Arquivo de Fevereiro 2013

Tudo vai para o lixo

Fevereiro 28, 2013

Por Nilto Maciel

ImagemAs pessoas de poucos rabiscos (ou nenhum) costumam agredir as mais fecundas e dedicadas ao exercício de alinhar palavras (chamam-nas corretamente de prolíficas, mas querem mesmo é achincalhá-las) com frases assim: “O que vale é a qualidade; quem redige muito, o faz porque ainda não encontrou o próprio caminho”. Não vejo assim. A maioria dos bons escritores criou para lá de uma dezena de obras. E mais teria feito, se mais longa vida tivesse tido. Citemos apenas uma dúzia (só brasileiros do final do século XIX até o XX): José de Alencar, Machado de Assis, Aluísio de Azevedo, Euclides da Cunha, Mário de Andrade, Graciliano Ramos, Cecília Meireles, Guimarães Rosa, Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector, João Cabral de Melo Neto, Lygia Fagundes Telles. Poderia mencionar dezenas de dúzias, mas diriam os incansáveis intrigueiros: “Ah, esses não são titulares, são do time reserva”. Enquanto isso, contam-se nos dedos os escritores de obra escassa (um ou dois livros pequenos): Augusto dos Anjos é o mais famoso deles.  Bem conhecido também é Raul de Leoni. Se se quiser ampliar o número, é preciso dizer que quase todos morreram jovens, razão pela qual (talvez) conceberam pouco. Cruz e Sousa seria um deles.

Como pertenço ao time da maioria (embora não seja torcedor de Flamengo, Corinthians e Ceará), também componho com certa assiduidade. Não tanto quanto gostaria de ter fiado e de rascunhar. Meus amigos reclamam: “Você escreve demais, Nilto. Pare um pouco e vá rever suas publicações. Ou vá ler”.

Não parei nem pretendo parar tão cedo. Quero engendrar mais crônicas (sobre livros e escritores), resenhas dos livros que me doam, contos para formar mais um conjunto e outro romance. Ontem fiz uma averiguação e fiquei surpreso: de outubro do ano passado até agora contei 24 crônicas ou resenhas; de dezembro de 2011 a hoje foram 17 contos; de janeiro deste até agora, cinco capítulos (cerca de 100 linhas cada) de um romance planejado para ter cerca de 3.000 linhas.

Os mais azedos completam a arenga: “Para que sujar tanto papel, se irá tudo para o lixo?” Ora, tudo vai para o lixo (o esquecimento). Nossos pais foram ou irão. Depois seremos nós. Mais adiante (ou logo), nossos filhos e netos. E, como se nos acreditássemos eternos, não deixamos (os humanos) de fazê-los e amá-los.


Para desespero deles (dos maldizentes), preparo-me este ano para mais três publicações: os contos de A fina areia das dunas(vencedor de edital da Secretaria da Cultura do Ceará), as crônicas de Como me tornei imortal (pelo Armazém da Cultura, que recentemente reeditou meu romance Os guerreiros de Monte-mor) e os artigos de Gregotins de desaprendiz (pela Editora Bestiário, que editou meus contos reunidos em dois volumes — faltam mais dois ou três —, o romance Carnavalha e as narrativas de A leste da morte).

Enquanto isso, dou retoques num romance escrito entre 2010/2012, organizo meus poemas inéditos (talvez os reúna aos deNavegador); um tomo de pequenos artigos (Pedrinhas de brilhante); umas crônicas-resenhas (Fogo e magma); minhas memórias (Como surgiram Palma e seus habitantes); e a segunda parte dos artigos (Segundos exercícios). Em andamento, o que chamo provisoriamente de Novas prosas (artigos, resenhas e crônicas), além dos contos novos e de um romance (ambos ainda sem título).

