Arquivo de Setembro 2013

Vaidade

Setembro 30, 2013

Por Euclides Cavaco

Os pecados capitais
Parecem não ter idade
Sendo um dos mais triviais
A desairosa VAIDADE.

Segundo a nossa doutrina
Entre os sete é o primeiro
Pecado que predomina
Presente no mundo inteiro.

Para além de ser pecado
A VAIDADE é coisa vã
P’la igreja condenado
Consoante a fé cristã.

Ter VAIDADE é pretender
Meras virtudes expor
Mais qu’os outros querer ser
Com alarde e com fragor.

A VAIDADE é presunção
Sempre fútil e frustrada
Autêntica aberração
De leviana fachada.

Jactante vulgaridade
De grandeza pretendida
Maldita seja a VAIDADE
E quem a tem nesta vida!…

Escritor Baiano Eleito Membro Titular do Pen Clube do Brasil

Setembro 27, 2013

O escritor baiano (de Itabuna) Cyro de Mattos foi eleito Membro Titular do Pen Clube do Brasil e sua posse ocorrerá no dia 23 de outubro, às 17 horas, no salão nobre da entidade, na Praia do Flamengo, 172, Rio de Janeiro. A Professora Emérita Doutora Olívia Barradas proferirá o discurso de recepção ao novo membro.  A indicação do poeta para integrar o Pen Clube do Brasil foi por iniciativa da escritora Helena Parente Cunha, Doutora em Letras e Professora Emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Fundado em 2 de abril de 1936, no Rio de Janeiro, por iniciativa do escritor Cláudio de Sousa, o Pen Clube  destina-se a congregar escritores do País, estimular a criação literária e a concepção universalista dos bens da cultura, da liberdade e da paz, propugnando os sentimentos que animam o P.E.N. Internacional, bem como a UNESCO, sob cujos auspícios se encontra. O Centro Brasileiro (RJ) integra o PEN Internacional, sediado em Londres, conservando-se autônomo em seus procedimentos administrativos e culturais.

 ALTO NÍVEL

 Vários membros do Pen Clube do Brasil pertencem também à Academia Brasileira de Letras. O seu presidente atual é o escritor Cláudio Aguiar. A instituição reúne um conjunto de intelectuais  do mais alto nível,  formado por escritores, poetas,  tradutores, educadores  e professores universitários, como Rubem Fonseca, Muniz Sodré, Nélida Piñon,  João Ubaldo Ribeiro, Paulo Coelho, Ana Maria Machado, Arnaldo Niskier, Carlos Heitor Cony, Carlos Nejar,  Cleonice Berardinelli, Deonísio  da Silva, Domício Proença Filho,  Edivaldo Boaventura, Eduardo Portella, Evaristo de Moraes Filho, Fábio Lucas, Fernando Gabeira,  Ivan Junqueira, Ives Gandra da Silva Martins, Ivo Barroso, Ivo Pitanguy, , Marcos Maciel, Dom Paulo Evaristo Arns, Pedro Lyra, Reynaldo Valinho Alvarez, Ricardo Cravo Albin, Ronaldo Rogério de Freitas Mourão, Sábato Magaldi,  Silviano  Santiago, Stella Leonardos, Salgado Maranhão, Helena Parente Cunha, Olívia Barradas  e Sílvio Back.

  PEN Clube do Brasil

Filiado ao PEN International (Londres)

Fundado em 2 de abril de 1936

Documentário sobre José Bonifácio é apresentado na Bibloteca Mario de Andrade em São Paulo

Setembro 27, 2013

Por Eulália Moreno

Os 250 anos do “Patriarca da Independência”, José Bonifácio de Andrade e Silva são comemorados no Brasil com a exibição do documentário de 52 minutos dirigido por Francisco Manso e produzido pela Rádio e Televisão de Portugal ( RTP ) com o apoio do Parque Biológico de Gaia e da Ciência Viva e a colaboração do Centro de Ecologia Aplicada Professor Baeta Neves. Em São Paulo e Santos as exibições gratuitas contam com o apoio e organização do Consulado Geral e Consulado Honorário de Portugal em São Paulo e Santos, respectivamente.

