Por Ives Gandra Martins
A Constituição de 1988, hospedando adequado equilíbrio de Poderes, tem-se revelado responsável pela estabilidade da democracia brasileira.
Permitiu ao País superar os impactos de um “impeachment” presidencial, de um processo de superinflação (não hiperinflação, pois a economia não se desorganizou, graças a correção monetária), dos escândalos dos anões do Congresso, do orçamento, do mensalão -que levou 40 pessoas vinculadas ao governo Lula a serem processadas criminalmente- e de outras crises, além de assegurar a alternância do poder, sem que se falasse em ruptura institucional. Neste período, o Brasil evoluiu ao ponto de sua voz começar a ser escutada no cenário internacional.
O Presidente Sarney, embora tivesse fracassado no combate à inflação, com congelamentos mal planejados (desde Hamurabi os controles de preço não dão certo), permitiu, todavia, a convocação da Constituinte e a promulgação da Lei Suprema.
O presidente Collor -afastado por escândalo menor que o do mensalão-, abriu a economia do País, de que se aproveitaram seus sucessores Itamar Franco e Fernando Henrique, que , por sua vez, eliminaram o processo inflacionário brasileiro, com três regras simples, a saber: incineraram o “déficit” público, geraram reservas internacionais e levaram todos os índices inflacionários a desembocar num só, com o que, ao transformarem a moeda de conta (URV) em moeda de pagamento real, a inflação acabou. Sem “déficit” e com reservas suficientes, atalharam a especulação em divisas estrangeiras, utilizando-se da importação como freio à escalada de preços.
Fernando Henrique administrou bem a economia, por tê-la controlado, apesar da crise mundial e dos efeitos Malásia, Rússia etc. de 1997 a 2002, entregando o País a Lula, com os fundamentos da economia saneados e estáveis.
Lula, que foi dos maiores críticos do Plano Real, seguiu, rigorosamente, as diretrizes de seu antecessor e colocou no Banco Central experiente operador de mercado, que tem mantido a estabilidade da moeda, adotando as metas de inflação de Fernando Henrique e rígida política monetária, em dosagem correta nos aumentos e diminuições da taxas de juros.
Lula, por outro lado, assumiu o poder, com a economia mundial em crescimento e, aproveitando-se das conquistas de seus antecessores, fez o Brasil crescer, menos que os países emergentes de expressão, mas em razoável patamar. O peso da máquina estatal, que inchou – ao contrário de Fernando Henrique, que a enxugara – foi o breque que não permitiu que o Brasil crescesse como os outros países. Por esta razão, quando a crise mundial estourou, o Brasil, que ainda não tinha entrado no grau de desenvolvimento das nações desenvolvidas e emergentes de expressão, acabou sofrendo menos do que aquelas que já estavam em outro nível.
Ao adotar políticas anti-cíclicas (redução de tributos indiretos), alargou o mercado interno para compensar a perda do mercado externo, não tendo a Banca Brasileira sido afetada, por ter grande parte de seus ativos financeiros em títulos públicos.
Neste ano, todavia, nuvens começam a aparecer no horizonte, como o retorno da inflação e a formação de um ‘deficit’ nas contas externas de quase 50 bilhões de dólares.
Acresce-se que o peso da burocracia aumentou (183 bilhões de reais serão destinados a pagar a mão-de-obra oficial contra 12 bilhões voltados para a Bolsa Família!!!).
O PAC 1 empacou e o PAC 2 é, em parte, reprodução do PAC 1, para o qual apesar de haver recursos, seus gestores não souberam implementá-lo.
Creio que, se o Governo Lula sair do discurso eleitoral para uma gestão mais austera das contas públicas, talvez consiga concluir seu governo com bom saldo, sem inflação elevada.
Se soltar, porém, as rédeas, por ser um ano eleitoral, seu sucessor, seja ele quem for, terá problemas. Para, todavia, poder encerrar bem seu governo, terá que esquecer o PNDH3, segundo o qual o Brasil, nestes 20 anos, por conta do neoliberalismo, privatizações, agronegócio, flexibilização de direitos não teria alcançado uma boa performance, devendo voltar a ser um Estado forte, com economia agrícola de sustentação familiar, sem flexibilização de direitos e eventuais reestatizações. O PNDH3 pretende exatamente valorizar o que mais prejudicou o governo Lula, impedindo o País de crescer, na dimensão dos demais emergentes, na época do “boom” econômico, ou seja, o peso de uma burocracia esclerosada e de um Estado mastodôntico e ineficiente.
De qualquer forma, graças ao estatuto supremo, o saldo da democracia brasileira, em todos os governos, de Sarney a Lula, é inequivocamente positivo.