Arquivo de Dezembro 2012

Natal Sempre

Dezembro 21, 2012

Por Cyro de Mattos

Uma estrela afugenta

Da noite o medo

Que se tem das trevas.

O canto do galo

Que fere a aurora

Dessa vez é belo.

Num sorriso silencioso

A Virgem Maria sabe

Do amor de Deus no chão.

Da flauta dos pastores

Sai essa canção que comove.

Todos os anjos comemoram

O esplendor deste amor,

Em torno do mundo

Abelhas de ouro zumbem.

Menino-Senhor!

Dezembro 21, 2012

Por Teodoro Mendes

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Estás connosco Menino-Senhor!
Precisamos muito de Ti.
Precisamos que nos tragas
a paz perdida em tantas lutas estéreis.

Estás connosco Menino-Senhor!
Ensina-nos a corrigir
muitos dos nossos modos afectados
que só têm causado ausências de Ti!

Estás connosco Menino-Senhor!
Traz a todos os lares um pouco do Teu Amor,
sobretudo, àqueles que Te procuram
por entre as sombras de um Mundo
que enche as ruas de luz para vender bagatelas.

Estás connosco Menino-Senhor!
Precisamos muito de Ti, para que as nossas crianças
– tão parecidas contigo – se sintam mais felizes.
Estás connosco Menino-Senhor!
Que o teu Presépio seja sempre um Sinal
e nunca mais um objecto de decoração,
mas a Tua Presença no coração dos homens!

Machado de Assis por Eduardo Luz

Dezembro 21, 2012

Por Nilto Maciel

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É Machado de Assis, há algum tempo, o nome mais estudado (deve ser também o mais lido) da literatura brasileira. E deverá carregar este epíteto por muitas décadas ainda. Poderá até ser ultrapassado por Clarice Lispector, Guimarães Rosa, Jorge Amado, Graciliano Ramos e outros mais antigos ou mais novos, que isto é de difícil entendimento. E, para dar mais robustez ao instituto dos estudiosos da joalheria machadiana, chega às livrarias (ou às bibliotecas públicas e privadas) O Quebra-Nozes de Machado de Assis: Crítica e Nacionalismo (Fortaleza: Edições UFC, 2012), de Eduardo Luz. O volume traz palavras de apresentação de Alfredo Bosi (vejam quanto prestígio o do jovem professor e escritor carioca radicado no Ceará): “impressionou-me a qualidade da sua escrita, sempre límpida, enxuta e bem articulada. Além do mérito da correção e propriedade da linguagem, o que salta à vista é o desafio inerente ao seu projeto intelectual: enfrentar o tema do nacionalismo mais uma vez explorado pela crítica machadiana”.

Como está informado no impresso, este compêndio é, “com alguns retoques e acréscimos, a edição revista do seu trabalho universitário” (tese de doutorado), defendida em outubro de 2011, perante a Banca Examinadora composta pelos professores Alfredo Bosi, Marli Teixeira Furtado, João Roberto Faria e Roberto Acizelo de Sousa, no Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, tendo com orientador José Luís Jobim.

O livro se divide em três partes: “A noz intacta”, “O classicismo moderno” e “A pátria cultural”. Na longa introdução, Eduardo Luz lamenta o quase silêncio dos machadianos, durante o ano de 2008 (centenário da morte de Machado), em relação à crítica exercida pelo Bruxo, “confirmando o descuido com que tem sido tratado esse campo da obra machadiana por sucessivas gerações de críticos e teóricos”. Esse quase silêncio foi que levou o pesquisador a mais se interessar pelo envolvimento do criador de Capitu com o exame do outro. Ou, mais precisamente, pelo nacionalismo em seus juízos. Para tanto, se debruçou sobre três “obras-motivadoras”: Machado de Assis, escritor nacional, de Mário Casassanta (1939); Machado de Assis e a política, de Brito Broca (1957); e Machado de Assis, de Astrogildo Pereira (1959). A partir delas elaborou a “linha específica” da tese. A chamada “linha genérica” se baseia em outras três publicações: Nações e nacionalismo desde 1780: programa, mito e realidade, de Eric J. Hobsbawm; Comunidades imaginadas, de Benedict Anderson; e Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi, de José Murilo de Carvalho.

