Arquivo de Novembro 2014

Dândi

Novembro 26, 2014

Por Raquel Naveira

O dândi aspira a ser sublime. Vive e morre em frente ao espelho. Tudo é vaidade.

Charles Baudelaire foi um poeta boêmio, um dândi. Posso imaginá-lo numa casaca azul com botões dourados, a calça estreita de pele de gamo, as botas lustradas, a camisa de babados finalizada por um laço, todo apertado num colete. Tinha o garbo de um cardeal das letras, o mistério de quem conhece a dor do mundo e as paixões, mas permanece impávido, como um albatroz voando nas alturas, entre o eterno e o efêmero. Ser dândi era sua essência, sua realidade. Aspiração de causar espanto pela maneira de se vestir, de se portar, de se cuidar. Pasmar as pessoas pela inteligência, pela sensibilidade, pela imaginação. Misto de vampiro e aristocrata. Ser dândi não era futilidade, era fuga sutil daquele pássaro que pousava no navio com suas asas de envergadura gigante, deixando a turba de marinheiros estupefata. O princípio de sua vida elegante era um pensamento de ordem e harmonia que dava um tom poético a todas as coisas. Uma espécie de dramatização da vida, afinal, a roupa é o mais enérgico dos símbolos.

“O dandismo” constitui uma das seções do ensaio de Baudelaire “O pintor da vida moderna”, que focaliza a obra do pintor francês Contantin Guys. Foi publicado pela primeira vez, em três partes, em novembro-dezembro de 1863, no jornal Le Figaro. Baudelaire explica que o dândi cultiva o belo em sua pessoa, satisfaz suas inclinações. O gosto pela elegância material é um símbolo da superioridade de seu espírito. É uma espécie de culto de si mesmo. O último rasgo de heroísmo na decadência. É um sol poente, que declina, soberbo, sem calor, cheio de melancolia. O dândi aspira a ser sublime. Vive e morre em frente ao espelho. Tudo nele reflete sua ambicionada glória. Ele despende suas rendas e bens com produtos de arte: livros, quadros, espetáculos musicais e teatrais. Espalha por onde anda toques de nobreza. Ama os brasões, os capelos, os sapatos de solas vermelhas, os perfumes, os sais, os vinhos, as coroas, os barretes, as esporas de prata. Esse sentimento de busca de distinções é uma necessidade da alma humana, uma espécie de sede, pois até o selvagem tem suas plumas, tatuagens, arcos e briga por  miçangas.

Baudelaire tinha a instrução, a linguagem fluente, a graça do porte, o esmero, o trato refinado. Gastou toda a herança do pai em roupas, drogas e álcool. Morou na companhia da mulata Jeanne Duval, a Vênus Negra, no luxuoso Hotel Pimodin, onde conheceu pintores, escritores emarchands. Sua mãe entrou na justiça, acusando-o de pródigo. Sua fortuna teve que ser controlada por um tutor. Morreu sem conhecer a fama, de sífilis e alterações cerebrais. Sempre dividido entre duas postulações simultâneas: uma em direção a Deus e à espiritualidade e outra a Satanás, no desejo da animalidade e da queda.

Lembrei-me de Castro Alves, o nosso poeta romântico. Lindo, jovem, a densa cabeleira. Vestia sempre paletó preto de casimira inglesa, chapéu gelô, gravata de colorido espalhafatoso. Olhava-se de alto abaixo no espelho e dizia:

– Tremei, pais de família! Don Juan vai sair.

Andava pelas ruas de Recife, sentindo prazer em ser reconhecido, cumprimentado. Uma tarde, esquecendo-se das conquistas amorosas, subiu num banco da praça e gritou:

– A praça! A praça é do povo/ Como o céu é do condor!

Em breve ele próprio seria o condor ferido, o pé amputado depois de um incidente numa caçada, o peito minado pela tuberculose. Febres, hemorragias, delírios. Aos vinte e quatro anos, as esperanças de celebridade e de futuro se acabaram para o dândi.

