Archive for the ‘Literatura’ category

ANTÓNIO FERRO – OS PRIMEIROS ANOS: 1895 / 1916

Janeiro 28, 2015

por Mafalda Ferro

António Ferro, 1896

António Ferro, 1896

Filho de António Joaquim Ferro, natural do concelho de Beja, freguesia de Baleizão e de Maria Helena Tavares Afonso Ferro, natural de Tavira, António Ferro nasce no dia 17 de Agosto de 1895, em Lisboa, o terceiro filho da família.

Criança calma e reservada, bem integrada e sem problemas escolares, António Ferro começa desde pequeno a acompanhar o pai a comícios republicanos. Será talvez desde então que começa a interessar-se pelo percurso de personalidades que ocupam cargos políticos e de poder e, também, a consciencializar-se da força da Palavra.

António Ferro, retratado por autor não identificado.

António Ferro, retratado por autor não identificado.

Ainda muito novo, frequentava uma barbearia situada em frente de sua casa que, segundo ele, “era um verdadeiro centro político republicano: Passava aí a maior parte dos meus dias, não perdendo uma palavra do que ouvia – entre republicanos exaltados, apóstolos sinceros, verdadeiros fanáticos, homens que falavam da República, como se a República tivesse forma humana”.

Foi nessa mesma barbearia que conheceu, entre outros, João de Meneses, Alexandre Braga, Fernandes Costa, Heliodoro Salgado, Afonso Costa e, ainda, António José de Almeida com quem mantinha uma original relação: “Gostava de conversar comigo e gostava de me ouvir”.

Achava graça àquele rapazinho que papagueava os seus discursos, o “menino-prodígio” que repetia, conscienciosamente, para quem o queria ouvir, os seus argumentos e as suas frases (…)”. Por essa altura, António Ferro convence-o a escrever um depoimento para o seu jornalinho escolar, o “República”. Foi, segundo deixou escrito, um dos dias mais felizes da sua vida: “E com o meu lápis de colegial, numa folha de papel que eu lhe estendi, timidamente, António José de Almeida, futuro director da «República», futuro presidente da «República», escreveu um artigo de fundo (um grande período chegava para encher uma coluna), para a minha Republicazinha, para a minha Andorra”. 

É essa a primeira “grande entrevista” de António Ferro.

A partir de 1910, ainda estudante na Escola Francesa, e mais tarde, como aluno do Liceu Camões, colabora em comissões de festas liceais onde diz, ou se dizem, versos seus e onde, também esporadicamente, representa peças teatrais.

António Ferro com amigos do liceu. No verso: Ao Amigo Ferro offerece Américo Nascimento como recordação das festas carnavalescas do Lyceu Camões de 1912.

António Ferro com amigos do liceu. No verso: Ao Amigo Ferro offerece Américo Nascimento como recordação das festas carnavalescas do Lyceu Camões de 1912.

Programa “Grandioso Sarau dramático e dançante”, Colégio Francês, 23.04.1910

Programa “Grandioso Sarau dramático e dançante”, Colégio Francês, 23.04.1910

Em 1911, aluno do Liceu Camões, conhece Mário de Sá-Carneiro que abandona o liceu no mesmo ano da sua entrada. O poeta confia-lhe dois dos seus primeiros poemas, Quadras para a Desconhecida e A Um Suicida, ambos dedicados a Tomás Cabreira Júnior, com quem escrevera a peça Amizade e que se suicidara com um tiro, nas escadas do liceu aos 16 anos de idade.
Em 1912, em colaboração com Augusto Cunha, seu grande amigo do liceu e futuro cunhado, publicaMissal de Trovas, livro constituído por quadras ao gosto popular dedicadas a Augusto Gil e a Fausto Guedes Teixeira, que, em edição de 1914, foram acompanhadas de apreciações de Fernando Pessoa, João de Barros, Mário de Sá-Carneiro, Afonso Lopes Vieira e Augusto Gil, entre outros.
Entre 1913 e 1918, frequenta o curso de Direito na Universidade de Lisboa até ao quinto ano. No seu processo académico, uma entrada de 20 de Março de 1918 refere a sua inscrição “nas cadeiras e cursos que constituem o quinto ano da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa”.