No dia 24, o documentário estreou no SESC da cidade de Santos e contou com a presença do director Francisco Manso e a mediação nos debates que se seguiram á exibição de José Augusto do Rosário , gestor do Consulado Honorário de Portugal em Santos. ( foto de Carlos Oliveira).

Em 25 de setembro o documentário foi exibido no SESC Pinheiros seguindo-se um ” bate papo” com o director e com o roteirista Francisco Castro Rego. Hoje, dia 26, na Universidade Mackenzie, às 14h00 e ás 19h00 na Bibliotea Mario de Andrade ocorrem as exibições sempre com entrada gratuita.

Um pouco sobre José Bonifácio

A vida de José Bonifácio de Andrada e Silva marca e documenta ela própria a história da Ciência e da Política no início do século XIX. O relato da sua trajetória de aprendizagem científica é feito pelo próprio, como Secretário Perpétuo da Academia Real das Ciências de Lisboa, numa representação ficcionada da preparação do seu discurso histórico de Junho de 1819, que antecedeu o seu regresso ao Brasil.

José Bonifácio relembra os tempos em que, voltando do Brasil, chega à Universidade de Coimbra e se matricula nos cursos de Direito, de Filosofia e de Matemática.

A pesca das baleias que observou durante a sua juventude na armação de Bertioga, perto de Santos, é o tema escolhido para um estudo de admissão à Academia de Ciências de Lisboa.

A partir de 1790, já em Paris, numa época em que fervilhavam os ideais da Revolução, José Bonifácio aprofundou os seus conhecimentos de Química e Mineralogia. A história leva os espectadores em seguida a Freiberg, cidade alemã com grande tradição mineira, onde José Bonifácio foi colega de estudos do célebre naturalista alemão Humboldt.

As imagens das ferrarias do Alge associam-se aos trabalhos de José Bonifácio após o seu regresso a Portugal, em 1802, como Intendente Geral das Minas e Metais do Reino e recordam que foram os artilheiros das ferrarias que foram por ele chamados como chefe do Corpo Acadêmico Militar para combater em Coimbra a invasão francesa de 1808.

Depois da fuga da Corte portuguesa para o Rio de Janeiro o documentário continua na Academia das Ciências, já depois das invasões francesas, com José Bonifácio a desenvolver os seus trabalhos científicos. Os trabalhos sobre as dunas da costa de Lavos documentam a importância da arborização de que José Bonifácio foi pioneiro e as paisagens de Trás-os-Montes ilustram os seus estudos sobre as possibilidades de exploração de minas.

Em 1820, já no Brasil, José Bonifácio continua as suas explorações mineralógicas numa viagem de Santos a São Paulo. Como Vice-Presidente do Governo de S. Paulo, defende a civilização dos índios e a emancipação gradual dos escravos e contestava a decisão das Cortes de que as Províncias do Brasil dependessem de Lisboa e que ordenavam a D. Pedro que regressasse a Portugal.

D. Pedro, influenciado por José Bonifácio, proferiu então a célebre frase “Independência ou Morte”. A influência de opositores a José Bonifácio, em particular pela sua posição contra a escravatura, e também de Domitila, amante de D. Pedro, fez com que José Bonifácio fosse deportado para Bordéus em 1823.

A morte da Imperatriz Leopoldina, o novo casamento de D. Pedro e o afastamento de Domitila permitiram o regresso de José Bonifácio ao Brasil. D. Pedro, agradecido antes de partir para Portugal em 1831 para recuperar o trono ao seu irmão D. Miguel, nomeia José Bonifácio tutor dos seus filhos.

