Archive for the ‘História’ category

RAINHA DE SABÁ

Maio 28, 2013

Por Raquel Naveira

Como a rainha de Sabá foi até Salomão,
Assim fui até Cristo,
O coração pesado de dúvidas
Parti pelo deserto
Em camelos carregados de enigmas,
Depois de muita busca
Cheguei a um palácio,
Entre cedros e sicômoros,
Palácio de ouro,
Recendendo a sândalo,
Encontrei-O
Num trono de marfim,
Ladeado por leões,
Recebeu-me como verdadeira rainha,
Com manjares divinos,
Ao som de harpas e liras,
Atirei-me a seus pés,
Fiz perguntas
Enquanto lhe entregava
O que havia trazido:
Almas de flores
E aromas de poemas;
Ele respondeu a tudo com sabedoria,
Senti-me objeto de sua afeição
E então, como rei soberano,
Presenteou-me com ouro,
Prata,
Talento,
Com muito mais do que merecia
Ou sonhava ganhar.

As Concessões no Brasil Imperial e hoje em dia

Maio 27, 2013

Por Saulo Krichanã

Não deixa de ser curioso que boa parte das pessoas envolvidas nas discussões sobre as medidas para incrementar investimentos nos diversos setores da infraestrutura nacional, desconheça que o esforço de atrair os capitais privados para auxiliar o governo nesta urgente tarefa não começou com as Leis Federais de Concessões Plenas (a Lei 8.987 de fevereiro de 1995) ou de Concessões Administrativas e Patrocinadas (a Lei 11.079 de dezembro de 2004).

Aliás, também chama a atenção que muitas delas façam distinção entre os dois diplomas legais, como se as assim chamadas Parcerias Publico Privadas (as PPP) não fossem senão formas evoluídas do mesmo instituto da Concessão Pública.

Talvez por isso mesmo, poucos se deem conta que não há praticamente nenhum segmento do setor da infraestrutura econômica que se deseja incentivar que não tenha sido criado no país, exatamente pelo instituto das concessões públicas: só que nos primórdios da organização econômica brasileira. Ou, mais precisamente, sob o reinado de Dom Pedro II.

Com efeito, o Decreto Imperial 641 da implantação das Ferrovias de 1852 (seguido pelo Decreto Imperial 1746 que fazia como que uma segunda abertura dos Portos em 1869, só que para a exploração compartilhada como os capitais privados) são os dois grandes marcos desse processo.

Quem acompanha o presente debate sobre ambos, em pleno século XXI, mal se dá conta que algumas demandas tão caras aos legisladores, empresários, financiadores e autoridades de governo de hoje, já tenham sido alvo das mesmas preocupações para esses mesmos agentes antes mesmo do advento da Proclamação da República – o que só aconteceria em 1889, quase 40 anos depois da instituição das concessões ferroviárias.

Temas tão candentes nos dias de hoje – como a desoneração de impostos sobre os investimentos privados; a fixação das taxas de retorno ideais para incentivar a alocação de capitais privados nos projetos de interesse público; ou a mensuração dos riscos envolvidos na realização de investimentos em áreas cujo retorno econômico só se dá no longo prazo, em ambiente sempre sujeito a flutuações de conjuntura e inflação, foram igualmente enfrentados pelo Imperador e pelo legislativo da época. Que, aliás, era crescente e predominante republicano o que não aumentava o “risco político” das concessões de antanho, nem impediu que a economia da época fosse marcante e crescentemente liberal a ponto de ser o capital estrangeiro o maior financiador direto e indireto dos projetos de concessão que se multiplicaram desde então.

De forma até ousada neste contexto monárquico, aos parceiros privados que aportassem seus recursos para expandir os caminhos de ferro ou para obter uma gestão portuária menos onerosa para um país que tinha no comercio externo a sua principal fonte de geração de renda, desonerou-se a importação de trilhos e de insumos energéticos para a operação dos trens. E se criaram mecanismos cambiais lastreado em ouro (a moeda forte de então) para permitir que os investimentos não ficassem defasados pela relação dos preços internos e externos e pela sempre presente fricção interna de preços de mão de obra, insumos nacionais e o “custo país” de então.

O poder imperial até empoderava o poder privado para realizar as desapropriações de terras e de áreas que servissem tanto para a servidão das linhas férreas quanto para a movimentação de acesso e cargas nos terminais portuários.

Mais ainda: o governo imperial – (tal como hoje) após a fruição dos investimentos e a organização das sociedades empreendedoras pelos parceiros privados – remunerava àqueles que gerassem dividendos a seus empreendimentos a partir de 8% ao ano (a Taxa Interna de Retorno, ou a TIR da época), com uma contraprestação pública anual equivalente entre 5% a 7% dos que os empreendedores gastassem com a remuneração dos juros sobre os capitais próprios e de terceiros que mobilizassem para a realização de seus investimentos.

As concessões imperiais eram de até 99 anos. E o perfil dos investimentos atraiu capitais externos de todo o canto do mundo, além de atrair ganhos do setor agroexportador para as concessões realizadas no mercado interno, em busca de uma atividade menos sujeita às flutuações do mercado externo errático, comprador dos produtos primários produzidos até então.

Os investimentos eram diretos, alavancados por empréstimos financeiros (e não como nas Sociedades de Propósito Especifico, as SPE, de agora). E os investidores, que vinham para ficar por 99 anos, eram operadores de trens e de portos. E não apenas construtores de estações ou importadores de locomotivas. Ou seja, tinham DNA de operadores (opexistas) e não de assentadores de tijolos ou trilhos (capexistas).

Os empreendedores nacionais, como o Barão de Mauá, também empreendiam isoladamente ou se associavam para criar infraestrutura de energia elétrica (mudando a matriz energética de carvão e lenha), de transporte regional de cargas e de pessoas (ou a mobilidade urbana dos bondes), além de ativos nas áreas de comunicação (telefone e telegrafia), iluminação pública, e daí por diante.

Isto também porque o Imperador era visionário: hoje se fala da EXPO 2020 em São Paulo. Mas o Imperador foi à feira de Filadélfia em 1876 para ver de perto uma “engenhoca” que um (tal) senhor Graham Bell havia inventado. Pouco menos de um ano após sua volta estava falando por telefone com o seu reduzido (sic) ministério da época: e com seu gesto, incentivara o Barão de Mauá a se associar com ingleses para traze um cabo submarino para abrir as comunicações globais do país.

 As concessões se mantiveram com o advento da república: mas deixaram de assegurar preços justos (e, portanto, retorno ou TIR) o que sucateou os investimentos privados realizados (afora certa xenofobia que eclodiu nos anos 50 e levou à nacionalização de várias atividades). Aliás, tal como, ciclicamente, se repetiu após o ciclo de nacionalizações e do excesso de governo nos anos 60 a 80 com igual sucateamento de investimentos devido à defasagem tarifária (e de TIR) congênita.

Talvez por esse desconhecimento (e pela inevitável catarse que seu entendimento proporcionaria) continuamos a deixar de ter dois elementos fundamentais para que as parcerias entre o público e o privado nas concessões públicas tenha uma trajetória recorrente e não assíncrona ou divergente.