A primeira parte (“A noz intacta”) da pesquisa de Eduardo Luz apresenta Machado de Assis em sete capítulos ou segmentos. Antes deles, porém, o ensaísta passeia, em 17 páginas, pelo pensamento crítico do poeta de Ocidentais. A começar pelo ensaio “O passado, o presente e o futuro da literatura”, no qual se “confirma a adesão do jovem Machado de Assis à ambiência do nacionalismo romântico”. São páginas (as do professor) recheadas de citações de Machado, Joaquim Norberto e outros estudiosos de ontem e de hoje, todas caprichosamente interpretadas.

A parte “O classicismo moderno” se inicia assim: “Em 1873, publica-se o festejado ‘Notícia da atual literatura brasileira – Instinto de nacionalidade’, de Machado de Assis. Tomamos esse ensaio como um divisor de águas, a partir do qual a crítica machadiana superará em definitivo o primeiro nacionalismo, xenófobo e excludente”. No capítulo inicial, o romancista de Dom Casmurro é examinado em um texto (redigido em forma epistolar), no qual se vale da morte do poeta Fagundes Varela para analisar os rumos da literatura brasileira. É nessa parte que Eduardo Luz menciona os famosos escritos de Machado a respeito de Eça de Queirós. E assim argumenta: “Eça e Machado tiveram percepções distintas sobre os poderes do realismo (entenda-se naturalismo) literário. Se o primeiro o tomava como um projeto ideológico, capaz de regenerar os costumes de uma burguesia em crise, o segundo o recusaria como teoria e como processo” (…).

Antes da “conclusão”, o manual de Eduardo Luz se encerra com “A pátria cultural” (terceira parte), na qual investiga a última fase literária de Machado: a do abandono da “crítica literária regular” e consequente dedicação aos “seus grandes romances” (Memórias póstumas de Brás Cubas aparece nas páginas da Revista Brasileira, em 1880). O professor carioca-cearense faz uma ‘revelação’ curiosa: “Como gênero, porém, o romance parece não lhe ter sido plenamente satisfatório para a análise da experiência sociocultural brasileira do período. Essa hipótese sustenta-se por sua retomada de um gênero menos cifrado, a crônica, no interior do qual se punha mais à vontade, tanto para interagir com seu entorno como para pensar os lugares da nacionalidade”.

Na “conclusão” de O Quebra-Nozes de Machado de Assis, o ensaísta apresenta trecho da crônica machadiana de onde extraiu o título do compêndio aqui resenhado: “Foi o que me aconteceu (na juventude). Trazia comigo na mala e nas algibeiras uma porção dessas ideias definitivas, e vivi assim, até o dia em que, ou por irreverência do espírito, ou por não ter mais nada que fazer, peguei de um quebra-nozes e comecei a ver o que havia dentro delas”.

Na primeira aba do volume, o professor Roberto Acizelo de Souza sai em defesa de Eduardo Luz e seu inventário quanto a uma possível acusação de fazer “chover no molhado”, tendo em vista a “aura de consagração que envolve a figura de Machado de Assis”. Pois O quebra-nozes de Machado de Assis “se propôs justamente explorar certa dimensão do universo machadiano até o momento pouco analisada. Elegeu assim como centro de interesse a reflexão empreendida pelo autor, no curso de sua extensa obra, sobre três aspectos da produção cultural do País: o teatro, a literatura e as identidades coletivas de extração popular”.

O estudo do professor-doutor Eduardo Luz (também ótimo ficcionista) será de interesse de machadianos de todo o mundo e também de não-machadianos (desde que conhecedores de, pelo menos, parte do conjunto literário desse grande filho do Brasil, criado no Morro do Livramento, no Rio de Janeiro, no século XIX (1839), filho de operário mulato e açoriana vinda para cá ainda menina, e que se tornou um dos pilares da inteligência brasileira).

Oscar Niemeyer 15.12.1907 – 05.12.2012

Dezembro 6, 2012

Por Dalila Teles Veras

Oscar Niemeyer, o artista/arquiteto brasileiro/universal, inimitável criador, Mestre das formas atravessou todo o Século XX e entrou no XXI sem perder sua enorme capacidade de ousar, surpreender e emocionar.

Um homem declaradamente ateu que se aproximou (e nos aproxima) do Sagrado de maneira admirável e inconfundível, posto que sua essência pertencia à esfera do humanismo.

Muitas e importantes cidades do mundo exibem obras suas, mas é o Brasil moderno que detém o privilégio de possuir a indelével assinatura Niemeyer, marca cravada para sempre em nosso imaginário cultural.