As imagens da ilha de Paquetá, na baía de Guanabara, onde José Bonifácio se fixou e onde passou os últimos anos de vida até à sua morte em 1838, e do Panteão dos Andradas, em Santos, fecham a narrativa da sua vida. Ficam para a história a defesa da Natureza, mas também a defesa dos índios, dos escravos, dos brasileiros e dos portugueses sendo, talvez, o primeiro estadista de dimensão universal a compreender que a defesa dos recursos naturais é a mesma defesa dos direitos do homem, e que Natureza e Humanidade são um todo único.

Bibi canta & conta

Setembro 25, 2013

Por Renato Nalini

No próximo dia 14 de outubro, celebrar-se-á o cinquentenário da morte de Edith Piaf. Ela não morreu, mas continua bem viva na voz de Bibi Ferreira. Há 30 anos a filha de Procópio canta e conta a existência daquela menina que ficou cega e recobrou a visão graças a um milagre atribuído a Teresa Martin, hoje Doutora da Igreja, Santa Terezinha do Menino Jesus. A carmelita de Lisieux.

Tive o privilégio de assistir Bibi no Teatro Frei Caneca, em sua última semana de espetáculo. Notável como a mulher de mais de 90 anos tem a voz possante, a sobressair em relação a uma potente orquestra. Sua entrada no palco já é recebida com aplausos e plateia em pé. Levanta-se por muitas outras vezes. Pois a interpretação é magnífica.

Ela canta “La Foule”, “La Ville Inconnue”, “Monsieur Saint Pierre”, além dos clássicos “Hino ao Amor” e “La Vie En Rose”. Transfigura-se, faz gestos de carinho para o público, é uma grande dama.

O sucesso é o mesmo em todo o mundo. Em Paris, Michel Rivegauche, compositor de grandes sucessos de Piaf, entregou a ela o material que guardou desde a morte da cantora, em busca de alguém que pudesse sucedê-la. Encontrou em Bibi uma outra Piaf.

Em Buenos Aires, o “La Nación” destacou: “Bibi Ferreira, lenda viva do teatro brasileiro, impressiona pelo seu vigor e sai de Buenos Aires ensinando como se canta um tango”. Em Nova Iorque, a crítica do New York Post é um testemunho que deve orgulhar os brasileiros: “Bibi Ferreira é a melhor cantora do mundo!”.

E é mesmo. Quanta esperança essa jovem de 91 anos, com 70 de carreira, traz àqueles que já nasceram velhos, desanimados, pessimistas e achando que a vida já acabou.

No dia do espetáculo que assisti, ela identificou no auditório Agnaldo Rayol e o chamou para cantar com ela. O povo vibrou. A voz de ambos é um show. O Agnaldo que gravou nossos dois hinos: o Hino a Jundiaí e o Hino à Padroeira, a pedido de sua amiga, a inesquecível Mariazinha Congilio.

Ainda brindou seu público dando uma “palhinha” do show que estreará em maio de 2014, em São Paulo: “Bibi canta Sinatra”. O fenômeno Bibi mereceu crítica de Sábato Magaldi: “Não me lembro, nos últimos 30 anos, de tantos aplausos em cena aberta, e no final uma ovação como a que recebe Bibi Ferreira, o público de pé. Testemunha-se um desses raros milagres da comunicação absoluta, em que a plateia se libera da violenta carga emocional”. Essa menina é impossível!

SERVIÇOS DE INTELIGÊNCIA

Setembro 24, 2013

Por Ives Gandra da Silva Martins

Na década de 90, Alvin Toffler, escreveu um livro “Guerra e Antiguerra”, no qual defendia a tese de que as guerras futuras serão ganhas, não por generais em campo de batalha, mas pelos serviços de inteligência. Quem dispuser de mais informações, prevalecerá, em eventual conflito.

