudo com sabedoria,
Senti-me objeto de sua afeição
E então, como rei soberano,
Presenteou-me com ouro,
Prata,
Talento,
Com muito mais do que merecia
Ou sonhava ganhar.

As Concessões no Brasil Imperial e hoje em dia

Maio 27, 2013

Por Saulo Krichanã

Não deixa de ser curioso que boa parte das pessoas envolvidas nas discussões sobre as medidas para incrementar investimentos nos diversos setores da infraestrutura nacional, desconheça que o esforço de atrair os capitais privados para auxiliar o governo nesta urgente tarefa não começou com as Leis Federais de Concessões Plenas (a Lei 8.987 de fevereiro de 1995) ou de Concessões Administrativas e Patrocinadas (a Lei 11.079 de dezembro de 2004).

Aliás, também chama a atenção que muitas delas façam distinção entre os dois diplomas legais, como se as assim chamadas Parcerias Publico Privadas (as PPP) não fossem senão formas evoluídas do mesmo instituto da Concessão Pública.

Talvez por isso mesmo, poucos se deem conta que não há praticamente nenhum segmento do setor da infraestrutura econômica que se deseja incentivar que não tenha sido criado no país, exatamente pelo instituto das concessões públicas: só que nos primórdios da organização econômica brasileira. Ou, mais precisamente, sob o reinado de Dom Pedro II.

Com efeito, o Decreto Imperial 641 da implantação das Ferrovias de 1852 (seguido pelo Decreto Imperial 1746 que fazia como que uma segunda abertura dos Portos em 1869, só que para a exploração compartilhada como os capitais privados) são os dois grandes marcos desse processo.

Quem acompanha o presente debate sobre ambos, em pleno século XXI, mal se dá conta que algumas demandas tão caras aos legisladores, empresários, financiadores e autoridades de governo de hoje, já tenham sido alvo das mesmas preocupações para esses mesmos agentes antes mesmo do advento da Proclamação da República – o que só aconteceria em 1889, quase 40 anos depois da instituição das concessões ferroviárias.

Temas tão candentes nos dias de hoje – como a desoneração de impostos sobre os investimentos privados; a fixação das taxas de retorno ideais para incentivar a alocação de capitais privados nos projetos de interesse público; ou a mensuração dos riscos envolvidos na realização de investimentos em áreas cujo retorno econômico só se dá no longo prazo, em ambiente sempre sujeito a flutuações de conjuntura e inflação, foram igualmente enfrentados pelo Imperador e pelo legislativo da época. Que, aliás, era crescente e predominante republicano o que não aumentava o “risco político” das concessões de antanho, nem impediu que a economia da época fosse marcante e crescentemente liberal a ponto de ser o capital estrangeiro o maior financiador direto e indireto dos projetos de concessão que se multiplicaram desde então.

De forma até ousada neste contexto monárquico, aos parceiros privados que aportassem seus recursos para expandir os caminhos de ferro ou para obter uma gestão portuária menos onerosa para um país que tinha no comercio externo a sua principal fonte de geração de renda, desonerou-se a importação de trilhos e de insumos energéticos para a operação dos trens. E se criaram mecanismos cambiais lastreado em ouro (a moeda forte de então) para permitir que os investimentos não ficassem defasados pela relação dos preços internos e externos e pela sempre presente fricção interna de preços de mão de obra, insumos nacionais e o “custo país” de então.

O poder imperial até empoderava o poder privado para realizar as desapropriações de terras e de áreas que servissem tanto para a servidão das linhas férreas quanto para a movimentação de acesso e cargas nos terminais portuários.

Mais ainda: o governo imperial – (tal como hoje) após a fruição dos investimentos e a organização das sociedades empreendedoras pelos parceiros privados – remunerava àqueles que gerassem dividendos a seus empreendimentos a partir de 8% ao ano (a Taxa Interna de Retorno, ou a TIR da época), com uma contraprestação pública anual equivalente entre 5% a 7% dos que os empreendedores gastassem com a remuneração dos juros sobre os capitais próprios e de terceiros que mobilizassem para a realização de seus investimentos.