António Ferro demonstra desde muito cedo o espírito e a energia que o caracterizarão durante toda a vida. Convive com Mário Sá-Carneiro, Fernando Pessoa, Alfredo Guisado e Almada Negreiros, entre outros, e recebe-os frequentemente em casa dos pais para discutir livros e ideias até altas horas da noite.

Fernando Pessoa escreve no seu diário (30.03.1913): “Das 2 e ¼ às 4 e ½ em casa de António Ferro a ouvir-lhe três peças. – Leu duas. – Depois, para a Baixa com ele”.

Revista "Orpheu"

Revista “Orpheu”

Revista "Orpheu" pag 01.

Revista “Orpheu” pag 01.

Em Março de 1915, António Ferro edita os dois números da revista Orpheu, por ser o único que não tinha ainda atingido a maioridade e, segundo Alfredo Guisado, “se surgisse qualquer complicação, a sua responsabilidade não teria consequências”. (Em Autores, Novembro de 1960.).

O primeiro número é dirigido por Luís de Montalvor e Ronald de Carvalho e o segundo, por Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro. São fundadores, além dos supracitados, Almada Negreiros, José Pacheco, Armando Côrtes-Rodrigues (Violante de Cisneiros), Raul Leal (Henoch), Alfredo Guisado e Eduardo Guimarães.
Ainda nesses anos, estabelece relações de amizade e corresponde-se com amigos como Augusto de Castro, Augusto de Santa-Rita e João de Barros.
António Quadros, em artigo no Diário de Notícias (14.11.1957), lembra uma frase do pai “Em pleno centro de Lisboa, no Rossio, surgiu há pouco tempo remodelado o velho restaurante “Irmãos Unidos”, onde o grupo costumava reunir-se, pois o poeta Alfredo Guisado era filho do proprietário”.


Novembro de 1912  

António Ferro, 1912, no seu quarto da rua dos Anjos em Lisboa.

António Ferro, 1912, no seu quarto da rua dos Anjos em Lisboa.

Dia 25

Paris

Meu caro amigo.

Quando já supunha que você se desfizera em poesia ou em amor, veio-me a sua carta dar de tal um alegre desmentido – se é que seria triste sorte um corpo humano converter-se todo em estrofes geniais ou em beijos apaixonados.(…)

Escreva longamente dando mtas novidades. Bem vê como eu sou pronto em responder. Recebi a sua carta às 9h. da manhã e escrevo-lhe esta às 9 ½!…

O liceu como vai? O Bettencourt ainda é professor? Senão diga quem é o seu mestre de latim e português.
Enfim, diga mtas coisas como nesta carta, fale de gente conhecida, de teatros, de novas literárias ets., etc.

Um grande abraço e obrigado

  1. de Sá-Carneiro

50, Rue des Écoles

Grand Hotel du Globe

[Carta de Mário Sá-Carneiro para António Ferro]


Se nos lembrássemos sempre como éramos aos vinte anos, não nos atreveríamos a olhar, sequer, para quem tem vinte anos.

António Ferro
2 de Janeiro de 1953

 Bibliografia consultada

– “Retrato de uma Família: Fernanda de Castro, António Ferro, António Quadros” de Mafalda Ferro e Rita Ferro.

– “Subsídios Genealógicos para o estudo das famílias Galhardo e Bandeira de Mello”, volume I, de Ernesto Ferreira Jordão.

Dândi

Novembro 26, 2014

Por Raquel Naveira

O dândi aspira a ser sublime. Vive e morre em frente ao espelho. Tudo é vaidade.

Charles Baudelaire foi um poeta boêmio, um dândi. Posso imaginá-lo numa casaca azul com botões dourados, a calça estreita de pele de gamo, as botas lustradas, a camisa de babados finalizada por um laço, todo apertado num colete. Tinha o garbo de um cardeal das letras, o mistério de quem conhece a dor do mundo e as paixões, mas permanece impávido, como um albatroz voando nas alturas, entre o eterno e o efêmero. Ser dândi era sua essência, sua realidade. Aspiração de causar espanto pela maneira de se vestir, de se portar, de se cuidar. Pasmar as pessoas pela inteligência, pela sensibilidade, pela imaginação. Misto de vampiro e aristocrata. Ser dândi não era futilidade, era fuga sutil daquele pássaro que pousava no navio com suas asas de envergadura gigante, deixando a turba de marinheiros estupefata. O princípio de sua vida elegante era um pensamento de ordem e harmonia que dava um tom poético a todas as coisas. Uma espécie de dramatização da vida, afinal, a roupa é o mais enérgico dos símbolos.

