A liberdade como tema, inspiração e ideologia.

Por Rita de Cássia Alves

LIVRE

 Liberdade não se compra

nem vê a luz

quem de cabeça baixa anda.

Vive-se o medo

fantasma e sombra.

Liberdade se conquista

à luz dos cravos

vermelhos de aurora.

A vida em janelas sem trancas

flâmulas ao vento do passado

como se o futuro fosse

agora.

No dia 25 de abril de 1974, chega ao fim um longo processo de tentativa de desmanche da identidade libertária de um povo bravo e desbravador, o povo português.

O país, assolado historicamente pelo malogro de Alcácer Quibir, em 1578, teve como comandante da esquadra o rei Dom Sebastião que, ainda menino, vai ao Marrocos à frente de um exército, como forma de comprovar a sua coragem e valentia e para impedir o avanço das forças otomanas, a ameaça à costa portuguesa, para não deixar atrapalhar os avanços de dominação no Brasil e na Guiné,  e com a  principal finalidade de fortalecer o comércio de ouro, açúcar, trigo; no entanto, não obtém sucesso, desaparecendo  em terras marroquinas e ditando o fim da Dinastia de Avis.

“Senhores, a liberdade real só há de se perder com a vida“. Os nobres que o acompanhavam a cavalo conformam-se em prosseguir o combate até ao fim, tendo D.Sebastião dito a estes: “Morrer sim, mas devagar!”

Com o fim da Dinastia  de Avis e o enfraquecimento do poder português, já que grande parte da nobreza que liderava o país morreu na batalha, Portugal perde a independência por 60 anos, tempo suficiente para abalar a autoestima e autoconfiança do povo, marcado fortemente pela ambiguidade do gesto: um rei mártir (tornado mito) e a perda da liberdade em consequência disso.

O próprio Camões, ao perceber a ruína financeira e a ameaça à liberdade que se abatia sobre Portugal, escreveu, numa carta a D. Francisco de Almeida, referindo-se ao desastre de Alcácer-Quibir, “Enfim acabarei a vida e verão todos que fui tão afeiçoado à minha Pátria que não só me contentei de morrer nela, mas com ela”.

DOM SEBASTIÃO, REI DE PORTUGAL

(Fernando Pessoa in “Mensagem”, 1934)

 

Louco, sim, louco, porque quis grandeza
Qual a Sorte a não dá.
Não coube em mim minha certeza;
Por isso onde o areal está

Ficou meu ser que houve, não o que há.
Minha loucura, outros que me a tomem
Com o que nela ia.
Sem a loucura que é o homem

Mais que a besta sadia,
Cadáver adiado que procria?

A mensagem para texto de Rita Alves

Abatido, o povo português apega-se a crença de que o rei voltará pra libertá-los do domínio espanhol.

NEVOEIRO

(Fernando Pessoa, in “Mensagem”, 1934)

 

Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,

Define com perfil e ser

Este fulgor baço da terra

Que é Portugal a entristecer —

Brilho sem luz e sem arder,

Como o que o fogo-fátuo encerra.

 

Ninguém sabe que coisa quer.

Ninguém conhece que alma tem,

Nem o que é mal nem o que é bem.

(Que ânsia distante perto chora?)

Tudo é incerto e derradeiro.

Tudo é disperso, nada é inteiro.

Ó Portugal, hoje és nevoeiro…

Mas sem esmorecer, a ciência passa a ser o principal foco de atenção, em especial, na Universidade de Coimbra, que em 1772 introduz, com a  reforma pombalina,  o ensino das ciências, período iluminista, em que se consolida a visão racionalista, experimental e cientificista, em detrimento ao misticismo, à visão religiosa como explicação para todos os fenômenos agora estudados como naturais e não sobrenaturais.

Assim, o Real Gabinete de Física da faculdade de Filosofia abriga vasta coleção de instrumentos científicos da época.

No Brasil, tivemos reflexos dessas posturas, notadamente a construção de fortificações, expansão do comércio, rotas alternativas incentivadas pelo desenvolvimento da ciência da navegação*.

A perda gradativa das colônias, o ascensão do nazi-fascismo na Europa, as doutrinas da a igreja, o integralismo,  propiciaram a instalação, já no início do século XX, da Polícia Preventiva, Polícia de Informações, transformada aos poucos em milícias de controles pessoais, instrumentos repressores, em nome de uma ordem militar que preparou a chegada de António de Oliveira Salazar ao poder, de onde saiu décadas depois.

No entanto, desde o surgimento da ditadura, nunca foi de conformismo a postura do povo português, tendo ocorrido em fevereiro de 1927, na cidade do Porto e em Lisboa uma importante revolta, onde tombou mais de uma centena de combatentes, em apenas dois dias de embate, com um tanto de deportados, cerca de 700, a países da África e outros 500 para a Madeira e Açores.

Em 1932 dá-se inicio a uma das fases mais obscuras da história política e social de Portugal, com Salazar cuidando da pasta das Finanças, regulamentando os chamados “crimes de rebelião”, ou seja, tortura aos comunistas.

Grandes foram os abalos, revoltas armadas, resistências, emigração de quase dois milhões de portugueses a vários países vizinhos, censura, tentativas de tomadas de poder, sequestros, enfim, após 41 anos, o regime não resistiu aos fortes apelos e embates sociais, culminando na revolução dos cravos, em 25 de abril de 1974. O regime caiu quase sem ter quem o defendesse, fortalecendo, isto sim, o moral do povo, aguerrido mais uma vez – e incansavelmente – ao mais nobre sentimento humano capaz de mover multidões: a liberdade.

SP em 25 de Abril

Foto original digitalizada cedida pelo Centro Cultural 25 de abril em São Paulo

ABRIL DE ABRIL
Manuel Alegre

Era um Abril de amigo / Abril de trigo
Abril de trevo e trégua e vinho e húmus
Abril de novos ritmos novos rumos.

Era um Abril comigo / Abril contigo
ainda só ardor e sem ardil
Abril sem adjectivo / Abril de Abril.

Era um Abril na praça / Abril de massas
era um Abril na rua / Abril a rodos
Abril de sol que nasce para todos.

Abril de vinho e sonho em nossas taças
era um Abril de clava / Abril em acto
em mil novecentos e setenta e quatro.

Era um Abril viril / Abril tão bravo
Abril de boca a abrir-se / Abril palavra
esse Abril em que / Abril se libertava.

Era um Abril de clava / Abril de cravo
Abril de mão na mão e sem fantasmas
esse Abril em que / Abril floriu nas armas.

*Em 2004, a Pinacoteca do Estado de São Paulo, sob direção e curadoria de Marcelo Araújo, consegue negociar a mostra do acervo científico da Universidade de Coimbra, “Laboratório do Mundo – Ideias e Saberes do Século XVIII.

A mostra ficou registrada numa edição especial da Imprensa Oficial do estado, uma parceria entre o Gabinete de Relações Culturais Internacionais de Portugal e a Pinacoteca do estado de São Paulo.

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