Os serviços de inteligência, por muitos denominados de espionagem, buscam ter as informações necessárias para que os governos possam decidir as políticas a serem adotadas perante eventuais adversários, criminosos ou inimigos externos. Até mesmo perante nações amigas.

Tem, o governo federal, seus serviços de inteligência nas Forças Armadas, na Receita Federal, na Polícia Federal e na ABIN, que oferecem dados relevantes para determinar suas ações.

É bem verdade que o direito à privacidade é uma cláusula pétrea no Brasil (artigo 5º, incisos X, XI e XII), mas, até mesmo essa cláusula pétrea pode ser oficialmente quebrada, mediante autorização judicial. Infelizmente, não poucas vezes é quebrada pelas mais variadas ações públicas e privadas (hackers). Quando descobertas pela imprensa, tornam-se escândalo público.

De rigor, com a evolução da informática, o direito à privacidade tornou-se, melancolicamente, um segredo de Polichinelo, tendo, por exemplo, a Receita Federal mais informações sobre a vida econômica de cada contribuinte, do que o próprio contribuinte. E legalmente.

No plano internacional, podem as nações defender-se por meio de serviços de inteligência contra potenciais inimigos, aliados ocasionais ou movimentos subversivos internos ou externos com o aprimoramento de seus serviços de inteligência.

Depois do dia 11 de setembro de 2001 –quando os serviços de inteligência americanos detectaram a possibilidade de ataque, mas as autoridades não avaliaram com o devido cuidado as informações de que dispunham–, toda a estratégia dos Estados Unidos, que, a partir da guerra da Coréia em 1952, tinha sido consideravelmente valorizada e alicerçada nestes serviços secretos, foi definitivamente erigida como elemento chave na defesa da nação. Por variados motivos que não cabe aqui analisar, tornou-se a nação preferencial de ataques no próprio território ou no exterior.

É, pois, natural que cada país, nos limites de sua tecnologia, busque ter informações sobre seus vizinhos ou potências adversárias.

Os serviços de inteligência, portanto, estão na essência da segurança do Estado e sabeo não só  Presidente da República, como todos os órgãos responsáveis para garanti-la.

O encarregado da embaixada brasileira na Bolívia arriscou-se a tirar de lá o Senador exilado há um ano e meio, porque detectou os riscos concretos de sua permanência na Embaixada.

No velho testamento (livro de Josué), os hebreus derrotaram Jericó depois de enviarem dois espiões até a cidade e, tendo obtido informações de uma prostituta, trouxeram-nas para que Josué pudesse invadir a cidade, preservando, inclusive, a vida da informante.

É de se lembrar que, o combate à criminalidade, no Brasil e no mundo, faz-se a partir de serviços de inteligência.

Convite: “Quinta Poética”

Setembro 24, 2013

convite casa das rosas

CICLO DE SANGUE

Setembro 19, 2013

Por Raquel Naveira

Ciclo de sangue,
Todo mês
A lua volta
Em forma de plasma,
Suco,
Sumo;
Mar vermelho
Entre minhas pernas
De ser mamífero,
Fêmeo
E quente;
Placenta
Que se dissolve
Num fluxo de rio.

Que pode minha consciência,
Meu sonho de conviver com anjos,
Meu livre-arbítrio
Contra este ritmo bruto
Que me abate?

Que pode meu espírito
Contra a máquina indiferente
De meu corpo imperfeito
Que purga
E se mancha
De estrelas sanguíneas?
De nada adiantaria
Um banho ritual,
Um mito,
Ou a fé no pecado original,
Vivo num invólucro de carne,
Casulo natimorto.

Mesmo na velhice,
Quando os diques se fecharem,
Útero e ovário
Esturricarem como frutas
De cascas endurecidas,
Ainda assim
Terá sido a mão da natureza
Com a violência de um outono seco.

Sou Eva,
Circe,
Maria,
Entre maçãs, feitiços e serpentes
Sangro gerações.

AMIZADE OU INTERESSE ?