“O dandismo” constitui uma das seções do ensaio de Baudelaire “O pintor da vida moderna”, que focaliza a obra do pintor francês Contantin Guys. Foi publicado pela primeira vez, em três partes, em novembro-dezembro de 1863, no jornal Le Figaro. Baudelaire explica que o dândi cultiva o belo em sua pessoa, satisfaz suas inclinações. O gosto pela elegância material é um símbolo da superioridade de seu espírito. É uma espécie de culto de si mesmo. O último rasgo de heroísmo na decadência. É um sol poente, que declina, soberbo, sem calor, cheio de melancolia. O dândi aspira a ser sublime. Vive e morre em frente ao espelho. Tudo nele reflete sua ambicionada glória. Ele despende suas rendas e bens com produtos de arte: livros, quadros, espetáculos musicais e teatrais. Espalha por onde anda toques de nobreza. Ama os brasões, os capelos, os sapatos de solas vermelhas, os perfumes, os sais, os vinhos, as coroas, os barretes, as esporas de prata. Esse sentimento de busca de distinções é uma necessidade da alma humana, uma espécie de sede, pois até o selvagem tem suas plumas, tatuagens, arcos e briga por  miçangas.

Baudelaire tinha a instrução, a linguagem fluente, a graça do porte, o esmero, o trato refinado. Gastou toda a herança do pai em roupas, drogas e álcool. Morou na companhia da mulata Jeanne Duval, a Vênus Negra, no luxuoso Hotel Pimodin, onde conheceu pintores, escritores emarchands. Sua mãe entrou na justiça, acusando-o de pródigo. Sua fortuna teve que ser controlada por um tutor. Morreu sem conhecer a fama, de sífilis e alterações cerebrais. Sempre dividido entre duas postulações simultâneas: uma em direção a Deus e à espiritualidade e outra a Satanás, no desejo da animalidade e da queda.

Lembrei-me de Castro Alves, o nosso poeta romântico. Lindo, jovem, a densa cabeleira. Vestia sempre paletó preto de casimira inglesa, chapéu gelô, gravata de colorido espalhafatoso. Olhava-se de alto abaixo no espelho e dizia:

– Tremei, pais de família! Don Juan vai sair.

Andava pelas ruas de Recife, sentindo prazer em ser reconhecido, cumprimentado. Uma tarde, esquecendo-se das conquistas amorosas, subiu num banco da praça e gritou:

– A praça! A praça é do povo/ Como o céu é do condor!

Em breve ele próprio seria o condor ferido, o pé amputado depois de um incidente numa caçada, o peito minado pela tuberculose. Febres, hemorragias, delírios. Aos vinte e quatro anos, as esperanças de celebridade e de futuro se acabaram para o dândi.

O poeta Mário de Sá-Carneiro, amigo de Fernando Pessoa, foi um dândi perdido no labirinto de si mesmo: “Se me olho a um espelho, erro/ – Não me acho no que projeto”. Nos seus poemas fala sempre dos sonhos que não sonhou e de uma saudade que o faz beijar suas mãos brancas. Declara ter sido Lord na Escócia em outra vida, arrastando sua tristeza sem brilho e o desejo astral de ter desfrutado um luxo desmedido. Aos vinte e seis anos, em meio a uma crise financeira e moral, suicidou-se. Sua vaidade de narciso aliada a uma tendência ao autodesprezo, a uma visão estética feminóide conduziram-no ao abismo. Sua intuição à Baudelaire trouxe, porém, novos horizontes para a poesia portuguesa.

Baudelaire, Castro Alves, Mário de Sá-Carneiro: pobres poetas dândis, almas que se perderam na vaidade. Pois tudo é vaidade.

Conheço alguém de uma elegância suprema, de uma graça essencial. É um homem divino que se ocupa de todos com delicadeza. Está sempre pronto para ajudar. Sempre semelhante a si mesmo. É simples e calmo, por isso tem poder. Seduz e atrai sem esforço. Magnético. Aceita as pessoas. Perdoa seus defeitos. É capaz de dizer: “Eles não sabem o que fazem”. Eu me escondo sob sua capa vermelha. E lhe presto culto.