As concessões imperiais eram de até 99 anos. E o perfil dos investimentos atraiu capitais externos de todo o canto do mundo, além de atrair ganhos do setor agroexportador para as concessões realizadas no mercado interno, em busca de uma atividade menos sujeita às flutuações do mercado externo errático, comprador dos produtos primários produzidos até então.

Os investimentos eram diretos, alavancados por empréstimos financeiros (e não como nas Sociedades de Propósito Especifico, as SPE, de agora). E os investidores, que vinham para ficar por 99 anos, eram operadores de trens e de portos. E não apenas construtores de estações ou importadores de locomotivas. Ou seja, tinham DNA de operadores (opexistas) e não de assentadores de tijolos ou trilhos (capexistas).

Os empreendedores nacionais, como o Barão de Mauá, também empreendiam isoladamente ou se associavam para criar infraestrutura de energia elétrica (mudando a matriz energética de carvão e lenha), de transporte regional de cargas e de pessoas (ou a mobilidade urbana dos bondes), além de ativos nas áreas de comunicação (telefone e telegrafia), iluminação pública, e daí por diante.

Isto também porque o Imperador era visionário: hoje se fala da EXPO 2020 em São Paulo. Mas o Imperador foi à feira de Filadélfia em 1876 para ver de perto uma “engenhoca” que um (tal) senhor Graham Bell havia inventado. Pouco menos de um ano após sua volta estava falando por telefone com o seu reduzido (sic) ministério da época: e com seu gesto, incentivara o Barão de Mauá a se associar com ingleses para traze um cabo submarino para abrir as comunicações globais do país.

 As concessões se mantiveram com o advento da república: mas deixaram de assegurar preços justos (e, portanto, retorno ou TIR) o que sucateou os investimentos privados realizados (afora certa xenofobia que eclodiu nos anos 50 e levou à nacionalização de várias atividades). Aliás, tal como, ciclicamente, se repetiu após o ciclo de nacionalizações e do excesso de governo nos anos 60 a 80 com igual sucateamento de investimentos devido à defasagem tarifária (e de TIR) congênita.

Talvez por esse desconhecimento (e pela inevitável catarse que seu entendimento proporcionaria) continuamos a deixar de ter dois elementos fundamentais para que as parcerias entre o público e o privado nas concessões públicas tenha uma trajetória recorrente e não assíncrona ou divergente.

Do lado público, precisamos urgente de uma visão progressista e não autoritária (como era, aliás, a visão de Dom Pedro II): o poder concedente tem que estimular o capital privado a ganhar dinheiro pela via da eficiência (inovação) e da eficácia (aliás, seus mais decantados atributos). O Governo deveria não apenas entender, mas, mais além, exigir que as taxas de retorno (que refletem as expectativas de ganhos) fossem abertas do lado público e do lado privado. E estimular que – a partir da TIR de consenso, ou a TIRC – os ganhos de produtividade, de eficiência e de inovação gerencial e tecnológica, fossem cada vez maiores. E até para representarem contraprestações de recursos públicos cada vez menores. E até saudar ganhos extraordinários dessa TIRC que pudessem ser equipartidos com os parceiros de empreendedorismo econômico e social.

Do lado privado, o empreendedor tem que deixar claro que veio para ficar: ou seja, que irá ganhar dinheiro com a operação dos serviços de infraestrutura econômica (e social também) e não apenas com a construção de ativos e a sua manutenção. Que as concessões são um fim em si mesmo, e não apenas uma forma de sazonalizar suas carteiras de operações.

Afinal, as concessões – ao contrário das operações convencionais – significam o acesso a um mercado estável, de longo prazo, com receitas previsíveis, e ainda contando nos dias atuais, com um colateral de Fundo Garantidor (coisa que jamais alguém ousaria pedir a um Imperador…).

Aliás, tal como um sem número de empresas estrangeiras que ainda continuam no país, muitas das quais produzindo os bens e os serviços que, na época do II Império, eram demandadas pelos investimentos em concessões: até porque, as carências ainda hoje ressentidas, mostram que as necessidades de infraestrutura social e econômica ainda estão muito longe de serem integralmente atendidas em nosso país.