Setembro 18, 2013

 

Por Humberto Pinho da Silva

Lamentava-se senhora alentejana que o sobrinho, que tão amigo era dela, em criança, logo que entrou na universidade, deixou de lhe escrever e visitar.

Consolando-a, amiga confidente, dizia-lhe que isso seria motivo de alegria: pois era sinal que nada lhe faltava.

Esse lamento, lembrou-me a velha historieta do jovem que estudava em Coimbra, e não respondia às cartas do pai, lavrador abastado, que mourejava a terra desde a puberdade.

Contando, muito contristado, o ingrato comportamento do filho, no boteco da aldeia, entre amigos mais íntimos, um, prontamente o aconselhou:

– “A culpa é de Vossa Senhoria. Escreva-lhe, dizendo, que junto com a carta, segue nota de cem escudos, mas não a meta. Verá que pela volta do correio receberá carta afetuosa”.

Assim aconteceu. Dentro de dias entregaram-lhe missiva reclamando a nota.

Não sei se será egoísmo ou desprezo, a atitude de muitos, de só se abeirarem de familiares e amigos de infância, quando se lembram que estes lhes podem ser úteis, para realizarem o tal jeitinho, que facilita a entrada no emprego ou passagem no exame.

Digo não sei, porque a amizade devia ser cultivada, mormente por aqueles que receberam carinho desinteressado, na infância. Disse um dia que o sentimento que mais fere é o da ingratidão, e julgo que disse bem, porque não há maior afronta, apartar-se de alguém, porque já não se precisa dele.

Há parentes que moram a poucos passos uns dos outros e só se veem nos atos solenes: batizados, casamentos e funerais, ou quando se recordam que lhes podem ser úteis.

Há amigos que raramente se carteiam, mesmo em dias festivos, e nem pela Internet se dão ao incómodo de agradecer a gentileza de lhe terem enviado foto ou bilhetinho a transbordar de ternura.

Declaram que têm vida muito ocupada – os afazeres nem lhes permite conviverem com os filhos. Mas não recusam jantares com “ importantes”, nem deixam de viajar em fins-de-semana,.. Há tempo para tudo, mas não há para conviverem, quando o parente ou amigo, é pobre ou não lhes pode ser útil.

Para eles, a amizade, é meio de adquirirem influência.

Meu pai tinha amigo, que visitava frequentemente. Um dia ficou internado em Casa de Saúde, a poucos metros da residência do companheiro. Pois, este, não conseguiu encontrar tempo para o visitar.

Certamente dizia lá para consigo: Para quê? Está gravemente doente, à porta da morte. Já não serve para nada, nem para mencionar o meu nome na coluna do jornal. – meu pai era jornalista.

Como os homens são ingratos, bem diferentes dos cachorros, que amam aqueles que com eles convivem, mesmo quando caiem em desgraça ou se afastam por longo tempo.

VESTÍGIOS DE ESFINGE

Setembro 17, 2013

Por Rita de Cássia Alves

 

Desde quando as flores perderam as asas e firmaram seus pés em areia movediça

 

eu me despeço

 

Aceno com os cabelos cortados rentes à pele

Introduzo ramos de amoras

Embaixo das unhas

 

São delas as primeiras penas da ave

As mesmas barbatanas dos tucunarés

Em direção à nebulosa

 

Foram os sorrisos das serpentes

Os primeiros sinais de pacificação

 

Laços no pescoço

A viscosidade das libélulas

Na velocidade dos navios negreiros

 

Âncoras voavam sob as esfinges decompostas

Lâminas de água-viva

E as asas das sereias

Subiram pelos ouvidos

Enterrando as sementes da videira

 

Eu engoli o vinho aos borbotões

Transparência

 