LÁGRIMAS OCULTAS

Novembro 11, 2014

Por Clariesse Barata Sanches

“Se me ponho a cismar em outras eras”

Em que ri e cantei, em que era querida,

Parece-me-que foi noutras esferas,

Parece-me que foi numa outra vida…

FLOBELA ESPANCA

Texto Clarise

 GLOSA

“Se me ponho a pensar em outras eras”,

Medito nessa vida, com Saudades

De sonhos encantados e quimeras,

Aonde eu via só felicidades!

  

Hoje choro de penas e de amor

“Em que ri e cantei, em que era querida”,

E via o meu Jesus em cada flor

A decorar no campo, a linda Ermida!

 Agora, sinto penas e, deveras,

Meu cérebro já cheio de memórias,

” Perece-me que foi noutras esferas”

E que tudo o que digo são histórias!

Mas não. Eu via amigos e abraços

A dizerem-me adeus na despedida

A com flores, até, no meu regaço,

” Parece-me que foi numa outra Vida.”

Premio Antonio Quadros 2014

Outubro 22, 2014

Evento Fundação Antonio Quadros II Evento Fundação Antonio Quadros

O PODER DAS PALAVRAS – Prefácio “Diário do Anoitecer”

Outubro 1, 2014

Por Renato Nalini

Paulo Bomfim, além dos talentos já decantados, continua a exercitar o dom de surpreender. É uma fonte insuplantável de criatividade. A pressa de seus passos, a inquietude evidenciada na sua rotina, é a mesma que o impulsiona a produzir. Aceleradamente, aos borbotões, num jorro imaginativo denso e incessante.

Esta filosofia poética ora entregue a leitores de todas as idades não é mero conjunto de pensamentos. É um acervo de máximas destinadas a provocar atitudes concretas. Fonte inesgotável de ensinamentos que a posteridade consagrará. Condensa emoções em setas certeiras: atingem o alvo. Desconcertam. Fazem pensar. E pensar é cada vez mais difícil nestes dias de muita ação e nenhuma reflexão. Ele tem consciência disso quando anuncia: “Diante de tantas máquinas pensantes ousemos pensar”.

Nem sempre os coetâneos têm noção da profundidade de uma obra. Conviver com a genialidade pode ser imperceptível. Raro que alguém se detenha ante a magia do próprio existir. PAULO BOMFIM consegue instigar esse exercício. Obriga a meditar e pode gerar milagres. É o que se pressente e se vaticina para este livro. O decantar das gerações vai revisitar o que for digno de preservação nesta era de superficialidades. Os axiomas postos aqui à apreciação da lucidez permeável ao belo serão testemunho de que nem tudo estava perdido no turbulento início do século XXI.

Sintetizar reflexões é missão de que raros espíritos conseguem se desincumbir. Vivencia-se a era da prolixidade, das frases intermináveis, das imagens deterioradas pela reiteração monocórdica dos que muito falam, sem ter nada a dizer. Nada que se aproveite, nada que se perpetue. A fatuidade típica dos que só conseguem se deleitar com o próprio zumbido ególatra.

A concisão proclamada pelo poeta não elimina, antes estigmatiza, a profundidade de suas elucubrações. Está¬-se perante uma arca mágica, repleta de genes de sabedoria. Cada qual deles, inseminado em consciência fértil, fará germinar novas primícias do gênero humano.

Ninguém será o mesmo depois de abrir a arca. Este baú é seminal, porque apto a produzir pessoas novas. Embebidas de infinitos olhares sobre si mesmas, sobre a vida, sobre os sentimentos. Sobre o encanto de pertença a uma categoria prenhe de mistérios e de indagações irrespondíveis.

Este encontro não será em vão. Impossível a leitura descompromissada. Toda blindagem será profanada. A força emanada do verbo desencadeará vendavais nas estruturas aparentemente sólidas. Ninguém resistirá imune ao poder das palavras de PAULO BOMFIM. Seu vaticínio se cumprirá: “Creio no poder das palavras, casulos que transportarão nossa essência a épocas que nem ousamos sonhar”.

Diário do anoitecer é um grande livro. Permanecerá, será comparado a outros clássicos, quais os pensamentos de Pascal. Será utilizado por quantos mendigarem inspiração. Servirá de motivação para que os estudiosos da filosofia dissertem sobre as instigações nele contidas. Abençoado território do engenho bomfiniano, eficaz ao repartir os dons com a prodigalidade que é o seu signo.