Do lado público, precisamos urgente de uma visão progressista e não autoritária (como era, aliás, a visão de Dom Pedro II): o poder concedente tem que estimular o capital privado a ganhar dinheiro pela via da eficiência (inovação) e da eficácia (aliás, seus mais decantados atributos). O Governo deveria não apenas entender, mas, mais além, exigir que as taxas de retorno (que refletem as expectativas de ganhos) fossem abertas do lado público e do lado privado. E estimular que – a partir da TIR de consenso, ou a TIRC – os ganhos de produtividade, de eficiência e de inovação gerencial e tecnológica, fossem cada vez maiores. E até para representarem contraprestações de recursos públicos cada vez menores. E até saudar ganhos extraordinários dessa TIRC que pudessem ser equipartidos com os parceiros de empreendedorismo econômico e social.

Do lado privado, o empreendedor tem que deixar claro que veio para ficar: ou seja, que irá ganhar dinheiro com a operação dos serviços de infraestrutura econômica (e social também) e não apenas com a construção de ativos e a sua manutenção. Que as concessões são um fim em si mesmo, e não apenas uma forma de sazonalizar suas carteiras de operações.

Afinal, as concessões – ao contrário das operações convencionais – significam o acesso a um mercado estável, de longo prazo, com receitas previsíveis, e ainda contando nos dias atuais, com um colateral de Fundo Garantidor (coisa que jamais alguém ousaria pedir a um Imperador…).

Aliás, tal como um sem número de empresas estrangeiras que ainda continuam no país, muitas das quais produzindo os bens e os serviços que, na época do II Império, eram demandadas pelos investimentos em concessões: até porque, as carências ainda hoje ressentidas, mostram que as necessidades de infraestrutura social e econômica ainda estão muito longe de serem integralmente atendidas em nosso país.

Fátima e a criação artística são tema de tese de doutoramento

Maio 13, 2013

“No dia de Nossa Senhora de Fátima uma entrevista com Marco Daniel Duarte, nosso colaborador e diretor do museu do Santuário de Fátima e responsável pela secção de Arte e Patrimônio.”

A 2 de janeiro de 2013, com base na investigação que intitulou “Fátima e a criação artística (1917-2007): o Santuário e a Iconografia – a arte como cenário e como protagonista de uma específica mensagem”, Marco Daniel Duarte defendeu em provas públicas a sua dissertação de doutoramento, na Universidade de Coimbra. A tese foi aprovada com distinção e louvor por unanimidade.

Através das arguições e das respostas do candidato ficou patente a qualidade da investigação, a correta metodologia utilizada e o elevado nível científico do trabalho apresentado, considerado “um marco incontornável” e “pedra fundacional” para qualquer futura investigação quer sobre Fátima quer sobre a Arte.

Marco Daniel Duarte, natural da Covilhã, é funcionário do Santuário de Fátima desde janeiro de 2008, onde é diretor do Museu do Santuário e responsável pela secção de Arte e Património. Autor de várias publicações nas áreas da História e da História da Arte, pertence à Academia Portuguesa da História, à Sociedade Científica da Universidade Católica Portuguesa e ao Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra, sendo ainda membro da Associação Portuguesa de Historiadores da Arte e do Departamento do Património Cultural da Diocese de Leiria-Fátima.

Após a defesa da sua tese, em breve entrevista, o investigador fala sobre este seu trabalho.

Porquê uma tese de doutoramento relacionada com Fátima?

Marco Daniel Duarte – Ao querer especializar-me numa das áreas que me são mais caras – a arte sacra contemporânea – encontrei no Santuário de Fátima um especial lugar artístico, não só ao nível da sua evolução física, mas também ao nível da iconografia que da Mensagem de Fátima dimana. Estes dois eixos de análise vieram, passados onze anos de investigação, a ditar a estruturação da dissertação apresentada. Pareceu-me importante perceber de que modo a arte se viu convocada a servir de cenário às práticas rituais de um dos mais importantes lugares do sagrado e percebi como, para além de cenário, a arte tomou um outro papel, o de protagonista.

O que destaca como conclusão da sua investigação?

MDD – A investigação operada leva a concluir que o santuário se mostra, ao longo de 90 anos de história, como estaleiro por onde passam vários movimentos estéticos, desde os que se fazem repercutores da arte de Oitocentos, dando início à construção de um santuário de traçado revivalista coroado por uma monumental basílica riscada por Gerardus van Krieken, até aos que já podem ser entendidos como exibidores da arte do século XX. Num primeiro capítulo desta última taxonomia, encontra-se, a partir dos anos finais da década de 40, a culta edificação de um deserto artificial que arrancava ao desconforto natural que era a Cova da Iria um espaço espiritual constituído por uma enorme e cenográfica esplanada traçada por Cottinelli Telmo, espaço posteriormente delimitado pela colunata de António Lino, solene equilíbrio de um cenário que vinha a ser criado desde 1928. Um outro grande período de construções foi depois preparado ao longo da década de 70, na qual se prepara uma nova imagem do Santuário, imagem essa que viria a concretizar-se na década seguinte, quando, em 1982, se inaugurou o primeiro ponto – e talvez o mais importante – desse plano: a reestruturação arquitetónica e urbanística da Capelinha das Aparições.

A renovação artística não ocorreu apenas ao nível da arquitetura assinada por José Carlos Loureiro. As plantas e alçados dos novos edifícios exigiam outrossim nova campanha de valorização artística, marca de um profícuo tempo que transformou o santuário num laborioso laboratório de arte protagonizado por nomes cimeiros da produção artística nacional, como se prova pelas obras de pintura, de estatuária e de vitral datadas dos anos 80 e 90.

A basílica da Santíssima Trindade, como última campanha artística, sem aniquilar – nem na implantação, nem no alçado, nem na volumetria – a tradição construtiva monumental erigida ao longo de nove décadas, veio ainda sublinhar mais essa importância artística do lugar.

Como avalia Fátima em termos de iconografia religiosa?

MDD – Fátima é um especial ‘topos’ iconográfico. A representação plástica de uma nova titulatura da Virgem Maria – aqui venerada como a Senhora do Rosário de Fátima – fez da Cova da Iria um terreno profícuo para o aparecimento de um dos mais interessantes episódios da iconografia católica.

Provam esta importância as diferentes estações que levaram à constituição de uma verdadeira “árvore imagética” que tem em Fátima as diferentes fases tipológicas, desde o arquétipo (a escultura de Nossa Senhora da Lapa que dá origem à maioria dos traços fisionómicos da imagem oficial), ao tipo (a escultura da Capelinha das Aparições, de José Ferreira Thedim) e aos subtipos (a imagem da Virgem Peregrina e a imagem do Imaculado Coração de Maria), para já não falar de outras representações ligadas ao ciclo angélico e à iconografia dos videntes.

Que aspetos considera que mais terão surpreendido a comunidade científica? 

MDD – Penso que a investigação realizada conseguiu evidenciar que o santuário foi e é um laboratório de experimentações e concretizações artísticas que o fazem ser lido como um laborioso laboratório de arte construído através de uma tensão entre a arte popular e a arte erudita, sendo esta afinal a que mais vezes ali foi experimentada, sempre com um objetivo de servir uma específica mensagem e a ritualidade a ela associada. O próprio tema da iconografia de Fátima interessou autores das mais variadas sensibilidades e cunhos estéticos, desde os mais associados a um academismo passadista aos que se muniram de estéticas mais ousadas. Nomes cimeiros do mundo artístico nacional e internacional fazem parte do inventário dos artistas que trataram o tema da Virgem de Fátima, desde António Teixeira Lopes a José de Almada Negreiros, de Leopoldo de Almeida a Salvador Barata Feyo, de Maria Amélia Carvalheira da Silva a Raul Xavier, de Canto da Maia a Álvaro de Brée, de António Duarte a Domingos Soares Branco, de Irene Vilar a Luiz Cunha, de Clara Menéres a Nuno de Siqueira, a Benedetto Pietrogrande, Salvador Dalí, se quisermos citar um ou dois nomes estrangeiros, entre tantos que poderíamos juntar ao rol.