O BRASIL EMBARGADO

Setembro 16, 2013

por Paulo Timm

Ontem, apesar do cansaço de todo mundo com o assunto do “Mensalão” , o assunto veio de novo à baila e hoje ocupa os espaços da mídia e das redes sociais. Tudo por causa da discussão e divisão do Supremo Tribunal Federal em torno dos ” embargos infringentes”. Nome difícil, para os leigos, que não obstante vão se familiarizando com a nomenclatura jurídica. Trata-se de um recurso de condenados no sentido de rever o processo e as penas à que foram submetidos. No caso do ” Mensalão” , precisamente 11 condenados, justamente os de maior visibilidade política, ligados ao PT, o mais célebre deles o Ex-Ministro Zé Dirceu. Curiosamente, são também 11 os Ministros do Supremo, sendo que 10 deles já votaram, sendo 5 a favor da aceitação dos ditos embargos e, portante, da revisão de todo o processo que poderá se arrastar por mais alguns anos e 5 contra. Empate! O desenlace se dará na semana que entra, com o voto que se imagina favorável aos 11 réus, o que significa que o “Mensalão” dificilmente os atingirá .

Até aqui os fatos recentes. Sobre eles, muitas paixões, análises e reticências. De uma forma geral, os partidários do PT e seus Governos e Líderes, respiram aliviados. A revisão do processo poderá confirmar o que vêm afirmando com veemência: O processo foi político, jamais houve “Mensalão”. A maior parte da opinião pública, porém, açodada pela Mídia e apesar de até aprovar o Governo Dilma, do PT e lhe creditar nítida vantagem sobre os concorrentes para as eleições à Presidente no ano que vem – 2014 -, já e decepcionam com a Justiça, esperando o pior no voto faltante: Preferiam ver os condenados presos. Isso indica que o público brasileiro não se sensibiliza muito com o tema corrupção, a ponto de desacreditar este ou aquele político ou Partido, em função de denúncias ou processos. O exemplo mais flagrante é do Deputado Paulo Maluf, com eleição sempre garantida…Outro, o do Ex-Governador José Roberto Arruda, do Distrito Federal, quem saiu algemado do Palácio Buriti, foi condenado e hoje é o favorito na preferência dos eleitores brasilienses, caso venha a se candidatar novamente ao Governo. Junto com ele, outro campeão de votos naquela cidade: Joaquim Roriz, que também promete voltar, apesar da “má fama”. Ainda assim, este mesmo público demonstra insatisfação com a Justiça quando ela não pune exemplarmente os culpados. Vá entender…!

Mais além – ou aquém – dos mandatos infringentes do ” Mensalão” e das contradições populares sobre eventuais corruptos, o processo em pauta merece uma reflexão positiva: Ele é didático. Ele ensina ao eleitor e cidadão, como funciona a Justiça, nos marcos do Direito e não dos Valores. Primeira lição: A Justiça repousa sobre a Lei e não sobre a Verdade. Neste sentido, o Direito tem suas origens no pensamento pré-socrático, que sempre afirmou haver no mundo o justo e o injusto , sendo ambos igualmente justificáveis. Daí que os gregos mandassem seus filhos à Escola para aprender Oratória e Retórica, ambas indispensáveis à construção dos argumentos que levariam à cata da Verdade. Veneravam eles a Lei como um mandamento da Polis, mas sabiam que ela não era uma mera administração de regulamentos.

No Brasil, houve um Vice Presidente da República, Pedro Aleixo, no Governo Costa e Silva, que sintetizou magistralmente essa questão quando discordou da edição do AI – 5, em 1968, vindo , por isto a ser estigmatizado pelos militares. Disse ele: ” O que tenho medo com este Ato não é dos generais, mas do Guarda da esquina”. Ou seja, percebia ele que naquele Ato a Lei deixava de ser um monumento da autoridade constituída para se converter no cacetete do milico de turno. No fundo, perdia ela o caráter transcendental de caminho da Verdade para erigir-se na própria Verdade.