Cabo Verde: Portugal e Brasil iniciam campanha de recolha de livros para biblioteca em Cabo Verde

Fevereiro 28, 2013

Imagem

Portugal e Brasil deram início uma campanha de recolha de livros destinados à Biblioteca Municipal da Ribeira Grande de Santiago (Cidade Velha), em Cabo Verde.

Segundo Nuno Rebocho, assessor de comunicação da câmara da Ribeira Grande de Santiago, localidade elevada em 2009 pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) a Património Mundial da Humanidade, as campanhas correspondem ao apelo feito recentemente em Portugal por Pedro Silva, historiador português e “patrono” da futura biblioteca.
“São muitas as entidades que já atenderam favoravelmente a esta iniciativa, devendo em breve ser encaminhado para Cabo Verde o fruto desta iniciativa”, disse Nuno Rebocho, antigo jornalista e escritor português.

Segundo o assessor de comunicação da autarquia, Pedro Silva, historiador com vasta obra publicada, é Cidadão Honorário de Cidade Velha.

A Biblioteca Municipal de Ribeira Grande de Santiago vai começar a ser provisoriamente instalada em São Martinho Grande, a meio caminho entre a Cidade da Praia e a Ribeira Grande de Santiago.

Após a construção da Cidade Nova, na área limítrofe da Ribeira Grande de Santiago, a biblioteca será erguida nesse espaço, para onde será transferida em definitivo.

A biblioteca concentrará, além destes donativos, 3.000 livros que já lhe foram concedidos (2.000 deles já estão na cidade), mais os remetidos pela ONG Jornalistas sem Fronteiras.

Fonte: http://www.portalangop.co.ao/motix/pt_pt/noticias/africa/2013/1/8/Portugal-Brasil-iniciam-campanha-recolha-livros-para-biblioteca-Cabo-Verde,1b1478c9-7b01-4bac-b488-a5b56d50358f.html

Retrato Régio de D. Carlos I

Fevereiro 27, 2013

Retrato Régio de D. Carlos I

Todos enredados

Fevereiro 26, 2013

Por Renato Nalini

A verdade é que ninguém mais consegue viver sem participar das redes sociais. Até mesmo Joseph Ratzinger, o filósofo que sucedeu João Paulo II e adotou o nome Bento XVI, estreou no twitter no final do ano passado. Padre Marcelo Rossi recomendou que ele também faça parte do Facebook. Hoje, quem não está nas redes está desconectado do mundo.

Verdade que alguns teimam em não ter celular, em não usar computador, em confessar – até com indisfarçável orgulho – “não ser escravizado pela tecnologia onipotente”. Mas a imensa maioria já se conscientizou de que sem se conectar não há salvação terrena. Hoje, quem precisa de um emprego tem de saber que o recrutamento se faz também mediante pesquisa em páginas como o Google.

É bom saber que os profissionais de RH, ao digitarem um nome no Google, não vão além da primeira página de resultados. E as ferramentas online disponíveis não eliminam as informações pouco lisonjeiras. É por isso que Universidades corretas e que se interessam pelo day after de seu egresso propiciam um programa gratuito para ajudá-lo a encontrar bom emprego. É o que acontece com a Universidade de Syracuse, por exemplo.

As redes podem ajudar a construir uma boa reputação, como podem detonar a imagem de qualquer pessoa. Lisa Severy, que é Presidente da Associação Nacional para desenvolvimento de carreiras nos Estados Unidos, reconhece a importância da boa imagem profissional na internet. Para ela, não é segredo que os estudantes estejam acostumados com uma circunstância inevitável: detalhes íntimos da vida de qualquer pessoa estão disponíveis na internet desde o dia em que ela nasceu.

Pesquisa realizada pela CareerBuilder com 2 mil gerentes de RH mostrou que mais de 40% das empresas usam redes sociais para pesquisar sobre a vida dos candidatos. 1/3 dos recrutadores disse ter feito algum tipo de anotação sobre a pesquisa nos currículos dos candidatos, como evidências de uso excessivo de bebida alcoólica ou de algum tipo de droga.