Ao Gênio que nos deixa, estrela máxima terrestre que hoje pertence a outra constelação, nossa reverência e eterno reconhecimento.

Mostra de Portugal Moderno – Sentir Portugal

Dezembro 6, 2012

Dentro da Mostra de Portugal Moderno, a ter lugar no Parque Ibirapuera – Sentir Portugal – tenho o prazer de o/a convidar para assistir ao desfile de moda dos estilistas Portugueses Luís Buchinho e Miguel Vieira.

2. Evento 06.12.12 Evento 06.12.12

MUSEU DA REPÚBLICA: MEU PALÁCIO PARTICULAR

Dezembro 5, 2012

Por Raquel Naveira

Somente este palácio poderia satisfazer totalmente o meu desejo de ter casa_republica texto raqueluma casa. Assim como minha sede de arte e de teatro só será saciada com o Juízo Final. Aqui é que eu gostaria de morar: a porta dupla de ferro dando para a rua agitada do Catete; as escadarias forradas de veludo vermelho por onde desceriam filhas vestidas de noivas; as salas cobertas de tapeçarias, móveis antigos, pinturas, lustres brilhantes de cristal; grandes águias encimando o telhado, pousadas  com a sabedoria dos que sempre se renovam e vencem desafios.

Se eu morasse neste palácio, conservaria com carinho os pertences dos barões de Nova Friburgo. Cuidaria também dos amplos jardins que dão para a praia, projetados pelo Mestre Glaziou, que também executara os da Quinta da Boa Vista. Minha  neta Maria Augusta brincaria entre as grutas e palmeiras e eu ficaria feliz com seu sorriso de menina (ela, que mora tão longe, pareceu-me agora mais distante ainda). Lembrei-me do poema “Jardim Público”, de Dante Milano, que diz assim:

Mundo estranho
De íris, lótus, ninfeias,
Aves pernaltas,
Plantas aquáticas,
Esquisitos bichos,
Rumor de águas de todos os lados,
Um silêncio que enche os ouvidos,
Estátuas de fronte cansada,
Bancos onde se medita no suicídio,
Homens caminhando para o passado.

*

Dos presidentes da República Velha, eu guardaria os jogos de porcelana com xícaras, colheres de prata e bules de café e o  moedor de grãos  da cozinha. Em homenagem a Juscelino Kubitschek, poderia colocar algumas fotos de Brasília nos corredores.
Ao porão, onde estão as fortes lembranças de Getúlio Vargas, o controvertido político quatro vezes presidente do Brasil , que se suicidou em seu quarto no palácio, com um tiro no coração, no dia 24 de agosto de 1954, para lá, eu não desceria. Fingiria que nada acontecera, esqueceria o pijama listado, o estampido da garrucha, a cadeira de palhinha e a escrivaninha onde ele escreveu a carta-testamento: “Eu vos dei a minha vida. Agora ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na história.”

Pensando bem, é preciso ter coragem. Eu desceria, sim, ao porão, exorcizaria o demônio que está lá, faria uma oração de quebra das maldições que pesam sobre a vida brasileira, uma oração de libertação para o povo, um clamor de justiça que chegasse até Deus.
Ah! Eu acenderia as luzes, as velas, os lampiões. Enfeitaria tudo com muitas flores, arranjos que eu mesma faria e colocaria em vasos sobre toalhas de renda branca. Anunciaria um baile de valsas a cada pôr-do-sol. E não esqueceria de encher todos os ambientes com livros, muitos livros, nas estantes, nas mesas, nos cantos com abajures, penas de faisão em tinteiros, folhas de papel. Abriria até um espaço para um novo computador que me conectasse com mundos e galáxias-  pois bem que estou precisando.

Os portões eu manteria sempre abertos, nada dessa tristeza de greve. Receberia pessoalmente as visitas: artesãos, músicos, atores, cineastas, crianças, velhos, gente humilde. Como conheço bem as regras de hospitalidade, a todos eu daria atenção, serviria café com bolo de laranja  e contaria casos da história: da história do Brasil, do Rio, da minha vida desde que nasci em Mato Grosso e escutaria com paciência e calma as histórias da vida das pessoas.

Só este palácio poderia satisfazer totalmente o meu desejo de ter uma casa, afinal sou uma aristocrata no espírito. Mas, será que eu não poderia ter uma pequena janela que desse para o meu palácio?