Por que dedica o seu trabalho “aos peregrinos do Belo”?

MDD – A dedicatória assenta na consciência que me leva a ter cada vez mais claro que arte e beleza, não obstante alguns movimentos estéticos residuais, são dois binómios que se encontram umbilicalmente associados desde as primeiras manifestações artísticas da humanidade. Ao olhar para o Santuário de Fátima, lugar de peregrinação por excelência, vejo muitos peregrinos que procuram essa beleza que é visivelmente conotada com Deus e vejo também muitos outros que são atraídos pela beleza que fala de Deus, mesmo que a não entendam como a «beleza sempre antiga e sempre nova» de que falava Santo Agostinho. A todos eles dedico este labor.

Fonte: LeopolDina Simões – CCS Santuário de Fátima // http://www.leiria-fatima.pt/index.php?url=Artigo.php&recordID=6454

Brasileiro reúne obra integral de Cesário Verde

Abril 16, 2013

ImagemHá 158 anos, em Lisboa, nascia Cesário Verde, um dos maiores poetas da língua portuguesa, precursor do Modernismo e autor de uma poesia impressionista, cujos versos lapidados procuram capturar o instante e o movimento.

Em homenagem ao autor, o catedrático brasileiro Ricardo Daunt reúne, pela primeira vez, reúne a obra integral de Cesário Verde, definitivamente fixada, com a produção poética revista e ordenada, a biografia organizada e a correspondência anotada, com chancela da DinaLivro. A editora afirma que a produção de Cesário Verde (1855-1886), agora reunida na Obra Poética Integral de Cesário Verde, foi revista e ordenada, de acordo com a semelhança formal e temática dos poemas publicados em vida, a biografia organizada cronologicamente e toda a correspondência acompanhada por notas elucidativas.

Fonte: Dina Livros – http://www.facebook.com/DinalivroEdicoes

Apontamentos para berliques e berloques

Abril 1, 2013

Por Nilto Maciel

Muitos de meus contos surgem num repente, inteiros, bloco informe, pedra bruta. De posse deles, conduzo-os à oficina, lavo-os, lapido-os. Outros vêm aos pouquinhos, em gotas ou poções. Aparecem sorrateiramente, ou se anunciam de longe. Aproximam-se de mim e, quando cuido, estão instalados em meus dedos, em meus olhos, em minha cabeça. Aceito-os como filhos ou mimos (não sei quem os manda). Muitas vezes, achegam-me apenas uma ideia, um esboço, uns traços de figuras humanas, fiapos de enredo. Rumino tudo isso (se estiver prestes a dormir ou mesmo em sono profundo) e, no dia seguinte, realizo o traslado das “informações”. Assim fiz, dia desses. Acordei, vislumbrei réstias de sol pela janela encoberta por cortina, sentei-me à beira da cama e caminhei para o banheiro. Entrei em transe, vaguei, cego e desorientado, até a mesa onde vive o computador, e debuxei a mensagem, quase na íntegra: “Personagens: Artur, o marido, 33 anos, engenheiro, viajava de 15 em 15 dias para alto-mar. Falava pouco, trancado quase todo o tempo no que chamava de escritório. Tudo isso deixava Júlia muito apreensiva, nervosa até. Júlia, a mulher, 28 anos, vivia em casa (tinha sido professora na cidade), filha de pequeno comerciante, sem filhos, vaidosa, caixa de madeira cheia de berliques desde que a avó lhe dera os primeiros brincos: berloques, penduricalhos, badulaques, pingentes. Anastácia, menina de oito anos, filha adotiva do casal (deixar isso bem obscuro até o final), meio espantada, alheia, a andar pelos recantos escuros, pelos matos, a contar histórias misteriosas de caixinhas de madeira, de pássaros mudos e invisíveis, de carruagens em trânsito pela estrada. Na verdade, filha de Artur e de Sabrina (mulher do caseiro), quando Júlia teve aborto e nunca mais engravidou. Então Artur conheceu Sabrina (ainda solteira, menor de 16 anos) e lhe prometeu vida boa, se lhe desse um filho. Nasceu uma menina (imediatamente levada a Júlia) e depois se arranjou o casamento de Sabrina com Lucas. Para sacramentar a união, foi-lhes oferecida uma casa, dentro da propriedade. Geraram três seres. Casa de boa aparência, com água encanada, banheiro, três quartos. Lucas cuidava dos cavalos e vigiava a propriedade. Andava armado”.

Algumas de minhas criaturas eu as delineio desse jeito, minuciosamente. Dou-lhes substância e aspecto de protagonista. Outras rompem mais apequenadas, com cara de secundárias. Entretanto, muitas vezes, fulano desponta para o papel principal, mas termina como figurante. Ocorre até de nem ser mencionado ou não passar de um nome referido em diálogo ou monólogo. Dirigi-me à cozinha, encarei a geladeira (não sabia o que fazia), voltei à sala e registrei isto: “Outros: Dona Bárbara, mãe de Júlia, passou a viver com eles, após a morte do marido, ocorrida logo depois da interrupção da gravidez da filha. Passava os dias na sala ou no quarto, a bordar ou ler revistas, quando não fiscalizava a casa. Mostrava amor pela menina, mas a via como intrusa. Aparecia de noite pelos corredores, lanterna à mão. Vigiava a entrada de Pedro, o motorista e mecânico da família. Esse rapaz morava distante do sítio e seria amante de Júlia. Solteiro, 22 anos, namorava uma moça das redondezas. Chamava-se Vanessa, exercia o papel de cozinheira da casa. Chegava cedinho, todo dia, para trabalhar, e só ia embora à noitinha”.

Lembrei-me de tomar café, na padaria. Vesti uma camisa suja e, quando me preparava para cobrir as pernas, me vieram à lembrança mais umas observações. Deixei a calça no cabide, voltei à sala e transcrevi isto: “Todas as informações são dadas em curtos diálogos transmitidos pelo narrador onisciente. Exceto a movimentação dos personagens (na casa e na propriedade), em diversas ocasiões (takes, tomadas). Isto será contado diretamente pelo narrador ao leitor”. (Muitas vezes, escrevo como se elaborasse roteiro para filme. Ou como se estivesse em pleno processo de filmagem). Descrevi também ambientes e feições de alguns entes humanos: bigode preto e aparado do homem, vestido branco da mulher, cabelo loiro e encaracolado da menina, cara de touro do motorista moreno.                 