Embora os escritos se desvinculem do criador e adquiram existência própria, assim que postos à luz, impossível deixar de reconhecer esta patente paternidade_ Diário do Anoitecer resplende o DNA do Príncipe dos Poetas Brasileiros.

Os contemporâneos de PAULO BOMFIM apenas intuem a excelência de seu caráter. Homem generoso, projeta a sua imagem nos humanos que têm o privilégio de seu convívio. A pureza do poeta só detecta o lado luminoso da espécie. Toda criatura reveste, para ele, um encanto próprio.

O Evangelho existencial do bandeirante paulistaníssimo conseguiu implementar o ideal que o cristianismo persegue. PAULO BOMFIM é a prova de que a fraternidade pode reinar entre os humanos. Na esfera profana, aquilo que a seara jurídica tenta incutir em vão nas mentes contaminadas pela rigidez da técnica — o sentido da dignidade da pessoa humana — o coração ingênuo de PAULO BOMFIM sempre dominou. Desvendou-o com o cérebro menino, que as dores não petrificaram. Prossegue magnânimo e aberto. Disponibiliza uma pós-graduação em humanismo.

Em seu precoce testamento filosófico — pois já o adorna a glória da verdadeira imortalidade — desnuda em confissão: “Legarei minha emoção aos indiferentes, o riso aos lábios moços que murcharam, a lágrima aos incapazes de sofrer, a rebeldia aos acomodados, calor aos corações polares e esta paixão ao desamor do mundo”.

Numa quadra de crises e de desalento, refletir sobre as lições que seguem é uma transfusão de confiança na espécie. A melhor resposta é aderir a um projeto que pareceria utópico, não fora a certeza de que seu formulador o vivencia na prática.

Aprendamos com PAULO BOMFIM e tenhamos a coragem de bradar: “Não sejamos alheios mas façamos de nós bandeiras inconformadas, pavilhões contraditórios, pendões de altivez, trapos de ouro e lama ondulando sobre aqueles que se fazem de mortos”.

Um reparo não se consegue evitar: Diário do anoitecer não é título adequado. Melhor seria Diário do alvorecer, pois a alma fecunda de PAULO BOMFIM outorga uma aurora ética para todos os famintos de solidariedade e de esperança.

Saciemo-nos sem hesitação! O banquete é apetecível!

Fonte: www.paulobonfim.com

 

Terras Portuguesas

Junho 16, 2014

por Saulo Krichanã Rodrigues

 Se um dia eu renascer, quero nascer em terras portuguesas;

Para, daquelas terras, me arremessar ao mundo,

E o mundo, então, conquistar, atravessando mares,

Que precisam ser singrados, e assim se tornarem presas

 

Do desejo de rumar, com as velas desfraldadas,

Até que se encontre a amada: que está silente, n’essa espreita;

E, assim, sem medo, o tempo desafiar — vento e procela –,

Até a ela chegar, com música e poesia, mil vezes, decantadas.

 

Só assim, por Deus, haverei de me saber herdeiro,

D’alma lusitana, que tanto orgulho traz ao peito;

Até que eu possa chegar a este lugar perfeito;

 

Onde nasceram da mesma fonte rica e benfazeja,

Luís, Fernando, Florbela e outros tantos que, profundos,

Fizeram este imenso Portugal gerar, mil mundos.

FESTA DO ESPÍRITO SANTO na ARRÁBIDA

Junho 4, 2014

Evento Fundação Antonio Quadros

Data: DOMINGO DE PENTECOSTES, dia 8 de Junho de 2014

Participação: Associação Agostinho da Silva, Fundação António Quadros e representantes de diversos grupos culturais e religiosos.

CELEBRAÇÃO

– O Culto do Divino Espírito Santo;

– Agostinho da Silva, 20 anos após a partida, sempre mais presente (In Memoriam, no 24.º Pentecostes da Arrábida).

– Leitura de textos de Agostinho da Silva, António Quadros e Dalila Pereira da Costa.

10.45h

Encontro junto ao Convento da Arrábida (Fundação Oriente). Subida ao Convento Velho.

Saudação na Capela da Memória de Nossa Senhora da Arrábida.

Meditação pela Paz.

Coroação das crianças.

Evocação / Música | Cânticos:

Trovas para o Menino Imperador, de António Quadros;

Quadras ao Divino Espírito Santo, de Agostinho da Silva.