O TRIBUNAL EUROPEU E OS EMBRIÕES HUMANOS

Dezembro 4, 2012

Por Ives Gandra da Silva Martins

O Tribunal de Justiça Europeu, em 18 de outubro de 2011 (Grande Secção), declarou a impossibilidade de ser patenteada a utilização de embriões humanos, não só para fins industriais e comerciais, mas também para a investigação científica, dando, entretanto, espaço para fins terapêuticos ou de diagnóstico, na medida em que seja útil para o próprio embrião.

A decisão seguiu a determinação prevista no artigo 6º, nº 2, alínea “c” da Diretiva da Comunidade Européia de nº 98/44. A definição do que seja embrião humano foi dada pelo próprio acórdão “constituem embrião humano todo o óvulo humano desde a fase da fecundação”.

Termina, o acórdão do Tribunal, com as seguintes determinações:

“2) A exclusão da patenteabilidade relativa à utilização de embriões humanos para fins industriais ou comerciais, prevista no artigo 6º, nº 2, alínea c), da Directiva 98/44, abrange também a utilização para fins de investigação científica, só podendo ser objecto de uma patente a utilização para fins terapêuticos ou de diagnóstico aplicável ao embrião humano e que lhe seja útil.

3) O artigo 6º, n.° 2, alínea e), da Directiva 98/44 exclui a patenteabilidade de uma invenção, quando a informação técnica objecto do pedido de patente implicar a prévia destruição de embriões humanos ou a sua utilização como matéria prima, independentemente da fase em que estas ocorrem e mesmo que a descrição da informação técnica solicitada não mencione a utilização de embriões humanos”.

Do referido acórdão, é de se concluir que a comunidade européia, por seu Tribunal Maior –não Cortes de derivação ou de poder delegado- reunido em Grande Secção, afastou a tese de que o embrião humano não seria um ser humano, pois admitiu a vida desde a concepção, ao não admitir patentes envolvendo a negociação e destruição de vidas humanas, na sua forma embrionária, não só para fins de industrialização e comércio pelos grandes laboratórios, mas também para investigação científica.

No mesmo acórdão, deixou claro que a destruição dos embriões ou sua utilização como matéria-prima, também não podem servir de base para sua patenteabilidade, visto que apenas as investigações que beneficiem os próprios embriões, ou seja, para sua preservação, são admitidas.

O acórdão – de pouca repercussão entre os defensores dos que se utilizam células embrionárias (embriões humanos)para pesquisas e que o Supremo Tribunal Federal permitiu fossem realizadas no Brasil, quando admitiu a constitucionalidade por inteiro da lei de biosegurança – parece, decididamente, sinalizar que, ao falar em células embrionárias, entende aquela Corte Suprema da União Européia estar falando em seres humanos na sua forma embrionária, algo que –creio que desde 2003– a Academia de Ciências do Vaticano, com seus 29 prêmios Nobel entre os 80 acadêmicos, já tinha definido, em sessão exclusivamente dedicada a caracterizar o início da vida humana.

A intenção deste artigo não é polemizar, mas demonstrar que a melhor solução, respeitando a dignidade da vida humana, é buscar soluções terapêuticas, a partir das células adultas reprogramadas, conforme as experiências de Yamanaka – que acaba de ganhar o prêmio Nobel deste ano – sem quaisquer riscos de destruição de seres humanos, na sua forma embrionária, e com resultados terapêuticos cada vez maiores e melhores, os quais começaram a ser alcançados desde os tempos em que as experiências se faziam exclusivamente com as células adultas, ainda quando não reprogramadas.

ESTÁ PRONTO O Nº25 DA REVISTA ARGANILIA

Dezembro 3, 2012

O número 25 da Revista ARGANILIA, projecto iniciado em 1992 e que tem recolhido nas suas páginas a história da Beira Serra e dos concelhos que a compõem está concluído.capa

O presente número é dedicado ao concelho de Tábua, o que acontece pela primeira vez e, sobretudo, a João Brandão – figura incontornável da história local, regional e nacional e que tem mantido acesa a polémica e a paixão, tantos anos após a sua morte.