Destes apontamentos resultou o conto “Berliques e berloques”. Passei alguns dias envolvido com ele, a fazer assinalações, mudar isso e aquilo, cortar aqui, enxertar ali. Sonhei diversas vezes com Júlia. Sempre de mau humor, deitada no sofá ou à janela. A amaldiçoar cães e gatos, meninos e moços, sombras e claridades. Nunca consegui ver Artur. Minto: uma vez o vi, a entrar numa loja, não sei se para cães ou homens muito ocupados. Carregava um bigodinho bem aparado e cumprimentava os empregados. Vestia roupas folgadas, escuras e suficientes para esconder pistola. Voltei da porta e me perdi numa ruela escura. Isto não está no conto. Preferi me manter o mais possível longe do homem.

Tive muito receio de pintar a menina. Talvez se parecesse com uma de minhas filhas (muitos anos atrás). Ou uma de minhas netas. Ou outra garota vista na rua, em shopping, numa loja. Nunca sonhei com ela. Pintei-a desse modo: “Anastácia se aproximou, devagar, pelo canto das paredes. A mulher demonstrou ter tomado susto. Pare de se portar assim, menina. Parece visagem. Amedrontada, a miúda correu ao encontro da avó, na cozinha. Não a abraçou, como em outras ocasiões. Temia ser repelida, mais uma vez: Não me agarre assim com força. Você pode me derrubar”.

Muitas vezes, confundo meus seres fictícios com atores e atrizes de dramas nem sempre muito conhecidos. Sou doido por fitas, principalmente as mais antigas. Quase sempre perco o fio da meada. Fulano chega a uma sala, olha para os lados. Acho-o parecido com um sicrano de um de meus contos ou romances. Não exatamente dos já escritos ou publicados, porém dos relatos ainda em fase embrionária. Afasto-me de cenas de sexo e violência. Não por moralismo ou puritanismo, temor a isto ou aquilo. Não me furto a assistir a películas desse tipo, se nelas houver arte. No entanto, logo mudo de canal. Ou desligo o aparelho. Um minuto depois, volto ao filme. Se a cena não tiver passado (se demorar mais de um minuto), é sinal de que a história não presta. Adoto, para a literatura, esse mesmo modo de analisar narração cinematográfica. Sou leitor e admirador de Dalton Trevisan e Rubem Fonseca. Não me importa serem os representantes máximos no Brasil, na segunda metade do século XX, de uma literatura de narração de exercícios sexuais e de cenas de violência, respectivamente. Entretanto, sou mais afeito a ler, com calma, circunvoluções do pensamento das pessoas (não do narrador), como em Machado de Assis, Lúcio Cardoso, Clarice Lispector, Moreira Campos, O. G. Rego de Carvalho, Raduan Nassar. O simples relato de fatos é mais condizente com a velha narrativa linear, tão cara ao romantismo, a aventura, o pitoresco (a engenharia novelesca). Sou mais seduzido pelo enredo velado, escondido atrás de véus, pelo oculto nas entrelinhas. Não pelo grito, mas pelo sussurro. O enigma. Ah, como adoro o enigma Capitu! Recriado por Trevisan, com muita pimenta.

Se eu vivesse na corte de Dom Pedro II

Fevereiro 1, 2013

Por Raquel Naveira

Seria monarquista,
Teria um retrato enorme dele na sala de jantar:
A farda azul-marinho,
As barbas brancas,
Os olhos observando os gestos,
Um retrato tão vivo e autoritário
Que não poderia encará-lo à noite,
À luz da lamparina.

Se eu vivesse na corte de dom Pedro II,
Acreditaria em fatalismos,
Em poderes divinos
Que marcam reis e escravos;
Teria seios volumosos,
Vestidos de renda,
Seria uma dama requintada
Que guardaria para si
O orgulho e a solidão
De uma vasta cultura cristã
E mais nada.

Se eu vivesse na corte de d. Pedro III
Seria como ele
Fascinada pelo Egito antigo,
Desvendaria hieróglifos nas pedras à beira-mar,
Andaria numa liteira de cetim
E só diria “obrigada” em francês.

Se eu vivesse na corte de D. Pedro II,
Teria chorado ao vê-lo partir
Com seu travesseiro de terra brasileira
E seria capaz de me atirar nas águas
Como aquela índia
Em busca do navegante português,
Seu ingrato amor.

Se eu vivesse na corte de D. Pedro II
Seria súdita leal,
Meio estranha,
Meio louca,
Como uma noiva
Deixada no altar
Ou trancafiada num convento.

Conferência: “O Desígnio da Lusofonia: nos 100 anos da Renascença Portuguesa”

Novembro 12, 2012

Será apresentada a revista NOVA ÁGUIA 10 Por Renato Epifânio

Biblioteca-Museu República e Resistência/Espaço Grandella

Estrada de Benfica, 419 – Lisboa

Memorial da Casa da Torre

Novembro 1, 2012

Por Cyro de Mattos

Autora muito premiada, com destaque para nove láureas concedidas pela Academia Brasileira de Letras, Stella Leonardos publicou mais de uma centena de livros, entre volumes de romances, poemas, literatura infantil e dramaturgia. Formada em Letras Neolatinas, tradutora do inglês, francês, italiano, espanhol, catalão e provençal, sua estréia aconteceu com Passos na areia , em 1941. Os críticos costumam situar a vasta obra poética de Stella Leonardos na terceira geração do Modernismo, relacionando nessa condição os livros Geolírica (1966), Cantabile (1967), Amanhecência (1974) e Romanceiro da Abolição (1986).

Nome dos mais festejados pela crítica, Stella Leonardos vem entregando há muito tempo  sua vocação poética ao projeto de recriação  de um Brasil bem brasileiro. Da sua alma cancioneira e romanceira salta um Brasil de sentimentos românticos, epicidades,  ideais, relatos e saberes populares. Brasil iluminado de estados líricos, formado por elementos míticos, que irrompe do lugar  onde nasce a história feita de passagens marcantes, ações, tantas razões e casos.

O épico apresenta, o lírico lembra, o dramático articula mundos interiores no eixo do ser-estar, movido pelos instantes dos seres humanos e  criação da vida. No palco da duração crítica e contínua dos acontecimentos expande-se  a poesia de Stella Leonardos. Conota essa maneira íntima do lírico, calcada em permanente mergulho na memória, feita de emotividade, cena histórica e pesquisa. Gentis seus versos, em Memorial da Casa da Torre recordam vivências nas arcadas, aludem a finíssimos lavores nos salões e aposentos. Abrem-se  nos portões  com senhores de terras na conquista. Tocam no berço territorial de nossa Pátria, no músculo dos negros, no fôlego dos índios. Restauram o homem através de intenções, ímpetos, sonhos e idealismo. Passado, nessa poesia reveladora de um racontar acurado, é escutado  no desassombro  de nossas gentes, vencedoras de sertões na música rústica das boiadas.

Poesia é emoção condensada em linguagem,  rica,  tensa e ambígua. Reflexão  em suas formas geométricas calcadas na imagem, sob o pretexto da escrita  para revelar uma idéia. Em Stella Leonardos mostra um discurso significante  pontuado pelo som, no ritmo que ela imprime em sua maneira particular de sustentar a ideologia. Sua palavra cantante escorre musicalmente com interferência de vozes, tornadas dinâmicas, apropriadas, nas  lembranças  e cenas descritas.

O registro que é feito do fato bom ou triste é mais endereçado aos ouvidos  do que aos olhos. Sua dicção musical enceta versos que dialogam com a história, ecoam no que repercutiu procedente de alguém que permaneceu no tempo.  Em seus cancioneiros e romanceiros tão brasileiros, Stella Leonardos canta e conta. Revive o Brasil com maestria de poeta que  encanta, consciente de que no rememorar  tudo é ilusão, sonhar é  sabê-lo, como falou Fernando Pessoa..