O estudante de hoje, profissional de amanhã, deve se envolver ativamente na construção de sua presença online. É o que impõe a vida contemporânea. Sem escapatória. De forma irreversível.

Turismo: Brasil & Portugal

Fevereiro 26, 2013

Imagem                      Imagem

A APAVT – Associação Portuguesa das Agencias de Viagem e Turismo em colaboração com a APRECESP‐Associação das Prefeituras das Cidades Estância do Estado de São Paulo (Turismo Paulista), vai promover uma apresentação de destinos brasileiros a todos os associados no próximo dia 26 de Fevereiro, pelas 17h00, no hotel Dom Pedro Palace, em Lisboa.

A APRECESP, que congrega 67 destinos no estado de São Paulo, entre estâncias balneárias, climáticas, hidrominerais e turísticas, pretende dar a conhecer a sua oferta aos agentes de viagens e operadores turísticos associados, de particular interesse para aqueles que integrem o Brasil no seu portfólio de programação ou venda.

A participação é gratuita e exclusiva a associados, basta enviar um email para o secretariado (apavt@apavtnet.pt) indicando o nome da empresa, nome e cargo do participante.

Fonte: http://www.apavtnet.pt/pt/articles/news/turismo-paulista-apresenta-se-a-associados-da-apavt–2

Poemas de Raquel Naveira na abertura do espetáculo “Antonio- da tua tão necessária Poesia” de Clarisse Abujamra.

Fevereiro 26, 2013

É com muita satisfação que divulgamos a participação da nossa colaboradora Raquel Naveira na peça “Antônio – da tua tão necessária Poesia” de Clarisse Abujamra. A autora lerá poemas de sua obra “Sangue Português” na abertura do espetáculo, no dia 25 de março Às 20horas na Livraria da Vila do shopping Higienópolis.

“Antônio – da tua tão necessária Poesia” teve sua primeira versão, direção e roteiro assinada por Marcia Abujamra, prima de Clarisse que hoje assume o espetáculo com textos de Arnaldo Antunes, João Cabral de Melo Neto, Fernando Pessoa e outros.

Clarisse Abjuaram tem um vinculo muito forte com o nome “Antonio”, apaixonou-se pelo bailarino Antonio Gades e depois se casou com o ator Antonio Fagundes, pai de  seu filho…. Antonio e é sobrinha do ator e diretor Antônio Abujamra. O espetáculo em tom autobiográfico mistura poemas e histórias vividas por Clarisse ao lado de seus Antônios.

A atriz é acompanhada pelo seu irmão o pianista Ivan Abujamra que da ao espetáculo um tom de recital, sem composições cênicas.

“Dizer poesia é viver mais intensamente. Não concebo a vida sem o caos, a beleza, o lirismo, a tragédia e a malícia da poesia, que é para mim o lado melhor do ser humano”.  (Clarisse Abujamra)

ANTÔNIO – DA TUA TÃO NECESSÁRIA POESIA

QUANDO: Às Segundas – dias 11, 18 e 25 março, às 20h

ONDE: Livraria da Vila (shopping Higienópolis – Av. Higienópolis, 618)

QUANTO: R$ 40

CLASSIFICAÇÃO: Livre

TÁGIDE

Fevereiro 25, 2013

Por Raquel Naveira

Sou uma tágide,
Ninfa do Tejo,
Cantada pelo Poeta,
Nereida que nada no rio,
Desci pela Espanha
Num caudal imenso
Até chegar ao mar de Portugal.

Sou uma tágide,
Ninfa do Tejo,
O meu desejo é inspirar o Poeta,
Dar-lhe som alto,
Sublimado,
Estilo solene
De quem toca com fúria
E sem pejo
Um saxofone de ouro.