O poeta Mário de Sá-Carneiro, amigo de Fernando Pessoa, foi um dândi perdido no labirinto de si mesmo: “Se me olho a um espelho, erro/ – Não me acho no que projeto”. Nos seus poemas fala sempre dos sonhos que não sonhou e de uma saudade que o faz beijar suas mãos brancas. Declara ter sido Lord na Escócia em outra vida, arrastando sua tristeza sem brilho e o desejo astral de ter desfrutado um luxo desmedido. Aos vinte e seis anos, em meio a uma crise financeira e moral, suicidou-se. Sua vaidade de narciso aliada a uma tendência ao autodesprezo, a uma visão estética feminóide conduziram-no ao abismo. Sua intuição à Baudelaire trouxe, porém, novos horizontes para a poesia portuguesa.

Baudelaire, Castro Alves, Mário de Sá-Carneiro: pobres poetas dândis, almas que se perderam na vaidade. Pois tudo é vaidade.

Conheço alguém de uma elegância suprema, de uma graça essencial. É um homem divino que se ocupa de todos com delicadeza. Está sempre pronto para ajudar. Sempre semelhante a si mesmo. É simples e calmo, por isso tem poder. Seduz e atrai sem esforço. Magnético. Aceita as pessoas. Perdoa seus defeitos. É capaz de dizer: “Eles não sabem o que fazem”. Eu me escondo sob sua capa vermelha. E lhe presto culto.

Nº 27 da Revista Arganilia

Novembro 25, 2014

Foi fechada a edição nº27 da revista cultural da Beira Serra – Arganilia.

 

Este número será dedicado à gastronomia da Beira Serra, incluindo artigos de Ana Feijó Ribeiro, Carla Brito, Fernanda Maria Figueiredo Dias, Fundação ADFP – Assistência, Desenvolvimento e Formação Profissional, Horácio Flórido, José Moreira Castanheira, Madalena Carrito, Mafalda Ferro, Maria Beatriz Rosário de Alcântara, Miguel Ventura, Nuno Mata, Nuno Neves, Olga Cavaleiro, Pedro Santos, Real Confraria do Maranho, Ricardo Pereira Alves e Victor Cardoso. Dietitas, Confrarias gastronómicas, investigadores históricos, jornalistas, empresários, autarcas e associações apresentam os seus contributos para mais um volume deste projecto Arganilia, destacando-se e saudando-se o facto de muitos dos colaboradores serem estreantes.

 

A revista deverá estar disponível ao público muito em breve, continuando a divulgação e preservação do património desta área das Beiras.

arganilia 

Agradecemos que, caso julguem oportuno, pudessem divulgar esta nota de imprensa no periódico que superiormente representam.

 

Melhores cumprimentos.

 

Nuno Mata, vice-director da revista Arganilia

LÁGRIMAS OCULTAS

Novembro 11, 2014

Por Clariesse Barata Sanches

“Se me ponho a cismar em outras eras”

Em que ri e cantei, em que era querida,

Parece-me-que foi noutras esferas,

Parece-me que foi numa outra vida…

FLOBELA ESPANCA

Texto Clarise

 GLOSA

“Se me ponho a pensar em outras eras”,

Medito nessa vida, com Saudades

De sonhos encantados e quimeras,

Aonde eu via só felicidades!

  

Hoje choro de penas e de amor

“Em que ri e cantei, em que era querida”,

E via o meu Jesus em cada flor

A decorar no campo, a linda Ermida!

 Agora, sinto penas e, deveras,

Meu cérebro já cheio de memórias,

” Perece-me que foi noutras esferas”

E que tudo o que digo são histórias!

Mas não. Eu via amigos e abraços

A dizerem-me adeus na despedida

A com flores, até, no meu regaço,

” Parece-me que foi numa outra Vida.”