Assinalada a terra por armas e brasões de uma gente remota, que aqui chegou por mares nunca dantes navegados, o governo português teve que enfrentar situações desfavoráveis  para fazer a colonização. Um desses obstáculos consistia na imensidão da terra descoberta, com a sua mata de sono milenar, jamais incomodada. Foi necessário dividir a terra rica em capitanias, glebas de muitas léguas, e doá-las àqueles que tivessem condições de fixar o homem no solo.

Por quase três séculos, a Casa da Torre distendeu suas cordas e acordes de inúmeros serviços prestados ao Brasil, começando pelas guerras aos piratas, aos holandeses e da Independência. Dali partiram os primeiros  desbravadores do Norte brasiliense, as intrépidas bandeiras, as principais entradas dos sertanistas do Nordeste.

Em Memorial da Casa da Torre, um dos episódios mais significativos da história do Brasil Colônia, oriundo da influência da prole mameluca de Garcia D’Ávila, que levou domínio e ambição às regiões desconhecidas, Stella Leonardos, hoje com idade avançada, demonstra que ainda domina bem o verso e faz uma poesia cativante,  bebendo  na tradição da poesia de todos os tempos. Usa o arcaísmo e o neologismo para narrar os acontecimentos da Pátria nascendo a passo de marcha. Na decorrência de versos que se alteiam com vozes em coro, de viva gesta, acende sinais luminosos da  labareda que haveria de contribuir como ideal de heroísmo, cultura e civilização.

É da tradição da poesia ibérica vazar o amor e a saudade como figurantes que convergem para o lirismo e o épico. O registro de vultos e fatos heróicos são recorrências manejadas por rapsodos com  inspiração no populário e saberes anônimos. No caso de Stella Leonardos, o relato  poético se municia de pesquisa e de saberes locais do  populário. Atenta, a poeta não se descuida de rimar memória e fatos  que melhor repercutam ao fazer modelar do nosso  cancioneiro e romanceiro.   Seus livros aí estão espalhados para que sejam lidos como resultado da aproximação mágica de uma alma sensitiva à nossa memória, arrebatada de sentimentos românticos,  valendo-se do  histórico por quem ama a beleza e o valor exercido pela estima da Pátria.

No poema “ In Memoriam”, introdutório ao assunto deste  Memorial da Casa da Torre, Stella Leonardos abre seu verso terno para o que vai contar e cantar, com leveza deixa ser conduzida  pela  inspiração que lhe é particular:

No barro desses tijolos

Por mãos índias acalcado

Quanta voz índia não dorme?

Na alvenaria da pedra

Por mãos afras carregada

Quanta voz negra não pesa?

Na torre desse Castelo

Por brancos rostos vigiada

Quanta saudade não se ergue?

 A autora desses versos torna suficiente a imagem que interpela e, ao mesmo tempo, contempla a passagem do tempo guardada na  memória. Apoiada na sensação do que se refaz triste,  sob um ritmo que  atrai,  nos embala e envolve até o final da cantiga. Como estratégia usual de seus cancioneiros e romances, ela sabe tirar efeito na linguagem quando emprega o neologismo através dos vocábulos que inventa: saudadeado, largoandante, longivozes, multivária, plurilínguas, existenciar, surpresada, passilargo, fugileve, impulsada, noviterra, ensonho, sonoite, novihorizontes, azulando.

A Casa da Torre é a primeira grande fortificação portuguesa do Brasil. As pegadas dos valentes que a povoaram com desassombro inigualável dos tempos de Garcia Dávila renascem neste  memorial poético de Stella Leonardos. Da cidadela em ruína,  muralhas cobertas de musgo, gestos que resvalam por entre sombras, das fendas e  rastros do poder extinto, reencontramo-nos na poesia de versos generosos. Das  paisagens com passagens cheias de histórias marchamos, somos levados com o mesmo brilho das gerações que fundaram nossa nacionalidade

 Referência Bibliográfica:

LEONARDOS, Stella. Memorial da Casa da Torre, Gráfica Santa Marta, João Pessoa, Paraíba, 2010.

           

O “Empresário” da Íbis Pessoa republicano, “criador de anarquias” e “civilizações”

Abril 29, 2012

Por Teresa Rita Lopes

Uma pequena descoberta como a que a Empresa Íbis (que todos acreditávamos não ter chegado a funcionar) imprimiu durante três meses um semanário algarvio, O Povo Algarvio, “republicano e anticlerical”, como se subintitulou, é rica de implicações. Pode levar-nos longe: a perceber melhor a importância na sua vida – que há muito venho a sublinhar – da família de Tavira, judeus e maçons de ascendência fidalga. Numa nota autobiográfica, Pessoa disse-se descendente “de fidalgos e judeus”. Eram esses. A “cruzada” de toda a sua vida contra o que chamava “a Igreja de Roma” – ele que sempre foi e se assumiu como “um espírito religioso” – é esclarecida por esse período de iniciação na vida adulta. Herdeiro de um cabedal importante por morte da avó paterna, o jovem Pessoa, ao dobrar o cabo da maioridade de então (21 anos), decide montar urna empresa que batizou Íbis e que visava muito mais do que ser um negócio: “o criador de anarquias” que, mais tarde, disse ter que ser todo o intelectual digno desse nome, pretendia simultaneamente ser um “criador de civilização” – como o atestam escritos vários desses primeiros tempos, depois do regresso a Portugal e à língua portuguesa.

A sua boa maneira, o jovem Pessoa aplicou-se simultaneamente a confecionar muitas e longas listas de projetos literários a realizar pela tal “Empresa Íbis”, com esse alcance de arrancar à sua incultura o povo português, e a redigir, à mão, um jornal que primeiro se chamou Fósforo e depois Iconoclasta, para atear fogo à monarquia agonizante. Quem ignore este furor iconoclasta de Pessoa, torcerá o nariz a textos desta fase, escritos assumidamente como um “insulto que fere e escalda” — contra “padres e reis”.

Muitos continuam a incorrer no erro dos seus primeiros biógrafos que o disseram monárquico – e até entenderam ao contrário a sua afirmação, nuns apontamentos autobiográficos que confiou ao amigo Armando Côrtes-Rodrigues, segundo os quais a ditadura de João Franco teria desencadeado nele o desejo intenso de escreverem português. Atéaí o jovem “português à inglesa”, como se disse num poema, dedicara-se sobretudo a exprimir em inglês as suas profundas cogitações e os seus poemas. Mas para escrever os tais textos para os referidos jornais projetados, de forma a incendiarem a monarquia decrépita e o clero devasso e tirano, teria que usar o português. Quem ignore tais propósitos ficará chocado com a linguagem ostensivamente grosseira de poemas nessa altura atribuídos a um tal Joaquim Moura Costa, que pôs a vociferar impropérios e palavrões que Pessoa, na sua própria pessoa, jamais pronunciou. As caricaturas que então fez, só com versos, de “padres e reis”, ganharão, em grosseria, às de Bordalo Pinheiro e seus seguidores, denunciando os mesmos podres.

