Os Caminhos (nada) Efêmeros da Poesia

Por Rita Alves

Recentemente, no ano de 2011, fui convidada pelo diretor do parque mais frequentado da América Latina (cerca de 120 mil pessoas num único dia de maior visitação), Heraldo Guiaro, engenheiro agrônomo, responsável por gerir o Parque Ibirapuera, na cidade de São Paulo, a disponibilizar a minha poesia para o grande público.

Naquele dia, o engenheiro me levou até as margens do lago, onde raízes das árvores rompiam o asfalto, dando mostras de resistência da natureza sobre o urbano, golpeando meus olhos e despertando em mim todo um processo metafórico sobre a questão da resistência da palavra, especialmente da palavra poética, em tempos de multimídias, de suportes tecnológicos para textos, repletos de imagens, sedutores formatos digitalizados, que estão aos poucos – e velozmente – ocupando o espaço do livro em formato tradicional, em papel impresso.

Aceitei o desafio, escrevi 50 frases poéticas para que fossem pintadas pelos Gêmeos da Arte entre as raízes das árvores, contornando as fendas.

Ao mesmo tempo fazia-se necessário solidificar o ato de libertação do poema do suporte livro. Convidei um artista plástico para dar forma a minha ideia de colocar poemas em placas de concreto. Lee Swain sugeriu dez placas com poemas entre as árvores, mas por fim, a conversa toda se encaminhou para a criação de um relógio de sol (descompassado), em que doze placas teriam inscritos poemas em baixo relevo. Surgiu o Relógio de Poesia, instalação de arte permanente, num espaço tombado pelo Iphan, garantindo à palavra um instigante e provocador status de perenidade.

Frases sobre o Tempo estão definitivamente incrustradas em imensas placas de concreto, pesando mais de 300 kg cada uma, como um monumento à Poesia nunca visto antes no mundo das letras.

 

Outros três parques da cidade solicitaram a intervenção.  Às margens do Rio Tietê, lá no Parque Ecológico, fazendo referência a cidade de São Paulo, no Parque Villa Lobos, prestando homenagem ao maestro que nomeou o parque, criei poemas sobre música, pintados numa imensa pauta musical, nascida de uma clave de sol, das mãos do artista plástico Pedro Vicente, que convidei para a inusitada tarefa: grafitar poemas no chão.

No entanto, a ação mais significativa, que teve repercussão em todo o país e também fora dele, foi a intervenção no Parque da Juventude, antigo presídio Carandiru, em que poemas sobre a liberdade ocuparam as ruínas de um dos antigos pavilhões, entre as celas e muros.

Novamente a poesia saiu do suporte livro de forma duplamente libertadora, criando um antagonismo linguístico, ora procurei usar termos da prisão com o sentido antagônico, de modo a me apropriar inversamente do significado, rompendo o conceito dos signos “algemas”, “grades”, “amarras”, “confinamento”, “vigilância”, “limitação”, “muros”, enfim, instalando signos entre ruínas da prisão, criando a possibilidade da libertação através da palavra.

Para o Parque Villa Lobos e Ecológico Tietê convidei outros poetas para colocarem frases junto comigo, nomes como Roberto Piva, Claudio Willer, Alice Ruiz, Guilherme de Faria, Lívia Garcia Roza, Estrela Leminsky, Reynaldo Bessa, Flávio Viegas Amoreira, José Roberto Aguilar, Thiago de Mello, José Inácio Vieira de Mello, Antonio Peticov, ainda Pedro Abrunhosa e Luis Serguilha, de Portugal, foram alguns dos nomes a imortalizar suas frases sobre o Tempo.

 

Poetas, como eu, sabem o que significa tentar publicar um livro de poemas.  Ter poemas em instalações pela cidade ganha uma ultra dimensão sob todos os aspectos, especialmente ao observar o modo como a palavra poética chega ao público inversamente, não é o leitor quem vai até a livraria e escolhe o livro, e abre a página, lê o poema, mas num espaço de lazer ele é surpreendido pela palavra poética que lhe entra pelos olhos, causando as mais diversas reações, um estranhamento, um desejo de querer saber o que é.  E quem sabe seja o primeiro passo para adentrar ao mágico universo da leitura de poemas, restrito a tão poucos.

Dentre alguns artigos publicados sobre o trabalho que realizei, saliento o artigo de Sergio Telles, intitulado “Fugacidade”, em que ele, sem saber a autoria, ao caminhar pelas vielas do Parque Ibirapuera, intuía ser de autoria feminina, anotou, então, algumas frases, dedicou uma página inteira no estadão para falar sobre o inusitado suporte “chão”.

E que deste chão, semeado de palavras poéticas nasçam novos frutos libertadores, como o é a palavra.  Já há uma solicitação do MAM (Museu de Arte Moderna) do Rio de Janeiro, para que eu faça uma intervenção de poesia nos Jardins criados por Burle Marx e Lota Macedo Soares.  Vamos para mais este desafio.  Que nós, das letras, não nos intimidemos diante de novas perspectivas.

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