São 256 páginas com textos de Álvaro Costa, Amílcar Martins, Antonieta Mesquita, António Lopes Machado, António da Fonseca Cortez, David Pinto, Fátima Pais, Filipe Pais, Francisco Correia das Neves, João Alves das Neves, João Brandão, João do Lodeiro, João Macdonald, José Caldeira, José Alberto Pereira, José da Costa Saraiva, Lourdes Martinho, Manuel Fernando Costa, Nuno Mata, Nuno Espinal, Paulo Ramalho, Regina Anacleto, Ricardo Pereira Alves e Silvério Manata.

Segundo o seu vice-director, Nuno Mata, que coordenou todo o projecto e que agora se assume como o responsável pela sua continuação, são nomes de intelectuais, estudiosos ou simples curiosos que aceitaram embarcar nesta aventura dividida em três partes: João Brandão, o mito eterno; Tábua – Património, Arte, Cultura e Associativismo e, ainda, uma Recensão Literária, onde são referidas a digitalização de A Comarca de Arganil e os recentes lançamentos das obras acerca do Convento de Vila Cova de Alva, monografia de Moura da Serra e o álbum de ilustrações de Monsenhor Nunes Pereira. “Faltam muitos assuntos, muitas referências, mas não havia espaço para mais. E muitos dos pedidos de colaboração nem resposta tiveram”, lamenta.

Pode ler-se no editorial que “muito já se escreveu e publicou acerca do beirão João Victor da Silva Brandão. Páginas e páginas de factos ou percepções, de documentos e conversas, de fotografias e ilustrações. Portanto, é perfeitamente questionável a escolha desta figura para tema central deste número da ARGANILIA. Então, porquê este caminho?

Várias ordens de razão assistem a esta opção editorial: a ideia de reunir num único suporte várias vertentes da temática João Brandão – a popular, a erudita, a poética, a epistolar, a gráfica – ainda que sabendo que a maior parte da informação existente continuará dispersa; a esperança que a presente edição possa fazer renascer a necessidade de, uma vez por todas, se determinar com exactidão se Brandão foi facínora ou herói, pois que até aos nossos dias o antagonismo permanece; e o entusiasmo do fundador e Director (agora a título póstumo) da ARGANILIA, Prof. João Alves das Neves, acerca deste personagem e deste assunto.”.

Porém, o vice-director alerta que “o futuro é incerto por motivos vários e a continuidade da revista e do projecto residirão na efectiva colaboração e vontade dos que, ao longo dos anos, inscreveram o seu nome nos milhares de páginas que já constituem os agora 25 números, ou de outros que possam chegar entretanto. Não é, portanto, tarefa para um homem só… Por outro lado, as dificuldades financeiras poderão obstaculizar a edição que se exige anual, uma vez que não existe qualquer conforto financeiro que permita um amanhã risonho e despreocupado a esse nível”.

Argumentando que “Desde o seu aparecimento, Arganilia quis ser rigorosamente cultural, aberta a todos e sem cariz partidário e é por isso que continua”, Nuno Mata concluiu o seu texto de apresentação dizendo que “cumpriu-se uma vez mais a vontade de Veiga Simões e de João Alves das Neves. Preservou-se uma vez mais a Cultura da Beira-Serra.”.

O lançamento da Revista Arganilia acontecerá em Tábua, dia 28 de Dezembro, pelas 21 horas, na Biblioteca Municipal João Brandão.

A Estrada Comprida

Dezembro 3, 2012

                                                              Por Cyro de Mattos

Em oito de dezembro deste ano completo cinqüenta anos de formado pela Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia. Nessa estrada de ganhos e poucas perdas caminhei olhando para a direita e para a esquerda. Às vezes parei e olhei para trás. Como faço agora quando procuro achar no fumo do tempo  aquele período de cinco anos em que cursei a faculdade,  em Salvador de Bahia.

A fotografia que tenho em mãos está amarelecida. Registra a despedida de nossa turma ao professor Mário Barros, depois de encerrada a última aula de Direito Comercial. O ilustre professor mostra-se descontraído ao lado da sorridente aluna Marietinha. As  moças Inessa, Lícia, Rute Bendochi, Isaurinha, Ebe e Lucy estão à direita do nosso simpático professor. Rapazes e moças mostram na expressão tranqüila de cada rosto que se sentem aliviados com o fim da jornada pelos campos universitários. Todos eles estão convencidos do dever cumprido como acadêmicos de direito.  Vários desses colegas já se foram desse mundo. José Aguiar, Otávio Vilas-Boas, Artur Caria, Teopisto, Jair Sampaio, João Berbert, Davi, Ronald, Durval, Cid, Ildásio Tavares  e Rute Pondé. Lembro de mais dois, Edvaldo, apelidado de Vadinho Turgulê, meu primo, e Seu Barbosa, um taxista sexagenário, o mais idoso da turma.