BODO

14.00h

Será oferecido o bodo, junto ao caminho de Alpertuche.

CONFRATERNIZAÇÃO

Convite à participação das pessoas presentes; outras surpresas.

Durante a tarde.

“Reservemos para nós a tarefa de compreender e unir; busquemos em cada homem e em cada povo e em cada crença não o que nela existe de adverso, para que se levantem as barreiras, mas o que existe de comum e de abordável, para que se lancem as estradas da paz”.

Agostinho da Silva (Considerações e outros Textos, 1988)

“Esta sobrevivência das Festas do Espírito Santo em Portugal, apesar das dificuldades que teve através dos séculos, é um sinal para que no dia de amanhã os nossos filhos, os nossos netos, os nossos bisnetos, venham a constituir-se como fontes humanas entre os povos deste mundo, entre as culturas deste mundo”.

António Quadros  (excerto da mensagem proferida na Arrábida a 19 de Maio de 1991)

A Influência Russa na Literatura Brasileira

Maio 16, 2014

 Por Adelto Gonçalves

I

Que a literatura russa influenciou boa parte da literatura produzida no Brasil, especialmente no final do século XIX e na primeira metade do século XX, nenhum crítico de bom senso pode colocar em dúvida. Até que ponto chegou essa influência e como seu deu, pois, na maioria, por desconhecimento do idioma russo, os autores tiveram acesso apenas a traduções de segunda mão do francês, é que nunca ninguém havia estabelecido.

Essa questão, porém, já está devidamente esclarecida e aprofundada, depois da pesquisa de proporções ciclópicas empreendida pelo professor Bruno Barretto Gomide em sua tese de doutoramento apresentada ao Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em junho de 2004, que saiu em livro em 2011 pela Editora da Universidade de São Paulo (Edusp): Da estepe à caatinga: o romance russo no Brasil (1887-1936), Prêmio Jabuti 2012, da Câmara Brasileira do Livro, na categoria Teoria e Crítica Literária.

As fontes deste livro foram extraídas de arquivos particulares de escritores e de uma extensa pesquisa que o estudioso fez em jornais, revistas e livros publicados entre 1887 e 1936, valendo-se também de consulta não só em arquivos públicos e de universidades em Campinas, São Paulo e Rio de Janeiro como nos Estados Unidos, especialmente nas bibliotecas das universidades de Illinois, Indiana, Stanford e Califórnia.

Neste livro, a recepção da literatura russa no Brasil é estudada a partir de dois eixos: pesquisa documental da recepção crítica do romance russo e estudo da vasta bibliografia comparatista que lida com outros casos de recepção da literatura russa no Ocidente. Tudo isso acompanhado pelas discussões específicas fornecidas pela crítica literária e pela historiografia da cultura brasileira, como observa o autor na introdução.

Os primeiros textos que utilizavam os romancistas russos como contraponto a questões literárias candentes no Brasil datam da segunda metade da década de 1880. Já o final da década de 1930 marca um momento em que tais discussões perdem sua força e deixam de ser relevantes para a crítica. O trabalho conta ainda com um anexo que reproduz algumas fontes significativas, privilegiando as de mais difícil acesso.

II

É observar que a chegada do romance russo ao Brasil foi uma consequência marginal de um processo internacional iniciado na França, que o tornou uma sensação europeia em meados da década de 1880. Foi quando surgiram as traduções em escala industrial e livros de crítica que assinalavam a recepção desses romances em língua francesa.

Gomide aponta o ensaio O Romance Russo, de Eugène-Melchior de Vogüé (1848-1910), publicado em 1886, como o elemento basilar dessa recepção, pois era a ele que recorria a maior parte dos ensaístas, inclusive no Brasil. Entre os romancistas brasileiros, Lima Barreto (1881-1922) foi o que mais se deixou influenciar pelas ideias que o romances russos traziam implícitas, especialmente a partir do prefácio que Vogüé escreveu para Recordações da Casa dos Mortos, de Dostoiévski (1821-1881).