(trecho do poema “tágide”, que integra o livro “sangue português”, A & C Editora, SP)

Convite – Lançamento do Livro Estudos: Direito Público

Fevereiro 25, 2013

Convite - Lançamento do Livro Estudos: Direito Público

As veredas da narração em Alexandre Brandão

Fevereiro 22, 2013

Por Nilto Maciel

O Brasil é tão grande que… Não, não iniciarei este artigo com uma queixa. Além do mais, já se tornou truísmo a frase: “Os escritores brasileiros não são conhecidos nacionalmente porque o Brasil é um continente”. Meu objetivo aqui não é tratar de assunto tão polêmico. Tenciono apenas comentar três papiros — Contos de homem (1995), Estão todos aqui (2005) e A câmera e a pena (2009) — do desconhecido Alexandre Brandão, mineiro que mora no Rio de Janeiro, escreve contos e novelas, etc.

Nos Contos de homem, a paisagem carioca aparece aqui e ali. Não como descrição, mas apenas menção a nomes de logradouros: “Andando pela Avenida Copacabana” (p. 29); “Chego à Avenida das Américas, tomo o ônibus 223, salto no quinto ponto do bairro judeu…” (p. 41); “perto da favela da Mangueira” (p. 53); “fomos morar na enseada de Botafogo” (p. 68); “Viera para o Rio tentar vestibular” (p. 69); Sálvio “busca as poucas sombras que o centro do Rio admite” (p. 95).  No mais, o leitor não distingue onde se passam as ações: “a rua é uma festa de luzes de propagandas” (p. 17), o que pode levá-lo a qualquer cidade. E isso não tem importância, é mero detalhe.

Em Estão todos aqui se dá o mesmo, como se verifica na primeira peça: “O avião aterrissou no Santos Dumont” (p. 14). Nomes de algumas vias são referidos quase sem necessidade, como se vê à p. 16: “o táxi ia pegar a Barata Ribeiro”, “na altura da Bolívar”, “no sentido de Ipanema”.

É de se notar, da mesma forma, em Contos de homem, a presença, sem rodeios, da obra de Machado de Assis, quer na vida ou na lembrança de personagens, quer na recriação de “Missa do galo”, recontada por uma jovem. Dom Casmurro aparece em “A primeira leitura”, no qual Maurício narra suas agruras de adolescente: “A leitura me faz mal, é isso. O tal Casmurro me confunde”. Menciona-se o nome de Cecília Meireles, em “Traços”.

A prosa de Alexandre se pauta pelo código do realismo urbano. Código é termo científico e, contraditoriamente, mentiroso. Porque as tendências em arte não são fruto de capricho de um ou mais gênios, de um ou mais revolucionários, de um ou mais inovadores. Pois vejamos o caso desse escritor: apesar de seus dramas serem realistas, há uma composição, “A novidade”, que parece deslizar para o fantástico.

Em A câmera e a pena, constituído de duas novelas, Alexandre Brandão divide a primeira (“Um pouco mais que um diretor”) em quatro blocos: em “Dias de filmagem” são 25 pequenos capítulos numerados (XXV), seguido de “Créditos em movimento”, “Argumento” e “Um telefonema no meio da noite”. Tudo gira nela em torno de uma filmagem.  As ações no set e fora dele são contadas pausadamente, por narrador onisciente. Desde a primeira “cena” (não a do filme, mas a da novela) percebe o leitor essa lentidão de movimentos, com regressões contínuas e até digressões. Na primeira linha: “acordou cedo, muito antes da hora”; no quarto parágrafo se dá o segundo ato do personagem: “Abriu o chuveiro” (…). Entre um e outro, o narrador se volta para o ambiente (“Lá fora, uma luz de nada forjando uma silenciosa manhã”…), faz lucubrações (“devaneios, logo transformados em planos, ou desejos: um troço muito parecido com medo”) e faz passeios pelo tempo passado (“os primeiros testes, a passagem do texto, deram a ele a convicção de ter”…). Como nos filmes de enredo obscuro ou não-linear, na novela Alexandre baralha o tempo da narração, totalmente afastado da sequência do calendário, porém sem nenhuma confusão.