Há um interesse crescente na obra de António Quadros.

Maio 23, 2013

Entrevista de Mafalda Ferro Presidente da Fundação António Quadros concedida ao Jornal “DIABO”:

Há muito interesse pela obra de antonio quadros

Quando nasceu a Fundação António Quadros e quais os seus objectivos?

A Fundação António Quadros foi instituída no dia 8 de Maio 2008 e reconhecida pela Presidência do Conselho de Ministros no dia 9 de Janeiro de 2009. Nasceu da vontade de reunir, tratar e divulgar os espólios documentais e bibliográficos deixados por António Quadros, Fernanda de Castro e António Ferro bem como de promover e apoiar o estudo da vida e obra destas três personalidades, incontornáveis intervenientes na vida cultural do século XX.

Tem notado um maior interesse na obra de António Quadros?

Sim, posso dizer-lhe que, só em 2013, a Fundação tem promovido e apoiado diversas iniciativas em curso ou em preparação como, por exemplo:

o Colóquio promovido, no presente mês de Maio, pela Fundação António Quadros, pela Universidade Católica Portuguesa e pelo Real Gabinete de Leitura do Rio de Janeiro;

o Exposição bibliográfica e documental da vida e obra de António Quadros, patente na Biblioteca Universitária João Paulo II, da Universidade Católica portuguesa, com o grande apoio da Fundação António Quadros;

o Círculo de Conferências promovido em Fevereiro pelo Círculo António;

o Colóquio “António Quadros, 20 Anos Depois”, a realizar em Junho pelo Círculo António Telmo;

o Homenagem a António Quadros, numa celebração In Memoriam, integrada na 23.ª Festa do Espírito Santo, na Arrábida, no domingo, 19 de Maio de 2013, realizada pela Associação Agostinho da Silva pelo Convento Sonho;

o Publicação de um número (2.º semestre de 2013) de “A Nova Águia” inteiramente dedicado a António Quadros;

o Inauguração de uma placa pela Comissão Municipal de Toponímia na casa onde o pensador viveu desde o dia do seu nascimento até ao dia do seu casamento (1923-1947);

o  Atribuição do Prémio António Quadros 2013, categoria de romance;

o  Apoio da Fundação de vários trabalhos de investigação, dependentes da consulta do espólio de António Quadros;

Como avalia até agora o Colóquio Internacional que terminará no Rio de Janeiro?

O Colóquio reuniu cerca de 50 oradores portugueses e brasileiros e teve uma afluência de aproximadamente 200 pessoas no decorrer dos três dias. Atendendo a que foi realizado em dias de semana, acho que se pode afirmar que está a correr muito bem. Vamos a ver no Brasil.

É importante esta ligação ao Brasil?

Muito importante, como continuidade do trabalho de António Quadros em prol de uma cultura comum de raízes portuguesas e de divulgação dos autores portugueses. António Quadros, António Ferro e Fernanda de Castro são três personalidades muito divulgadas no Brasil. Veja-se, este ano, a atribuição do Prémio Fernanda de Castro, pela Confraria Brasil-Portugal em Divinópolis. Por acreditar na importância da ligação cultural Portugal/Brasil, a Fundação está a apoiar o Núcleo António Ferro/Fernanda de Castro da exposição que se prepara para 2014, no Museu da Presidência e, a Fundação prepara, também, duas publicações de correspondência de autores brasileiros, parte do seu espólio; uma em parceria com a Universidade de Coimbra e a Universidade Unicentro do Paraná.

Em relação à Fundação, quais os efeitos dos cortes feitos pelo actual Governo?

Face aos resultados do Censo às Fundações, foi deliberado, e tem sido bastante noticiado, cortes de 30% nos apoios financeiros públicos recebidos pela Fundação. Ora, o curioso é que a Fundação não recebe quaisquer apoios financeiros públicos. Recebeu apenas em 2010/2011 um subsídio pontual da FCT para tratamento e divulgação do seu espólio. Posso, por isso, dizer qu os efeitos financeiros dos cortes são nulos pois não houve cortes. No entanto, somos afectados pois quando tentamos obter apoios, as entidades pensam que a Fundação recebe apoio do Estado, o que, repito, não é verdade.