A Empresa Íbis surgiu-lhe como o instrumento ao dispor para editar não só os seus escritos de combate republicano como de edificação cultural desse povo português que descobriu amar com todas as veras do seu coração (di-lo num texto que publiquei em Pessoa por Conhecer, que mais parece uma declaração de amor adolescente). Também confessa, num escrito desses primeiros tempos, que tem o projeto de “desencadear uma revolução aqui”… Por isso, os seus panfletos. À margem de um poema épico, em português, que então compunha, significativamente intitulado Portugal, escreveu, em outubro de 1910, dias depois da implantação da República: “Recentes e gloriosas dias tornaram felizmente visionária esta poesia prefacial”.

Da Empresa Íbis (cujo propósito cultural foi retomado, mais tarde, por uma longamente projetada Cosmopólis – mas só isso, só sonhada – e pela Olisipo, essa realizada mas de pouca dura) eu conhecia o papel timbrado, os envelopes e os numerosos planos. Todos os estudiosos de Pessoa têm dito (e eu também) que nunca funcionou. Saber que sim, foi uma surpresa que me fez Rui Sena, que me visitou no Algarve, na minha casa de Cacela, para me entrevistar sobre um poeta algarvio que eu conheci pessoalmente, Cândido Guerreiro, sobre o qual fez um documentário. Disse-me ele que, ao consultar vários jornais algarvios para o efeito, descobrira um, de Loujê, O Povo Algarvio, composto e impresso, durante três meses, “na tipografia da Empresa Íbis” (assim figura no cabeçalho do jornal). Preparava-se ele para me fornecer generosa mente essa descoberta, dizendo, com a modéstia que o carateriza que “tinha sido por acaso’.

É claro que fiz questão use fosse ele a assumi-la e no primeiro Encontro que fizemos (o Instituto de Estudos sobre Modernismo, de que sou timoneira) em Tavira, em 15 de Outubro de 2010, pedi-lhe que comunicasse aos presentes o que descobrira. A seguir, pedi que registrasse por escrito, um texto para nossa revista on-line, Modernista 1, tudo o que nos tinha dito. Lá está (http://www.iemodernismo.org/Revista.html). Em Junho de 20011 fiz, nas Jornadas Modernistas que o meu Instituto levou a cabo na mi ha Faculdade (de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa) uma comunicação em que expus o que digo neste artigo, prometido ao JL desde então. Foi portanto o Rui Sena que me revelou que, entre 12 de Março e 12 de Junho de 1910, o jornal de Loulé O Povo Algarvio tinha sido composto e editado pela tipografia da Empresa Íbis. Também aprendi com ele que esse semanário, que se subintitulava “semanário republicano independente”, fora fundado em 20-5-1909, e que nesse primeiro número o seu diretor e proprietário se regozijava com a conquista da Câmara de Lisboa pelos republicanos e denunciava indignadamente a proibição, às crianças das escolas, de aí cantarem o hino maçônico! Escreve Rui Sena no seu artigo que, nesse primeiro número, o seu diretor revelava o objetivo do jornal: “Propugnar a verdade das doutrinas democráticas que anunciam a redenção da espécie pela Escola, pela Liberdade e Fraternidade humanas, sem deuses, sem reis e sem padres”.

Num poema desse tal Joaquim Moura Costa, Pessoa escreve, no mesmo sentido: é a espada, vejam bem, Que ao mal e ao crime conduz: A Espada tem uma coroa E a coroa tem uma cruz.

Soube também, por este artigo de Rui Sena, que Paulo Madeira, nascido em Alte, em 1875, já publicava artigos revolucionários aos 15 anos, no jornal diário anarquista Batalha, de Feio Terenas, e que, mais tarde, em precária situação económica (sacrificara todos os seus rendimentos no comércio de cereais, em Loulé, à causa republicana) teve que emigrar para a Argentina, em 1912, donde nunca mais regressou. Pela mão amiga do nosso parceiro, em Tavira, de aventuras pessoanas, dr. Carlos Lopes, que me convidou para amadrinhar a Casa Álvaro de Campos que aí criou, comuniquei comum sobrinho-neto de Paulo Madeira, dr. Luís Filipe Madeira, advogado em Loulé (em tempos secretário de Estado e deputado peio Partido Socialista) que me escreveu que esse tio-avô, irmão do avô paterno, filho mais velho de seis irmãos, tinha finalmente sido obrigado a emigrar, vítima do seu “romantismo republicano”.

Rui Sena forneceu-me mais faclos que a leitura de alguns números do Povo Algarvio (que ele pediu ao eng Luís Guerreiro me fizesse chegar) veio enriquecer.

A mudança do subtítulo do Povo Algarvio para “seminário republicano anticlerical”, quando estava a ser produzido pela Íbis (conforme imagem) deve ter feito exultar Pessoa – se é que não foi ele a sugeri-lo, o que é bem provável. No último número publicado pela Íbis em 12 de Junho de 1910, ficamos a saber da venda da empresa. O jornal mudou então de tipografia, para outra de Lisboa, provavelmente arranja da por Pessoa, que a isso se prontificara.

Numa fotografia podemos ver, ao centro, o dr Alexandre Braga (filho) acompanhado, à sua direita, por Paulo Madeira, no dia em que deslocou ao Algarve (Junho de 1910) para o defender, como seu advogado, no tribunal de Loulé, num processo que lhe fora movido pelo padre Basílio, Manuel Basílio Correia, pároco de Loulé (S.Sebastião), diretor, com outro padre, Luís Vieira, do jornal rival, Noticias de Loulé, por tentativa de homicídio (acusara-o, no jornal, de ser pedófilo e, frente-a-frente, ameaçara-o com uma pistola). Paulo Madeira conseguiu sair do julgamento apenas condenado por não ter licença de porte de armas… (Tudo isto são informações que Rui Sena generosamente me tem dado). Houve outros padres acusados no Povo Algarvio de pedofilia – o articulista chamava – lhes “dicículos do bispo Beja”, que Pessoa também nessa altura, denunciava. (Veja-se a caricatura publicada num jornal de Lisboa).

Nessa fotografia podemos ver outros correligionários de Paulo Madeira e Alexandre Braga, entre eles João Rosa Beatriz, membro da Carbonária, extremamente influente na altura (o que leva a crer, por irem junto a Lisboa tratar de assuntos políticos, como o jornal noticiou, que Paulo Madeira também pertencia a essa instituição). Foram também colaboradores do Povo Algarvio – com grande repercussão dentro e fora do país – Brito Camacho, Câmara Reis, Comes Leal, Raul Brandão, além de João Rosa Beatriz e Machado dos Santos, ambos combatentes da Rotunda.

A descoberta do funcionamento da Íbis seria de somenos importância se não ajudasse a fazer luz sobre uma fase da vida Pessoa pouco conhecida e sobre a sua sempre presente militância contra a Igreja de Roma. Nos poemas dessa época pré República, vemos o jovem Pessoa defendendo o Regicídio sobre o qual pôs o seu “outro”, Alexander Search, a escrever, em inglês.

Num texto dos primeiros tempos, afirmou que “estamos todos divididos entre o deus do pai e o da Mãe”. Até aos 13 anos jovem Pessoa foi católico, como a família materna, oriunda dos Açores. Fez em Durban a Primeira Comunhão, frequentando um colégio de freiras irlandesas, precisamente para ter uma educação católica. Campos evoca, num dos seus poemas, “a minha infância que rezava”. Já anteriormente afirmei que o relacionamento com a família paterna, em Tavira, de judeus e maçons, quando passou em Portugal um ano, em 1901-1902, terá sido decisivo para que a balança pendesse decisivamente para o lado do pai.

