A Arte da Dubiedade como previsão do Futuro

Por Dalila Teles Veras (*)

São Paulo é uma cidade única e surpreendente. Costumo freqüentar a região que abarca a Av. Paulista desde a Consolação até o MASP, ruas Augusta e Frei Caneca. Ali se concentram cinemas e galerias de arte, restaurantes, cafés, e, sobretudo, sebos e livrarias. Toda essa oferta, mais a diversidade de tipos humanos, é garantia de festa permanente.

Ontem, noitinha, na calçada da Rua Augusta, enquanto camelôs recolhiam apressadamente montanhas de CDs e DVDs piratas, provavelmente por algum aviso de aproximação de fiscais, casais do mesmo sexo se abraçavam e acarinhavam sem nenhum pudor, enquanto esperavam mesas no Atenas,  mais adiante, jovens sentados no chão saboreavam pizza vendida aos pedaços, misturando-se à fila do Espaço Unibanco de Cinema, a surpresa maior: em meio àquele vai e vem, dois homens de meia idade, sentados à soleira de uma porta fechada, concentradíssimos, jogavam xadrez.

Logo acima, enquanto esperava o início da sessão e saboreava um suco numa das mesas do Café anexo ao Cinema, fui atraída por uma conversa entre um casal da mesa ao lado.

A moça (que eu via apenas de perfil), olhos com pesada maquiagem, embaralhava cartas de um baralho e pedia para o rapaz corta-lo. Ele (que eu via quase de frente), todo vestido de branco, longos cabelos com ar de pouco trato,  sandálias de couro rústico, semblante grave e atento. A conversa chegava até mim um tanto quanto entrecortada pelo burburinho à volta, mas, ainda assim, passo aos meus amigos leitores o que anotei:

“- Nossa! Ótimo!, exclamava a pitonisa, observando algumas cartas colocadas na mesa.

– Melhor do que a primeira? Pergunta o rapaz.

– A primeira tem ótima possibilidade, devido à estrela, à força da rainha… alguns obstáculos… difícil acesso… mas nada que impeça… Aqui está o 4 de espadas, calmaria depois das batalhas, principalmente nas questões dessa editora…

– Então já posso ir atrás?

– Mas é muito bom, muito positivo!… Você já fez o contrato com eles?

– Entreguei os originais há dois anos, mas disseram que dependia do planejamento… a editora tem segmentos… O Gaspareto é mais o padrão…

– Nossa! A estrela novamente!… Nada que você não possa esperar. Alguma coisa relacionada com o contrato! Dá uma prensa neles, diz que já tem proposta de outra editora… Isso pode não ser uma verdade agora, mas é uma possibilidade…

– Você quer saber mais alguma coisa? Parte novamente…

– Bem (partindo o baralho) eu queria saber, assim… em relação à recepção da obra… Há um temor.. da editora barrar … ficaram de me levar ao Jô Soares, mas desde o ano passado… acho que antes o livro precisa sair… 20 anos da morte dele este ano… deixamos passar a oportunidade…

– Não, não vai barrar… vai fazer sucesso, vai vender, mas ao mesmo tempo, vai ser um trabalho de formiguinha, você vai ter que batalhar, um pé atrás… Mas há ótima perspectiva de sucesso… Se houver alguma crítica não vai chegar a afetar, algo leve.

– Outra coisa que eu queria saber é sobre um concurso público que eu estou querendo prestar. Se eu passar, vou ter que me mudar para Brasília. Como é que vai ficar essa situação?

– Corta novamente… (ele, ar cada vez mais grave, corta). O 6 de ouros que é a segurança e o 7 é o novo. Este é um momento de impasse, mas não está muito definido, mas você tem a possibilidade de entrar em alguma coisa… mas será preciso desemperrar essas coisas… É como você estivesse com uma casa quase pronta e não conseguisse morar. Problemas internos que fazem parte de um todo maior.

– Eu precisaria ir até lá:

– Não, a mudança é uma conseqüência. A energia que está para nascer. Está faltando muito pouco,não pode deixar para amanhã…

– Então o sinal deve ser o livro

– Você terá outra atividade. Não está claro…mas precisa mais ação de sua parte. Não pode ficar deixando as coisas acontecerem, senão não vai sair…

– Eu também queria saber se a Camila, que mora em Goiânia, é a mesma pessoa que você viu aí…

– Não sei se é a mesma moça, mas essa moça é uma excelente possibilidade de vir a ser sua namorada.

– Puxa vida, se eu me mudar para Brasília fica mais perto..

– Porque você não vai até lá?