Quais as maiores dificuldades que a Fundação enfrenta?

A Fundação debate-se diariamente com dois graves problemas: a falta de recursos humanos e a sua sustentabilidade financeira. Actualmente, depende financeiramente, apenas do apoio de um grupo de particulares “Amigos da Fundação” e das vendas da sua livrariaonline.

E a nível de recursos humanos, quem trabalha efectivamente na Fundação?

A Fundação tem três colaboradores em regime de voluntariado: dois voluntários em tempo parcial que, infelizmente, deixarão de poder apoiar a Fundação depois da sua transferência definitiva e, eu, que trabalho na Fundação a tempo inteiro. Depois da instalação definitiva em Rio Maior, será lançado um programa de voluntariado em todas as áreas de actuação da Fundação.

E em relação às instalações?

A Fundação assinou no dia 8 de Maio, um protocolo com a Câmara Municipal de Rio Maior, cuja Presidente, uma mulher de grande visão, entendeu:

o A importância do papel desempenhado por António Ferro, Fernanda de Castro e António Quadros na vida cultural nacional e internacional, entre 1895 e 1994;

o A urgência de se reunir e tratar o espólio da Fundação, de grande riqueza histórica e transversalidade cultural;

o A necessidade de descentralizar a cultura presentemente sedeada nos grandes pontos urbanos.

Assim, a Fundação partilhará um edifício com a Biblioteca Municipal de Rio Maior sendo que ambas as Instituições se apoiarão, mantendo, cada uma, a sua identidade própria e os espaços atribuídos a cada uma, apesar de existirem áreas comuns que serão partilhadas por ambas.

Acha que ainda há resistência à obra de António Quadros por ser filho de António Ferro?

Penso que não. A sua filiação é quase sempre mencionada mas, isso não me choca. Acho normal.

Há algum projecto da Fundação relativamente à obra de António Ferro?

Sim, além das publicações já referidas, a Fundação em parceria com o Gabinete para os Meios de Comunicação Social: Núcleo dos Projetos Especiais, Palácio Foz, assinalar á os 80 anos depois da criação do Secretariado da Propaganda Nacional (SPN/SNI), a 26 de Outubro de 1933.

A Fundação apoia ainda diversos trabalhos de investigação à volta do espólio de António Ferro.

Nota: O Secretariado da Propaganda Nacional, denominado a partir de 1944 Secretariado Nacional de Informação, Cultura Popular e Turismo, foi inaugurado no dia 26 de Outubro de 1933 e dirigido durante 16 anos, por António Ferro, com sede em São Pedro de Alcântara e, mais tarde, no Palácio Foz. 80 Anos depois, a Fundação António Quadros e o Gabinete para os Meios de Comunicação Social: Núcleo dos Projetos Especiais, Palácio Foz, unem-se para assinalar essa data. Programa em preparação.

Algo a acrescentar?

Sim, gostaria de referir que a Fundação trabalha com duas importantes ferramentas: o Estatuto de Utilidade Pública que isenta a Fundação do pagamento do IVA e a declaração do interesse cultural da Fundação para efeitos de mecenato que concede à Fundação autoridade para garantir benefícios fiscais a particulares e Instituições que a apoiem através de doações, subsídios ou patrocínios.

PERNAS

Maio 23, 2013

Por Rita de Cássia Alves

Arranquei as minhas pernas

Deixei-as soltas e independentes

Numa os pelos recobrem a pele

Noutra nada há além da pele

Minhas pernas optaram por não mais voltar ao corpo

Alegando alforria conquistada

Pelos anos somados e passos dados pelo mundo

Romperam com o sexo

Num divórcio irrevogável com o peito

E da cabeça nenhuma lembrança

Andam avulsas

Numa a suave sombra da meia de seda

Noutra o fecho sem chave das chagas abertas

Minhas pernas se cansaram de carregar o corpo

Andam sem rumo, sem reta, sem rosto.