As suas incessantes leituras, procuradas já para entender essa identidade que se descobrira, ajudaram muito, claro: na sua biblioteca há para cima de 20 livros de J.M.Robertson (1856—1933), do movimento racionalista e secularista britânico, que colaborou com Annie Besant, a teósofa traduzida por Pessoa. Por esta altura leu Junqueiro e Nietzsche (também se pôs a proclamar, em verso, a morte de Deus e da Igreja Católica, contra a qual escreveu, em verso, violentos e mesmo grosseiros vitupérios – que Joaquim Moura Costa terá assumido… Identificou-se então com o contestatário dessa Igreja: Em mim o espírito de Lutero’, e adotou a sua expressão Igreja de Roma e sua denúncia do Papa e dos padres, ignorando a sua senha contra os judeus…).

Convém, contudo, ter presente, que a verrina contra a Igreja de Roma não era superficial aversão mas porfiada “militância” de toda a vida contra essa instituição que criara a Inquisição às mãos de quem morrera o Grão Mestre desses Templários a cuja Ordem, em dormência, no fim da vida declarou pertencer (de cabeça, portanto, como fez quase tudo).

Também o seu tetravô Sancho Pessoa foi condenado a confisco de bens por essa abominada Inquisição. E a “religião individual”, “metafísica recreativa”, que foi o Neopaganismo, com a paródia de Cristo que Caeiro representa, é a forma literária – mente mais acabada dessa recusa da religião – que representava, como disse, “o adoecimento” da civilização: chamou-lhe mesmo “morbo cristista”.

Quando, em 1901-1902, de visita a Portugal (vivia então em Durban) frequentou a família de Tavira – com quem manteve sempre relação – o jovem Pessoa deve ter ficado impressionado com o que soube do avô e tio-avô combatentes das lutas liberais perseguidos e presos por esse ideal. Na campa de último, no cemitério de Tavira (conforme Imagem), pode ainda hoje ler-se em letra grande a “AQUI JAZ O LIVRE PENSADOR JACQUES CESARIO PESSOA”, seguramente maçou. O Jacques Pessoa da rua de Tavira é filho deste, pai do engº Jacques Pessoa Rolão, recentemente falecido, com quem contatei e me informou que os Pessoas eram maçons e não batizados. Publiquei (no mencionado PPC) uma carta começada a escrever por Pessoa em 1906, segundo nota diarística, em que pede contas ao prior dos Mártires, que o batizara, por esse ato abusivo de integrar numa religião um ente ainda irracional.

Segundo me informou o nosso parceiro e amigo Carlos Lopes (que me forneceu esta foto), este Jacques Pessoa (filho do “Livre Pensador”) teria um irmão, primo do pai de Pessoa, também proprietário de uma Tipografia Burocrática, que publicou, em Tavira, um jornal de Anúncios, assim chamado, fundado em 1885. Os Pessoas de Tavira eram, portanto, não só judeus e maçons mas também dados a estas atividades editoriais…

Parece-me evidente que foram eles quem arranjou ao jovem Pessoa esse seu primeiro emprego de editor do Povo Algarvio, de cuja existência, na então longínqua vila de Loulé, Pessoa não teria tido conhecimento, sem a sua mediação. Imagino que Pessoa terá ido ao funeral de Jacques Pessoa, falecido em 1909, em que terão comparecido outros correligionários maçons e republicanos, e que a família, a que era muito ligado, terá estabelecido os contactos. Isso explica que o proprietário do Povo Algariío tenha escolhido essa desconhecida tipografia por estrear, tendo outras, no Algarve e Alentejo, mais à mão – de que, noutras alturas, se serviu.

Pessoa deve ter vibrado com as atitudes de Paulo Madeira (incito os meus amigos informadores a apurar se era também judeu – sei de Madeiras dessa zona que o eram – e a escreverem uma biografia desse algarvio destemido). Não querendo abusar do espaço que aqui me é concedido, deixo para a próxima a continuação desta (palpitante) estória…

Nota: Não quis sobrecarregar o artigo com citações e notas, que, aliás, fiz de cor. Encontrarão (quase) tuda no meu Pessoa par Conhecer, no volume coletiva Pessoa Inédito e onde eu fui dizendo (quando disse).

PORTUGUÊS, PALAVRA DE PAZ

Novembro 15, 2011

 Por Henrique Salles da Fonseca

ENQUADRAMENTO HISTÓRICO 

Na sequência do pedido de D. João III ao fundador da Companhia de Jesus para que trouxesse a sua Ordem para Portugal, no século XVII a Província do Oriente da Companhia tinha sede em Goa e jurisdição que se estendia do Cabo da Boa Esperança ao Japão. 

Pese embora não ser totalmente seu, este é seguramente um dos expoentes mais sublimes da História de Portugal.

A língua portuguesa era então franca desde os sertões brasileiros até aos confins do oriente e esta, sim, foi obra que totalmente se deveu ao engenho português.

E se dentre os europeus, nós fomos os primeiros a demandar o ultramar e os últimos a regressar, certo é que actualmente, limitados ao escasso território permitido, nos encontramos numa situação equiparável à que em 1415 justificou a conquista de Ceuta. Hoje, como então, urge ganhar dimensão «lá fora» como solução única contra o esmagamento europeu da nossa soberania.

Independentemente da capacidade que Portugal hoje tivesse para seguir a via dos esmagamentos militares, das conquistas territoriais ou da humilhação de outras civilizações, esse seria – neste início do século XXI – procedimento criticável e vocacionado ao fracasso. O humanismo cristão que hoje nos rege não o permitiria, o cenário internacional desmoronar-se-ia sobre nós, a restante tenacidade nacional seria incapaz de tal senda até porque vem sendo moldada com vista a mais brandos desígnios.

Tendo numa escassa quarentena passado de cabeça de Império a membro menor duma união de Estados cada vez menos soberanos e onde a solidariedade corresponde tão-somente a chavão discursivo, cumpre-nos agora reformular o modelo de desenvolvimento que já revelou plena caducidade para, tão rapidamente quanto possível, pagarmos as dívidas que a desgovernança deixou acumular.

E se esta missão é inultrapassável, ela não obsta, contudo, a que procuremos ganhar no exterior a dimensão que nos falta «cá dentro». Em paralelo e com igual urgência.

Imunes à amoralidade resultante do pós-modernismo instalado na vida pública nacional e ao resultante derrotismo da maioria da sociedade portuguesa, há por esse mundo além inúmeras comunidades que se sentem e intitulam lusíadas, que nutrem por Portugal sentimentos de grande afeição e de longínqua nostalgia, que ambicionam pela retoma de laços de que nalguns casos se viram privadas durante séculos.

Quando as novas tecnologias da comunicação nos permitem estabelecer esses contactos, sem sequer nos sujeitarmos às intempéries, não haveria desculpas para que o não fizéssemos. E se o fazemos numa perspectiva de remissão de erros cometidos ao longo da História, confessamos a ideia que nos move de contribuirmos para a criação de um novo mundo lusíada baseado nos princípios do humanismo cristão de inspiração lusíada, numa base de equidade, mesmo naqueles casos em que os povos não tenham podido passar por qualquer processo de autodeterminação.