– Mas eu não tenho grana pra nada…”

 

Mutatis mutandis, não foi difícil me reportar a um outro cenário, o Oráculo de Delfos, com suas pitonisas escolhidas pelo Deus Apolo, recebendo monarcas e plebeus à busca de previsões futuras sobre amores e batalhas. Naquele havia, no entanto, todo um rito que envolvia as consultas que só aconteciam em dias determinados, com a sacerdotisa “purificada” previamente e envolta em gases misteriosos e aromáticos. Justamente por serem escolhidas por Apolo, imagino que essas sacerdotisas da Grécia antiga, seriam bem mais iniciadas nas artes divinatórias, mas, diga-se, igualmente primavam pela dubiedade, jogando com o fator de saber desarmado e fragilizado o consulente. (dtv)

 

Celebração, memória e amizades – homenagem

Ontem (ops! olho o relógio e hoje já não é hoje e o ontem foi, na verdade, sexta-feira) um grupo de pouco mais de 30 pessoas, celebrou, num restaurante em Santo André, os 78 anos de Antonio Possidonio Sampaio. Um a um, foram chegando os amigos. E de surpresa em surpresa, o aniversariante a todos foi recebendo com a naturalidade de quem intuía que a data não passaria em branco, como não passou. Bem sabe ele, que  a colheita é certa para quem muito plantou. Muitos outros ali estariam, se a vida não fosse hoje tão urgente e aliciante. Os que ali estavam transformaram o encontro em verdadeira e comovente celebração.

Há 18 anos, quase uma centena de amigos o homenagearam pelos 60 anos, num restaurante na Capital. Naquela mesma oportunidade, eu e Valdecirio fizemos chegar às suas mãos um pequeno volume denominado “Retrato de um Homem Livre”, que organizamos, recolhendo depoimentos de algumas dezenas de amigos (escritores, advogados, políticos, parentes, religiosos, sindicalistas (um deles, hoje é Presidente da República), resultando num admirável painel do advogado combativo, jornalista e escritor prolífico e militante, sempre presente nas causas culturais e sociais, acima de tudo um humanista.

 

Alguns trechos do livro:

– “Possidonio é um livro ao vivo. Escreve com a pena e com a fala. Porque seu coração tem estilo” Frei Betto

– “Possidonio é desses escritores – a mesma honestidade – que crê na obra em si e no seu julgamento ante a posteridade. Pouco valem para ele os aplausos fugazes e circunstanciais.” – Caio Porfírio Carneiro

– “(…) com sua humildade, cultura, alegria e incansável vontade de lutar por seus constituídos para servir, como até hoje, de exemplo para os novos colegas que escolheram a advocacia como profissão e sacerdócio”. Adelina Bitelli Dias Campos

– “O advogado, o jornalista, o escritor, o companheiro e o amigo não se diferenciam. Prevalece em todos a harmonia, sob o acorde tríplice da autenticidade, da dignidade e da lealdade.” – Antonio Fernandes Neto

– “Meu avô havia tido vinte e três filhos, e somente aquele não dava importância ao comércio ou ao dinheiro (…) Grande sertanejo, forte, brigador, papai temporão (…) quero manifestar meu orgulho em ser seu sobrinho, seu amigo, seu compadre (duas vezes) e em ter a certeza de que seu exemplo foi uma das diretrizes que me serviu de rumo” Wellington C. L. Sampaio

– “Para mim, um menino – a despeito do respeito que impõem os cabelos brancos -, um guru, mesmo esbanjando essa meninez.” Rosana Chrispim

-“ Humildade, lealdade, honestidade e solidariedade são os traços do homem Sampaio, meu irmão”. Valdecirio Teles Veras

– “Tarde de sábado, setembro, de um 1971 brasileiro nebuloso. Um baiano afável e um sorridente piauiense dão-me as boas vindas ao CORB – Centro de Oratória Rui Barbosa., na sede da União Brasileira de Escritores. Meses depois, caso-me com o piauiense e selo uma amizade com o baiano. Casamento e amizade já duram 20 anos, encontros definitivos”. Dalila Teles Veras

– “Você sempre foi uma pessoa pura, que nunca disputou um cargo, uma pessoa sem interesses pessoais. Você, Possidonio, não tem a dimensão do quanto ajudou na minha vida política, no meu comportamento político, no meu desenvolvimento político. (…) é uma pena que o movimento sindical e até o próprio PT não tenham, talvez por minha culpa, sabido utilizar todo potencial que você tem, a sua capacidade intelectual, aquilo que você representa para uma geração de sindicalistas obstinados que queriam mudar o país. Os agradecimentos não são só meus. Eu acho que são do Rubão, do Nelsão, do próprio Paulo Vidal com quem você conviveu muito; são do Devanir Ribeiro, do Djalma Bom, do Dr. Maurício, de tanta gente que hoje se transformou em personalidade…” Luis Inácio Lula da Silva

À beira de se tornar um octogenário, Antonio Possidonio Sampaio, preserva a centelha menina do entusiasmo e do otimismo, cultiva o respeito à alteridade e cultiva  os princípios éticos e morais que sempre nortearam sua já longa vida.

Se há 18 anos, comemorávamos 20 anos de amizade, hoje celebramos (eu e Valdecirio) 38 anos de uma amizade/irmã, da qual muito nos orgulhamos. Tim… tim… portanto, ao nosso Salvador Bahia! (dtv)

(*) Escritora Brasileira nascida em Portugal.

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