A MORTE DO COMPANHEIRO

Maio 22, 2013

Por Rubens Jardim

Impossível escrever um poema.
Impossível achar que qualquer verso pode ser uma consolação.
O mais recente companheiro morreu
na semana passada. E ele tinha um jeito
que ninguém esquece mais.

É claro que nenhum de nós poderia imaginar
o Nilo enforcado.
É claro que nenhum de nós poderia imaginar
no Nilo, um menino abandonado.

O Nilo era água limpa.
Rua inútil. Coração na sombra
–mas palpitante.

Ele dói em mim
como Itabira doeu em Drummond.

É correto pensar que as grandes guerras já terminaram.
Mas não será pertinente saber que as batalhas
ainda continuam dentro do corpo das pessoas?
Que as crianças ainda ignoram medalhas,
condecorações, exércitos e outros poderes?

E por que o Nilo nos cravou esse gesto
–que é o avesso do ensinado e aprendido–
teremos de camuflar abismos e disfarçar o grito
que a plenos pulmões proferiu Maiakovsky?

É claro que a poesia é incomunicável.

Mas diante do companheiro morto não há soluções.
Não há bálsamos. Não existem esplêndidos negócios,
glórias voláteis, nem os porões da família.

É claro que existe o pranto.
No cinema.
No teatro.
Nas poltronas.
E até no coração ondulante.

Mas diante de você, companheiro,
eu quero guardar os uivos do lobo
e a minha infinita solidão.

Lançamento livro “Estranhas formas de vida” no Clube Português em 28 de maio

Maio 22, 2013

Logo Clube Portugues2

Convidamos você para participar do lançamento “Estranhas formas de vida” da escritora Dalila Teles Veras

Data: 28 de maio de 2013

Horário: 20 horas

Local: Clube Português de S. Paulo, à Rua Turiassú, 59, Perdizes.

 

Mais informações: 3663-5953.

Contamos com a sua presença.

Um abraço literário.

O absurdo caracol de Tanussi Cardoso

Maio 21, 2013

Por Nilto Maciel

Foto para texto de Nilto MacielConheci Lucíola Buratti pela Internet. Ela me fez um gabo e isso me pegou pelo pé: “Seus contos são cânticos em prosa”. No terceiro dia, eu já sabia quase tudo dela: naturalidade, cor da pele, preferências literárias. Quando me vi diante dela, me extasiei. Parecia-me ter chegado ao paraíso, ao jardim das delícias. De onde você veio? De São Paulo, trazida pelos genitores. O pai é engenheiro; a mãe, psicóloga. Ela, estudante de jornalismo. Fiz-lhe um convite ousado: “Venha me conhecer”. Prometeu vir. “Pode ser amanhã?” Respondi, na bucha (quer dizer, na hora): “Pode e deve”. E dei seguimento à leitura de três coleções de Tanussi Cardoso, recebidos em abril. O mote da conversa seria a arte desse artesão do verso. Lucíola revelara: “Gosto do pessoal da geração 1980”. Citou uns cinco nomes e fez provocação: “Você conhece algum?”

As três coletâneas são Exercício do olhar (Rio de Janeiro: Five Star Entertainment, 2006); 50 poemas escolhidos pelo autor (Rio de Janeiro: Edições Galo Branco, 2008); e Del aprendizaje del aire/Do aprendizado do ar(Rio de Janeiro: Five Star Entertainment, 2009). Lucíola não conhecia nenhuma. Entretanto, sabia do autor: “Li algumas composições dele”.

A primeira traz prefácio do eminente professor, crítico e alquimista Gilberto Mendonça Teles. Não um prefácio qualquer, desses vistos nas primeiras folhas de quaisquer impressos, aqueles amontoados de elogios ocos e frases pomposas. Trata-se de estudo de fôlego, viagem pelo território da poesia. E um elogio de deixar qualquer bom criador a bailar nas nuvens: “É assim, sem preguiça, com muito talento, com uma grande capacidade de ler os bons autores, nacionais e estrangeiros, e com o seu projeto literário diuturnamente construído é que se vai fazendo a excelente poesia de Tanussi Cardoso, uma das melhores atualmente no Brasil”.