A linguagem de Estão todos aqui parece menos cuidada do que a da primeira experiência. Encontram-se repetidos chavões, não apenas nas falas dos seres fictícios, mas, de modo análogo, nas narrações propriamente ditas: “diga-se de passagem” (p. 26), “com juros e correção monetária” (p. 33), “está careca de saber” (p. 87). Quase sempre os diálogos de Alexandre são curtos, isto é, de poucas falas, e estas igualmente breves, a maioria de uma linha: “— Eu. / — Você já sabe, não é? / — Sim. Sei. / — Você está no Rio? Vai vê-la? / — Que idéia! / — Vamos juntos?” (p. 15)

Aliás, Alexandre não é de se esparramar nas frases. É contido. Ou, como dizem os críticos literários e os gramáticos, cultiva a frase picotada, jornalística, fragmentada. Que tem, pelo menos, dois flancos positivos: facilita a compreensão do ledor e evita confusão (frase desconexa), ambiguidade e certos defeitos muitas vezes embutidos em frases mais longas.

Os personagens de Contos de homem são, na maioria, pessoas como as que vemos nas ruas ou com quem convivemos. Um ou outro vem do além ou vive em esfera bem distante da Terra, como em “A novidade”. O narrador assim se manifesta, já quase no final: “Vamos à sua curiosidade sobre o porquê de eu me haver matado”. Sabemos não ser nenhuma novidade esse expediente ou artifício de dar voz aos mortos. Machado de Assis e mais alguns mestres se valeram disso.

Em Estão todos aqui também se observa a presença preponderante de pessoas comuns, da gente do povo e, em consequência, o desenvolvimento de episódios do cotidiano das grandes cidades (ver “Outra fila brasileira”, muito próximo da crônica). E isto talvez explique o emprego de alguns clichês.

Por outro lado (conectores, expressões e locuções são parentes dos chavões), a busca da simplicidade (de enredo) pode levar o ficcionista à vulgaridade e à cronicidade. Às vezes, conduz à anedota e à “literatura infantil” (há alguns anos, expus reflexão a respeito disso, no artigo “Wilson Pereira: Narrativas poéticas”, inserto em Gregotins de desaprendiz, no prelo). É o que se vê em “Domingo cuidamos dos filhos”.

A maioria das composições Contos de homem foi tecida com muita exposição de acontecimentos e alguns diálogos de permeio. A narração é quase toda na voz de um personagem. Algumas vezes, na terceira pessoa. Aqui e ali o leitor fica na dúvida: há um “ser” real por trás da fala ou tudo é narrado por um “ser” onisciente e onipresente? Em Estão todos aqui se verifica preponderância de enredos em terceira pessoa, bem como de poucos figurantes na trama. Veja-se “O que vai dentro da caixa”: apenas Gabriel, Melissa (prestes a ser enterrada), Paulo e Maria. Nem poderia ser diferente, ora porque teoricamente o conto, como gênero narrativo, não comporta muitos personagens, ora porque nele o tempo da narrativa é breve (e, portanto, a quantidade de frases segue caminho semelhante).

Apesar da preocupação do autor de não criar confusão na cabeça do leitor com a exibição de muitos personagens, vê-se nele uma tendência a espichar o enredo, às vezes em diálogos dispensáveis e narrações de ações secundárias (“O dia de hoje”). Quando reduz a participação dos comparsas no conflito, consegue melhores resultados (relatos mais concisos da primeira coleção).

Muito se pode observar após leitura de um livro, mesmo simples opúsculo ou menos intricado. Entretanto, não quero me perder nestes comentários de leitor sonolento, preguiçoso e de vocabulário minguado. Só pretendo arrematar este escrito assim: Alexandre Brandão é ficcionista de fôlego, conhece as veredas da arte de narrar, sabe lidar com o vocabulário e a gramática e tem talento. E ainda isto: prefiro seus contos mais enxutos aos de menor duração e às novelas.