Qual a relação disto com o “Mensalão” e os embargos infringentes? Isto tudo é a expressão da Lei em processo. Não há verdades. Elas são construídas no Processo e serão revisadas pela História. Há decepções, de lado a lado. Ora a espada pende sobre o pescoço dos acusados, ora em seu benefício. Este o papel da Justiça e ele está se construindo didaticamente para nós.

Segunda lição: Não é a Justiça que corre atrás do cidadão, mas este que vai ao encontro de seus direitos, sejam eles meros consumidores amparados pela Lei de Defesa do Consumidor, sejam mulheres aviltadas por maridos violentos que correm ao abrigo da Lei Maria da Penha, seja o Zé Dirceu, que tem todo o direito de recorrer enquanto houver espaço para tanto, em busca de sua absolvição. Assim funciona o Império da Lei. Ela só existe quando reitera permanentemente este espaço. Isto pode lhe custar um ônus político, como aparentemente comprova a sua condenação pela opinião pública, mas ninguém sabe como esta mesma opinião se comportará caso ao final do processo. E se ele acabar sendo inocentado…?

Vajamos, em contrapartida, como funciona o Código de Honra no mundo do crime, fora da alçada do Estado, no post do Jornalista Renato Riella FB, quem lamenta que ‘ A Justiça brasileira especializa-se em abandonar a avaliação do mérito em processos graves, detendo-se em questões burocráticas e deixando de condenar gente importante da política brasileira’ :

BRASIL, UM PAÍS EM QUE A JUSTIÇA NÃO TEM MÉRITO

O PCC, facção criminosa que domina os presídios, principalmente em São Paulo, decidiu fazer justiça e condenou à morte os cinco bandidos que mataram, com um tiro no rosto, um menino boliviano. Dois dos assaltantes foram envenenados na prisão e outros dois, que estavam ainda soltos, baleados e mortos. O quinto, de 17 anos, está num presídio de menores à espera da sua hora. Não escapará aos braços justiceiros do PCC, que não admite crime contra crianças.

 Aparentemente, a Justiça Sumária do PCC é mais profunda do que a do STF. Mas ela não é Justiça no sentido que o processo civilizatório conferiu às instituições em torno do Estado de Direito. Ela é mera violência, sem qualquer garantia de verificação processual , nem muito menos direito de defesa dos acusados. Ela se impõe como VERDADE SUPREMA. Uma barbárie. E se os jovens mortos não foram, realmente, os criminosos? Lembremo-nos, sempre de um filme, já caído no esquecimento: ” Um pequeno-burguês, pequenininho, pequenininho”, de Mario Monicelli, creio.. Nele um pai resolve vingar pelas próprias mãos os assassinos do filho. Descobre-os, persegue-os e os mata implacavelmente. Até que lê num jornal a descoberta pela Polícia dos reais assassinos…

Terceira lição: A Justiça tarde e exige a qualificação de profissionais na busca dos direitos da cidadania. É um processo difícil, às vezes caro e discriminador, porque exclui os mais pobres do acesso a direitos, mas inevitável. É tão caro como a medicina. Ou a boa arte. Ou a educação esmerada. Pode-se pensar em universalizar o acessos a tais serviços e bens, mas jamais eliminá-los por serem ” caros ” . O que estamos assistindo no ” Mensalão ” não deveria nos constranger. Pelo contrário, levar-nos a nos orgulharmos de dispor no Brasil de instituições que se estão aperfeiçoando com o aprofundamento da democracia entre-nós, ao tempo em que demonstra a cabal sedimentação de uma sólida cultura jurídica dos profissionais envolvidos no Processo.

De minha parte, enfim, que torço pela democracia, pouco me importa que os réus sejam ou não absolvidos Definitivamente, para mim, esta é uma questão institucional sobre a qual recairá o juízo histórico. Desconfio, porém que, para Zé Dirceu e seus companheiros condenados, caso venham a ser amparados pela revisão do processo , esta venha a ser uma vitória do Pirro…