Luíz Horácio Rodrigues o compara a Ivan Junqueira (um dos favoritos de Lucíola) e o aproxima de Luis Augusto Cassas (também admirado por ela). “Seus poemas são de uma sutileza impressionante, vivos, transformam-se em trapezistas, sem rede de proteção, de página em página”. Vai do “discurso poético denso” à “lírica áspera e fundamental”, passando pelo “requinte artesanal do verso”. Vejamos a densidade destes fios poéticos e o requinte de quem sabe lidar com as palavras e as imagens: “minha mãe lê o mundo / pelo sorriso // a lua é serpente / num lago hirto”. A tal “lírica áspera e fundamental” está presente em todo o repertório: “a vida se vai como o gelo se desfaz: / lento, frio, queimando as mãos”.

Quando cuidei, a moça parecia pasmada. Mirava o infinito, embora tudo fosse limitado ao nosso redor: a sala, as paredes, os móveis, as portas, os livros (objetos). E nós, eu a soletrar versos, ela a ouvir e se encantar. Distraí-me por um minuto e ela agarrou os 50 poemas escolhidos. Deixei-a mergulhada nas páginas e me retirei, para buscar um resto de perfume, um raio de estrela, uma sombra da Lua. Ela pediu autorização para recitar: “o pijama despido do corpo / dorme seus sonhos // o rosto no retrato / estampa uma febre antiga // o piano dedilha / memória e descompasso // o fantasma de um gato / descansa no sofá / a escada suspira / os passos dos homens // no escuro as coisas brilham seus nomes”. Maravilhei-me (não apenas agora, pois leio Tanussi há mais de trinta anos) e, por pouco, não saí a voar pela casa. A menina me conteve. Mergulhou em mim um olhar de eternidade, molhou os lábios e eu senti sede. Ofereci-lhe água, suco de maçã ou ambrosia.

Enquanto me retirava, ouvi: “Esse poeta é apenas maravilhoso”. Mudei de assunto: “Como estão seus pais?” Ela não balbuciou mais que um monossílabo. Lembrei-me de sua origem: “E São Paulo?” Sorriu e passou a língua ardente na borda do copo: “Continua crescendo”. Peguei o outro pergaminho e declamei, com pompa: “El ojo cortado del perro andaluz / el ojo de la lamina afilada / el ojo de la sangre y su chorro / el ojo y la visión de Borges / el ojo ciego que ve / el ojo de los brujos / el ojo oculto del eclipse / el ojo de la parábola y de la profecia”. Minha convidada se exaltou, deu um gritinho e se estirou no sofá: “Isso é lindo, seu Nilto Maciel. Ou parece Francisco Carvalho, esse monumento do Ceará e do Brasil, tão desconhecido, ou se assemelha a Lorca, a Borges e aos nossos ancestrais ibéricos”.

Conheço o hinário de Tanussi Cardoso desde quando o chamavam de “poeta marginal”. Sem preconceito, nunca o vi assim. Pois está muito além dos epicentros e das epidermes. Leo Lobos (chileno, ficcionista e tradutor do bardo carioca para a língua de Neruda) fez este resumo: “A poesia de Tanussi Cardoso possui a capacidade de brilhar como um piscar de olhos, num átimo, distante do futuro, e, nesse momento, a vida se afirma na Terra”.

A visitante fez esta revelação: “Esse Cardoso é feito de olhar”. Observação perfeita. Nesta pérola de três lados (versos), a síntese dessa galeria de formas e visões: “das sombras / nasce o poema / luz e nudez / : absurdo caracol”. A densidade aliada ao requinte artesanal. Além de tudo, o menestrel conseguiu se livrar dos modelos pessoais (alguns críticos teimam em chamar isso de estilo). Modelos pessoais são cacoetes, manias, sestros responsáveis por fazer do seu dono algo assim como um bonequinho de pano. Tanussi vai do poemeto de três linhas ao afresco ou mural, sai da linguagem coloquial (“maior / que o quintal / da minha infância”) à mais rutilante metáfora (“o tempo / nasce das escrituras dos pássaros / ou do seu canto / ou do riso do primeiro galo”), bateia os nomes sem medo dos verbos e adjetivos: “o olho do verbo ser / o olho duplo da androginia / o olho do que sou e não sou” (…) “o olho insuportável dos limites / o olho sem algemas” (…) “o olho paradoxal da contradição”.