O pesquisador observa que já havia conhecimento da literatura russa no Brasil antes mesmo da década de 1880, mas esses contatos se davam em escala diminuta. A partir daquela data, o seu “surgimento súbito” no País, em função do que ocorria na França, passou a atiçar a criação de uma literatura genuinamente nacional, como observaram ao tempo José Carlos Jr. (?-?), um crítico paraibano hoje quase esquecido e justamente “ressuscitado” por Gomide, e Clóvis Bevilacqua (1859-1944). Mas, como constata Gomide, essa interpretação não foi unânime. Para Tobias Barreto (1839-1889), por exemplo, os romancistas russos eram a negação de tudo o que a cultura francesa representava.

Para Silvio Romero (1851-1914), os russos seriam também o melhor exemplo antípoda de Machado de Assis (1839-1908). Se o escritor fluminense construía delicados estados psicológicos de suas personagens à maneira do francês Paul Charles Joseph Bourget (1852-1935), Romero fazia o contraste com a estética radical do choque, exemplificada por Edgar Allan Poe (1809-1849) e Dostoiévski, observa Gomide. E acrescenta: para Romero, o autor fluminense ficava “bem abaixo de Dostoiévski, Poe e até de Hoffmann (1766-1822), quando este envereda, como o próprio Machado diria, pelo distrito da patologia literária”.

Portanto, o caráter inovador da prosa russa foi imediatamente detectado pelos críticos brasileiros, que passaram a utilizá-lo largamente como termo de comparação em suas críticas e recensões. E até a apresentá-lo como um modelo de emancipação          para a literatura brasileira.

III

Na primeira parte de seu livro, Gomide trata da divulgação dos romancistas russos a partir da metade dos anos 1880, especialmente de 1883 a 1886. E apresenta exemplos do aumento vertiginoso do número de traduções e do entusiasmo nos meios intelectuais pelo novo fenômeno literário. Mostra ainda que, quando a revolução de 1917 assustou o mundo, já havia no Brasil uma tradição de três décadas de discussão do romance russo em periódicos e livros de crítica.

Portanto, associar autores como Dostoiévski, Turgueniev (1818-1883), Leon Tolstói (1828-1910) e Alexandr Pushkin (1799-1837) ao bolchevismo só podia partir de mentes obnubiladas, o que não é de admirar, pois, à época da última ditadura militar (1964-1985), o livro Juan Rulfo: Autobiografia Armada (Buenos Aires, Corregidor, 1973), de Reina Roffé, teve a sua importação barrada, por volta de 1975, porque o censor fez uma interpretação beligerante da palavra “armada”, quando o título queria dizer apenas que a autobiografia havia sido “armada” com declarações do escritor retiradas de entrevistas publicadas em épocas diversas. Santa ignorância….

Na segunda parte de seu trabalho, Gomide estuda as décadas de 1920 e 1930, quando era flagrante o impacto da revolução bolchevique. E mostra claramente que, ao contrário do que se supõe, a literatura russa nunca foi uma espécie de patrimônio da esquerda, pois intelectuais católicos, como Alceu de Amoroso Lima (1893-1983), Tasso da Silveira (1895-1968) e Jackson Figueiredo (1891-1928), já discutiam sua influência na literatura mundial, especialmente a partir de Dostoiévski, Máximo Górki (1868-1936) e Leon Tolstói.

A segunda parte do livro apresenta, além de um panorama do mercado editorial da década de 1930, textos que desconfiam abertamente das interpretações geradas no fim do século e tentam cercar os romancistas russos por outros ângulos. E contestam a ideia de que o niilismo de Dostoievski e de outros escritores russos teria preparado terreno para o avanço do comunismo e a vitória dos bolcheviques em 1917, apenas porque a literatura russa sempre esteve associada a questões sociais. Na conclusão, Gomide defende que é anacrônico reler os primeiros momentos da recepção da literatura russa no Brasil de acordo com os resultados posteriores à revolução de 1917.

Como o livro vai até 1936, fora da análise de Gomide fica o recente renascimento do interesse do leitor brasileiro pelo romance russo que, a rigor, deu-se depois do lançamento, em 2001, da primeira tradução de Crime e Castigo, de Dostoiévski, feita diretamente do russo por Paulo Bezerra, pela Editora 34, de São Paulo. Em seguida, saíram vários livros traduzidos diretamente do russo por Paulo Bezerra, Boris Schnaiderman, Fátima Bianchi, Lucas Simone e outros. Em 2011, saiu também Gente Pobre, de Dostoiévski, com tradução de Luíz Avelima, pela editora Letra Selvagem, de Taubaté-SP.