E se não temos a pretensão de reescrever a História, deixem-nos pelo menos sonhar com a ideia de que a língua portuguesa se possa afirmar como um verdadeiro instrumento da paz ao longo deste potencialmente desvairado século XXI.

ÍNDIA

No processo de retoma de contactos com os «portugueses abandonados», saltou a Índia para o primeiro lugar das nossas preocupações e é com grande satisfação que colaboramos em tudo que nos pedem os lusófonos de Goa que, reunidos na Sociedade de Amizade Indo-Portuguesa e com o apoio da Fundação Cidade de Lisboa, já organizaram 14 cursos de português para adultos com uma frequência média de 96 alunos por curso. Distribuídos por três níveis e por duas cidades (Pangim e Margão), a aprendizagem formal conclui-se com um curso de conversação trimestral. Aqui, sim, temos colaborado entusiasticamente na procura em Portugal de professores interessados no desempenho desta função. Também este complemento suplantou as melhores expectativas pois que logo na primeira edição em vez de uma turma de 15 alunos, o professor teve que se desdobrar de modo a ensinar uma turma em Pangim e outra em Margão. O quarto curso teve 4 turmas de 15 alunos e para o que se iniciará em Janeiro de 2012, o quinto, admite-se a necessidade de deslocar mais professores de Portugal. 

É comovente entrar na sede da Sociedade de Amizade Indo-Portuguesa em Pangim e ouvir falar português como se estivéssemos em Lisboa.

O ensino de português às crianças goesas está a ser feito por professores goeses que completaram o curso ministrado localmente pelo Instituto Camões e que vêm sendo colocados pelo Governo goês na rede de escolas públicas do Estado.

A percentagem de lusófonos em Damão, Dadrá e Nagar-Aveli estima-se que ainda hoje ronde os 30% da população apesar da longa solução de continuidade que houve no ensino da nossa língua e apesar de a Igreja ter passado há uma dezena de anos a utilizar o inglês em todos os actos litúrgicos.

Sempre pela Internet, foi relativamente fácil identificar um damanense interessado em restabelecer laços culturais com Portugal e encontrar uma professora habilitada com o curso da Delegação do Instituto Camões em Macau. Tal a apetência, foi num ápice que um grupo de crianças residentes em Damão Grande passou a frequentar as aulas. O segundo curso iniciar-se-á em Outubro de 2011, passada a monção. Falta agora relançar o ensino do português no Instituto Nossa Senhora de Fátima, o que ainda não foi possível.

Mas também ainda não conseguimos tantas outras coisas…

Os católicos de Baçaim – a antiga Corte do Norte do Estado Português da Índia e hoje arredor de Mumbai (Bombaim) – terão ouvido falar da nossa acção e contactaram-nos pela Internet a fim de trocarmos impressões sobre a história do forte português daquela cidade. A propósito da interpretação das inscrições nas muitas campas existentes na igreja local, foi com a maior naturalidade que surgiu a ideia de lançar o ensino do português. Um dos objectivos entretanto definidos pelos elementos do grupo entretanto constituído no Facebook, consiste em futuramente a Missa passar a ser celebrada em português até porque pretendem que todo o processo de relançamento da Cultura Indo-Portuguesa em Baçaim se desenvolva em estreita colaboração com a respectiva Diocese.

Inesperadamente e com a maior surpresa dos locais, localizámos uma portuguesa residente naquela cidade com a formação necessária ao ensino do português. As aulas começarão brevemente, logo que a Diocese disponibilize uma sala para as aulas e logo que a monção deixe de convidar as pessoas a manterem-se em casa.

Está em constituição um núcleo de goeses residentes em Bombaim que pretende integrar este movimento de retoma da Cultura Indo-Portuguesa. Aínda estamos nos contactos preliminares com vista à confirmação da liderança local bem como à definição dos objectivos que o grupo possa vir a definir.

Inesperadamente, fomos contactados por um católico de Cochim que, no âmbito duma Associação local ligada à Igreja, mostra muito interesse pela culinária indo-portuguesa. Não sendo tema que dominemos de modo diverso do de consumidores, nada obstará a que lhe dediquemos o tempo necessário ao desenvolvimento de relações à distância que permitam retomar a tradição e confirmar que a língua portuguesa ali possa ser um instrumento da erudição e do bom entendimento entre duas Culturas que pretendem voltar a conviver em paz e a comer (comungar) com gosto à portuguesa.

Em Chaul-Korlai o processo está mais atrasado pois dizem-nos que morreu o último falante de português e o crioulo local de origem portuguesa está em vias de extinção por pressão das línguas vernáculas do Estado de Maharastra. Resta agora saber se os luso-descendentes daquelas localidades pretendem recuperar o seu crioulo ou se pretendem aprender o português moderno. Na primeira hipótese, terão que contar consigo próprios; quanto à segunda, poderemos procurar uma solução.

De qualquer modo, ao tempo em que escrevemos estas linhas, o processo ainda não foi interiorizado naquela população e os contactos que vimos recebendo têm origem noutros grupos católicos indianos.

MAIS QUÊ?

A Internet é uma verdadeira caixa de Pandora pelo que a qualquer momento nos podem surgir novas solicitações de comunidades nossas desconhecidas. Ou seja, a qualquer momento poderemos ser induzidos a mudar as prioridades que vimos estabelecendo.

Mas há uma linha de rumo que consideramos perene: com o tanto que está por fazer, não avançaremos para locais onde já esteja alguém a fazer o mesmo que nós nos propomos desenvolver.

É o caso dos «portugueses abandonados» de Malaca onde se encontra a Associação Coração em Malaca e em Batticaloa (Sri Lanka) para onde a AMI – Assistência Médica Internacional terá enviado um professor há relativamente pouco tempo.

É também o caso de todas aquelas comunidades de emigrantes portugueses na Europa e na América do norte onde o ensino da nossa língua está assegurado por Associações locais.

As nossas prioridades continuam a definir-se pelo grau de abandono em que encontramos quem se diz luso-descendente e quer retomar os laços culturais com Portugal ou, no desconhecimento da sua própria História, se sente cultural ou religiosamente diferente de quem os rodeia sentindo necessidade de algo para que consiga preservar os padrões que herdou e quer legar aos seus próprios descendentes.

Estão neste caso os católicos dos arquipélagos das Celebes e das Molucas (Indonésia) e os Melungos dos Apalaches (costa leste da América do norte).

A todos tentaremos chegar com uma palavra de amizade e de paz, por vezes com uma visita para nosso conhecimento da realidade local, concretização da missão que esperamos das pessoas envolvidas e estreitamento dos laços de fraternidade que no nosso entendimento privado deverão definir o futuro de Portugal.

Um motivo a mais: a apetência social e cultural do espaço Schengen…

Mas fora destes padrões ficam outros a que alguém há-de um dia «deitar a mão». Referimo-nos aos descendentes de Pêro da Covilhã e dos outros 400 portugueses que há séculos perambularam por terras do Preste João. A Igreja oficial etíope poderá hoje continuar monofisista mas não terá certamente sido em vão que por lá passou a Companhia de Jesus. Lá iremos…

Fica na horizonte o tanto que sonhamos mas nem sequer imaginamos.