O mais jovem da turma é  Antonio Luís. Parece pensativo,  logo atrás do magrelo  João Pedro, de temperamento irrequieto,  um dos mais inteligentes da turma. Usava constantes óculos escuros. Mais na frente, Álvaro Perez, o filosofo existencialista,  de sangue espanhol. Dizia-se que Rute Bendochi nutria lá suas fortes afeições pelo discípulo de Sartre.  Bem na frente de todos, olha lá, o pequeno admirável Cícero Brito de Magalhães. Seria  também meu colega de serviço militar, que prestamos no Centro de Preparação de Oficiais da Reserva (CPOR),  cujo quartel ficava em Água de Meninos. Raul Ferraz, o mais alto da turma, colocou a mão esquerda com os dedos abertos  acima da cabeça do Vadinho. Ele está sorrindo de contente, certo de que a  vítima, alheia à brincadeira,  só irá descobri-la e revidar com lambança depois que a fotografia for   revelada.

Com alguns desses colegas, eu venho me encontrando de cinco em cinco anos. Nós nos reunimos em Salvador, durante a missa que mandamos celebrar e, à noite,  em um  jantar de confraternização. Dylson Dória, Edvaldo Brito, Marcelo Gomes, Marcelo Santos, Adalberto,  Raul Ferraz, Heráclio, Marcos Machado, Antonio Luís Calmon, Milton Marques,  Inessa, Hébio Palmeira, Geraldo Vilaboim, Isaurinha, Lucy, Lauro Azevedo, Ilce  e outros  colegas. Nesse instante, entre alegrias e risos, tomamos conhecimento de que a poesia não é feita só com versos, mas de saudades e  memórias.

Depois que me diplomei em Direito, eu nunca mais consegui encontrar alguns dos colegas. De uns tenho notícias vagas, Adeodato, Dermeval, Álvaro Menezes, Everaldo, Célia, José Gonzaga, Orlando, Archimedes,  Eduardo e Lícia. De outros nem sei o que fazem atualmente: Mário Boa Vista, Thereza Adelaide, Luiz Cavalcanti, Walker, Tomás, Rolemberg, Afrânio, Marlene e Ebe. É bom ver agora nessa fotografia que a vida era  águas impetuosas da qual fui parte. Essa despedida constante das pessoas e coisas que amamos.  A cada novo amanhecer havia a passagem do que sou. Nos sonhos colhidos e desmanchados,  ó querida Faculdade de Direito, é inevitável nessa hora dizer sobre a  dispersão que o tempo faz, unindo e desunindo, dando e tomando.

Noto que João Ubaldo Ribeiro não está na fotografia. Das duas uma, está na cantina  namorando com Beatriz, a moça mais bonita da faculdade, ou lá mesmo conta alguma  história de sua gente de Itaparica ao crítico literário Davi Sales. João Ubaldo Ribeiro sempre andou de mãos dadas com a criação literária. Ao invés de advogado militante, preferiu  ser autor de contos e romances como forma de leitura crítica da v ida.

Não se bebe duas vezes nas águas do rio do tempo. Desse rio que desce e nos leva guiados por uma deusa de olhos vendados. Com ela  uma parte do  mundo vem  me arrastando  com meus colegas para um remanso final em terra estrangeira, sossegado e remoto. Alegria e tristeza que significam agora na estrada que perdura  há cinqüenta anos? De fato havia um juramento  entre mim e os colegas, juntos nós todos ganharíamos pedaços da humanidade com o diploma da lei. Lembraríamos depois uma roseira lançada no torvelinho das águas sob a estrela da tarde.  Nossos gestos ficariam espalhados na aventura da vida perfumando essa estrada com o hálito   daquelas rosas.

E porque ainda estou aqui, e não sou jovem,  ouso dizer, como  no claro verso de um jardim,  que continuo  caminhando nessa estrada e olhando para a frente. Sou guardador da crença de novos nascimentos que me relacionem com o mundo. Vestido de tudo que me faça sobrar nas razões e sentimentos, ideias e intuições. Apesar de tudo,    sei  que procurando eu acho esses novos nascimentos. Neles há chuva e tudo mais que vem de Deus.