IV

Bruno Gomide (1972) é doutor em Letras pela Unicamp, com estágio de doutorado na Universidade da Califórnia, em Berkeley. Realizou cursos nas universidades de Illinois, Indiana, Cambridge e Linguística de Moscou. Foi pesquisador-visitante no Instituto Gorki de Literatura Mundial, em Moscou, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo (Fapesp). É o organizador do grupo de trabalho de Literatura Russa da Associação Brasileira de Literatura Comparada (Abralic).

Organizou a Nova Antologia do Conto Russo (1792-1998), lançada recentemente pela Editora 34, que reúne nomes conhecidos no Brasil como Pushkin, Gógol, Dostoiévski, Tchekhov, Tolstói, Pasternak, Bábel e Nabókov e outros menos conhecidos, como Odóievski, Grin, Chalámov, Kharms, Platónov e Sorókin, num total de 40. Tem publicado artigos em periódicos internacionais, como Tolstoy Studies Journal e Vopróssi Literaturi, e participado dos principais congressos de eslavística.

Seminário: 100 Anos do Projeto Estoril

Maio 14, 2014

Cartaz Imagem III

Morre o Notável Romancista Gabriel Garcia Márquez

Abril 25, 2014

por Cyro de Mattos

Considerado um dos mais importantes escritores do século 20, o colombiano Gabriel García Márquez morreu  na quinta-feira última,  17 de maio,  aos 87 anos, na cidade do México, vítima de um câncer nos rins. Seu corpo foi cremado em uma cerimônia privada e restrita à família. Metade das cinzas ficou com o México, a outra com a Colômbia, Gabriel Garcia Márquez, chamado de Gabo pelos amigos, nasceu no dia 6 de março de 1928 na aldeia de Aracataca, na Colômbia, não muito distante de Barranquilla.

García Márquez ganhou sucesso internacional após a publicação do romance “Cem anos de solidão”, em 1967. Para o grande romancista peruano Maria Vargas Llosa, o livro foi considerado o maior acontecimento da novela depois de “Dom Quixote”, de Cervantes. Exemplo máximo do realismo fantástico – gênero característico do boom latino-americano da segunda metade do século XX –, “Cem anos de solidão” se passa na fictícia aldeia de Macondo e acompanha, ao longo de gerações, a saga da família Buendía.

Dalton Trevisan, um dos mais importantes autores brasileiros no século XX,  não conteve seu entusiasmo ao ler “Cem anos de  solidão”, chegando a afirmar que  o Brasil merecia um romancista como Gabriel Garcia Márquez. A obra-prima de García Márquez vendeu, até hoje, mais de 50 milhões de exemplares. Foi traduzido para 35 idiomas. Enquanto isso, entre os títulos mais conhecidos do autor de “Cem anos de solidão”, estão ainda  “A incrível e triste história de Cândida Erêndira e sua avó desalmada”, “O outono do patriarca”, “Crônica de uma morte anunciada”, “O amor nos tempos do cólera”, “Do amor e outros demônios”, “Memórias de minhas putas tristes”, “Ninguém escreve ao coronel”, “O Veneno da Madrugada” e “Olhos de cão azul”.

Sobre “O amor nos tempos do cólera”, Garcia Márquez comentou ter sido a época em que foi quase completamente feliz. “Gostaria que minha vida fosse como naqueles anos em que escrevi ‘O amor nos tempos do cólera'”, afirmou ao “New York Times”, três anos após a publicação do romance. Nesta obra,  o autor resgata a verdadeira história da paixão de seu pai, também Gabriel, por Luiza, sua mãe. O pai dela  não aceitava a relação e conspirava contra a união. No romance, o casal se chama Florentino e Fermina. “Todas essas coisas para mim são parte da nostalgia. Nostalgia é uma fonte incrível para inspiração literária e para inspiração poética”, observou na mesma entrevista ao “New York Times”.

Além de romancista, Garcia Márquez é contista e novelista de fatura exemplar. Imaginação fecunda e narrativa fluente são marcas definitivas no comportamento de sua escrita. Tem inúmeros contos que participam em importantes antologias internacionais do gênero. Certa vez declarou que suas influências são Virgínia Woolf. Ernest Hemingway, “As mil e uma noites” e seu pai. É dele a frase de que é fácil lembrar quando se tem a memória. Difícil é esquecer quando se tem o coração.