Para terminar a tarde, entreguei os três presentes vindos de Tanussi Cardoso a Lucíola Buratti. Queria burlar o destino: com mimos, ela certamente voltaria. Antes de partir, ainda li uns versículos: “sei que toda aurora tem seus olhos negros / que um grão de areia do deserto é o deserto todo / e que prefiro o cedro, amargo e forte, / ao cupim com sua garganta de morte// não sei dos barcos quando navego seus peixes / o casco ácido do seu beijo / a espuma líquida do seu cheiro / a boca úmida dos seus pelos / as algas dos seus cabelos” (…).

Não pude mais dizer nada: ela partia. Fui até o portão: quis beijá-la. Não tive coragem. “Volte… quando quiser. Ou se quiser”. Lucíola ria e pela rua saiu, faceira feito um bando de passarinhos às vésperas do derradeiro voo.

“ESCRITORES BRASILEIROS DO SÉCULO XX” será lançado em São Paulo

Maio 21, 2013

convite_escritores 29.05.2013

A INVEJA E A DEMOCRACIA

Maio 20, 2013

Por  Humberto Pinho da Silva

Bertrand Russel, in “ A Conquista da Felicidade”, diz que Madame Roland, “ que é apresentada frequentemente como uma nobre mulher inspirada pela devoção ao povo”, tornou-se assim, porque certa vez, ao visitar um castelo aristocrático, fizeram-na entrar pela porta de serviço e não pela principal.

Para Bertrand Russel, Madame Roland, desde então, abraçou a democracia.

Nasceu, portanto, a democracia – segundo o filosofo e alguns psicólogos, – da inveja.

Não se assevera que todo o democrata é invejoso, ainda que se concorde que a raiz provem desse mal.

Estou convencidíssimo que certos republicanos, são-no, apenas porque não nasceram no seio da alta nobreza, nem foram aceites no seu meio.

Recordo, que Camilo, homem do povo, apreciadíssimo no meio literário, ao receber o título de Visconde, mandou imprimir no cartão-de-visita a coroa, seguindo: Visconde Correia Botelho. Vi exemplar, quando era menino e moço, no Museu Abade de Baçal, em Bragança.

E não escasseiam intelectuais e pseudointelectuais, que dobram letras para pensarmos que são de origem fidalga ou estrangeira. É pecado que enferma muita boa gente.

Não se duvida que a democracia é o melhor sistema, ainda que se reconheça que Jean Jaques Rousseau tinha razão, ao afirmar: “ que governo tão perfeito não convêm a homens, mas a deuses.”

Enferma a democracia de inveja, Guy Bedos, gracejando, considera-a: Uma espécie de ditadura da maioria.

A política encontra-se eivada de invejosos. As fações são, em regra, constituídas por ambiciosos, muitos sem escrúpulos; por isso costuma-se dizer: Que na política não há amigos.

Mas também não os há noutras atividades.

Voltaire, em carta a Mademoiselle Quinault, lamenta-se: “ Que ganhei eu em vinte anos de trabalho? Nada, a não ser inimigos. Tal é o preço que, quase sempre, deve esperar-se da cultura das letras: muito desprezo, quando não se triunfa; muito ódio, quando se triunfa”.

Na política passa-se precisamente o mesmo, o que não admira, se recordarmos o velho adágio: “ Quem é o teu inimigo? É o oficial do teu oficio”.

Raro é o político, mesmo da mesma ideologia, louvar outro. A ambição leva-os a criticar sempre o que se encontra em lugar que cobiçam, mesmo quando, em consciência, reconhecem que elaboram em erro.

É devido à inveja e à cobiça que a democracia, sendo, a melhor forma de governo, é, muitas vezes, condenada, já que permite: o forte e poderoso dominar o fraco e indefeso; e criminoso rico, sair ileso, e o inocente pobre condenado.

Mas o defeito não se encontra na democracia, mas nos homens.