De honrarias e poemas suspensos

Fevereiro 21, 2013

Por Dalila Teles Veras

Pela trilha da leitura do poeta árabe Adonis, de quem falei aqui, cheguei a outros poetas árabes (pré-islâmicos, neste caso), traduzidos e reunidos por Alberto Mussa, numa encantadora antologia já a partir do próprio título,Poemas Suspensos (Record, 2006).

A poesia, como se sabe, perdeu um bocado de seu status em tempos condizentes com “produtos” mais midiáticos. Mas houve um tempo, em que poetas e poesia, mereciam honrarias como a de ter “suspensos” seus poemas. Ouçamos o que nos diz Mussa, o escritor brasileiro que foi aprender árabe só para ler e traduzir essa poesia: “Durante o mês da peregrinação dos beduínos ao santuário de Meca, onde se situava (e ainda se situa) a Caaba – grande pedra preta sobre a qual se construiu uma “casa” cúbica, acontecia a feira de Ukaz, onde havia concursos de poesia. Dez (ou sete) dentre os poemas premiados receberam uma honra especial, superior mesmo, ao serem bordados com fios de ouro sobre um manto de púrpura e exibidos sobre a Caaba.”

Puxa vida! poema bordado com fios de ouro sobre um manto de púrpura e exibido sobre uma pedra sagrada!

Uma das características dessa poesia (vejam só), escrita na língua que hoje se denomina “árabe clássico”, é a concisão. Ainda que ligada aos versos precedente ou subsequente, ensina o tradutor, cada verso deve corresponder a uma unidade sintática completa. Podemos, assim, admitir que essa turma já se enquadrava como “vanguarda” há mil e quinhentos anos..

Vejamos alguns exemplos do que escreveram alguns desses beduínos-poetas:

Ninguém dá conselho a quem o tempo é incapaz de aconselhar; inútil é quem tem a razão exausta. Faça parte do povo do lugar onde habitar e nunca diga: sou estrangeiro; pois às vezes estranhos vivem juntos; e parentes, isolados.

(Abid filho de al-Abras – Nota: “a lenda atribuiu a este poeta, o mérito de ter sido o primeiro árabe a dizer poesia”.)

Ó morada de Maia entre as alturas e as faldas da montanha, desabitada, onde o passado dura para sempre! Dentre os touros selvagens de Wajra, pernas pintadas, tripas famintas como um sabre excepcionalmente bem polido.

(Nábigha de Dhubiyan)

se conhecesse o diálogo, apelaria; se soubesse falar, eu iria ouvir.

O que tem matado a sede da minha alma e me tem curado das doenças é o brado dos cavaleiros: “Eia, Ântara, vai na frente!”

(Ântara, filho de Chaddad)

Não me importaria com a visita dos que velam os mortos, não fossem três prazeres de jovem: um trago de vinho tinto, que começa a espumar misturado com água, transbordando do cálice (isso é o que em mim mais censuram); um combate a cavalo, quando os indefesos me convocam, num garanhão de patas recurvas, como o chacal dos bosques sombrios, pronto a emboscar os que vêm beber; e um dia lânguido, quando o céu se encobre de nuvens negras – maravilhosas nuvens negras -, sob uma tenda bem fincada, com uma mulher bela e carnuda, cheia de braceletes e pulseiras, como se pendessem do tronco imaculado de uma asclépia ou de uma mamoneira.

(Tárafa, filho de Al-ABC Nota: poeta satírico, de vida desregrada, afastado do convívio tribal, Tárafa caiu em desgraça e foi condenado à morte. “Morreu da maneira que escolheu: encheram-no de vinho até a boca e o sangraram, na altura dos intestinos”).

Afinal, como se vê, nem só de glórias vivia (vive) o poeta.